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Rio de Janeiro, 24 de abril de 2024


País

"Ainda falta muito para uma oposição consistente"

Bruno Alfano - Do Portal

06/04/2011

Geraldo Magela/Agência Senado

Pressionado pela base do seu próprio partido, o ex-governador Aécio Neves (PSDB-MG) foi à tribuna do Senado Federal para fazer seu segundo discurso como senador. Com casa cheia, a expectativa era a de que tentasse se firmar como o principal líder da oposição. Entretanto, segundo a professora Alessandra Maia, do Departamento de Sociologia e Política da PUC-Rio, o tucano não obteve êxito. Durante a fala, realizada nesta quarta-feira (06/04), Aécio Neves criticou antigas posturas do PT, apresentou propostas e elogiou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e as privatizações.

Para Alessandra, o senador pecou em não apresentar uma forma de atuação da oposição diferente do que vêm acontecendo. Segundo ela, o modelo ainda é o de se opor somente com o objetivo do jogo político. "Se opõe porque se opõe, só para fazer o jogo político, da mesma maneira como fazia o PT", afirmou.

Para a cientista social, seria mais contundente se o senador apresentasse propostas mais concretas. "Para uma oposição consistente, ainda falta muito", definiu.

Propostas apresentadas por Aécio Neves:

– Eliminação do PIS e Cofins para empresas que atuam no saneamento básico.

– Eliminação do ICMS na conta de luz de famílias de baixo consumo. O estado de Minas Gerias já adota essa proposta.

– Transferência gradual dos recursos e da gestão das rodovias federais para os governos estaduais.

– Distribuição dos recursos do Fundo Nacional de Segurança e do Fundo Penitenciário aos estados.

– Revisão da lei geral de micro e pequenas empresas, criação do imposto simples trabalhista e extensão dos benefícios do empreendedor individual para empresas de pequeno porte.

Portal PUC-Rio Digital: Como a senhora avalia o discurso do senador Aécio Neves?

Alessandra Maia: Ele começou com uma avaliacão da história do país. Antes de começar qualquer análise, tratou do período anterior aos governos Dilma e Lula. Tentou não se colocar no papel do amigo-inimigo, ou seja, numa perspectiva "quem está comigo e quem está contra mim", inclusive dizendo não ser esse tipo de oposição. Disse ainda que não considera o governo um inimigo. Entretanto, o tratou como "adversário". E marcou o discurso inteiro com o duplo sentido, no papel de amigo-inimigo que falou que não iria utilizar. Quanto diz que “o PT prefere estar ao lado do partido e não ao lado do povo”, ele coloca o PT como inimigo do povo e o PSDB como amigo. O ponto dele é tentar desvalorizar certas conquistas ou mostrar que a importância do governo foi dar continuidade às políticas do partido dele. Repare que faz isso sempre na chave do amigo-inimigo, que ele disse que não faria. Aécio faz isso o discurso inteiro. Outro ponto é que acho que ele esvaziou o debate quando fez críticas à atual gestão sem colocar propostas mais concretas na mesa. Aparece uma crítica dizendo que não avançamos em infraestrutura, mas ele, Aécio Neves, não mostrou como deveríamos avançar nesse campo.

Portal: Esse discurso foi direcionado ao governo ou serviu para amenizar a pressão que o senador estava sofrendo na base?

A.M.: Aécio marcou o ponto dele, pela pressão que estava sofrendo. Da Dilma mesmo, ele só falou que ela fez uns pontos de inflexão. Acho que estava ali cumprindo um papel sem querer se arriscar muito. No discurso, disse que vai “fazer na medida em que considera que tem que fazer”. Então, acho que ele tenta construir uma situação de conforto para ele próprio. Não vi uma mudança muito grande de posicionamento.

Portal: Quais são os problemas que a oposição precisa resolver?

A.M.: Para uma oposição mais consistente, ainda falta muita estruturação. O problema é que ainda há esse "vício de forma" da oposição. Ela está sem propostas. E o Aécio também. Ele não mostrou uma linha de governo do "estilo Aécio Neves". Ainda falta. Faltou caracterizar melhor de que forma efetivamente ele resolverias as questões pendentes. Ele está o tempo inteiro se referindo e criticando o governo, mas, ao mesmo tempo, só se vale dos feitos do PSDB. Não consegue estabelecer claramente quais são os critérios e quais seriam as suas plataformas de gestão. Você não vê as ideias dele, Aécio Neves, de uma forma clara. Passou pelo menos 10 minutos falando de tudo que ocorreu antes do governo PT. Acho que falta uma plataforma clara de atuação para que a oposição construa seu discurso. Percebo que ela se opõe porque se opõe, só por fazer parte do jogo político, da mesma maneira como fazia o PT.

Portal: Mas e as propostas que o senador fez nos últimos minutos do discurso?

 Mauro Pimentel A.M.: O que ele propôs, em minha opinião, foi muito pequeno e pouco estruturado. Ele ficou falando muito de que é necessária uma oposição baseada em alguns valores – audaciosa, ética e responsável –, mas estes são conceitos muito abstratos. Eu acho que ele não foi muito objetivo no que ele estava propondo. A única vez que trouxe uma proposta firme foi quando propôs uma reforma na maneira de repassar as verbas aos municípios, que é uma realidade realmente muito complexa pela quantidade de municípios no Brasil [cerca de cinco mil atualmente].

Portal: No discurso, houve uma aproximação com a figura do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e de questões como a privatização. Esse alinhamento não foi uma constante do partido nos últimos anos. A senhora percebe uma mudança de rumo?

A.M.: Quando ele apoiou o [José] Serra nas eleições passadas, disse que estava apoiando mesmo com o não-apoio do presidente Fernando Henrique. Naquele momento, ele optou ali por ter essa atitude. Agora, chamou a atenção não só para o governo FHC, como citou as privatizações. Entretanto, como senador, na questão do salário mínimo, se alinhou à proposta de R$560, enquanto o partido defendia R$600. Então, essa mudança representa mais o fato de ora apoiar, ora não apoiar, do que um alinhamento definido.