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Rio de Janeiro, 26 de julho de 2024


Cultura

Poesia se reinventa na internet e no cinema

Carina Bacelar - Do Portal

30/03/2011

 Luísa Nolasco

De uns tempos para cá, o senso comum tende a considerar a poesia, por seu rebuscamento e subjetividade, uma linguagem “envelhecida”, fadada ao desuso entre as novas gerações. Mas o poder de sobreviver a mudanças na sociedade e a capacidade de reinventar-se mantêm o vigor poético ao longo dos séculos. Foi assim quando na Grécia antiga os versos tornaram-se independentes das liras e passaram de expressão musical a oral. Durante a Idade Média, saíram da boca de “trovadores” e, com o surgimento da imprensa, ganharam o papel. Agora é a vez de o  “território livre” da internet acolher o gênero, que sintetiza a própria expressão da liberdade. Apesar dos efeitos colaterais nem sempre proveitosos, a explosão de blogs e páginas eletrônicas dedicados a poemas ou prosas poéticas atrai os jovens autores e leitores. A poesia ainda deve ir além, prevê o cineasta Silvio Tendler, professor do curso de cinema da PUC-Rio. Autor de videoinstalações sobre o “Poema Sujo” de Ferreira Gullar, Tendler acredita que ela será a “linguagem salvadora” do documentário.

– Eu acho que o documentário está com uma linguagem envelhecida. Não está conseguindo fazer frente ao volume de informações da televisão. Hoje, a tevê compete com o documentário em forma e conteúdo. Isso vem tirando o público dos cinemas – avalia.

Para enfrentar a concorrência da televisão, Tendler defende uma mudança na linguagem do documentário, que deve explorar as possibilidades da poesia em vez da realidade. Foi isso o que ele fez com a videoinstalação “Há várias noites na noite”, no fim do ano passado. O projeto trazia uma cenografia típica de um bar, com mesas, cadeiras e cardápios. O espectador podia “escolher seu pedido” entre vários vídeos, projetados em TVs de plasma. No “menu”, atores famosos e anônimos declamavam o poema de Ferreira Gular e revestiam a poesia com um sabor tecnológico e interativo.

– Isso representa uma forma de usar a tecnologia para popularizar a poesia. Gente que não consumiria esse tipo de arte vai pela curiosidade do café e acaba gostando – diz ele – Eu não estou inventando a roda, eu estou me adaptando à circunstância da roda.

A exemplo da tecnologia audiovisual, sites e blogs também ajudam a divulgar a produção lírica de anônimos e até de bambas do gênero. Na internet, ressalta Tendler, jornalismo e arte enfrentam o mesmo dilema: diante da grande produção disponível, é necessário garimpar o que é de qualidade.

Luísa Nolasco– Hoje, qualquer um pode ler Camões de graça pela internet. A tecnologia é uma ferramenta muito útil. No entanto, é preciso ter um senso crítico literário – ressalva.

O cineasta acredita que a abundância de endereços dedicados à poesia na rede é benéfica, pois “quantidade leva à qualidade”. Na visão dele, não se pode ser preconceituoso em relação ao suporte:

– O que vai definr a qualidade do autor é conhecimento, erudição e criatividade.

Não é só o cinema que viu no documentário uma janela criativa. Em tempos de questionamento sobre o futuro da mídia impressa e sobre a qualidade do jornalismo na web, o portal Jornalirismo baseia suas análises em uma linguagem menos objetiva e mais poética do que a convencional. O editor Guilherme Azevedo propõe uma abordagem “menos cartorial” dos fatos:

– A linguagem jornalística que tentamos colocar em prática aproxima-se da literatura em termos de questionamento do mundo, de inventividade e de liberdade. As reportagens, por exemplo, nascem dos personagens, do modo como contam suas vidas, das palavras que utilizam para definir a si mesmos e expressar sua singularidade – explica.

Para Guilherme, a internet é um poderoso instrumento de democratização da criação e da produção poética:

– A internet tem permitido a livre expressão de escritores de todas as gerações e origens. Gente que precisava de uma sorte muito grande para ser publicada e lida.

Nesse aspecto, a interatividade torna-se um catalizador importante: 

– Comunicação é interação. E a internet pressupõe essa proximidade entre autores e leitores, horizontaliza essa relação que, no passado, foi muito tumultuada e verticalizada.

Assim como Guilherme Azevedo, os calouros nos versos reconhecem que a web tem popularizado o gênero entre os mais jovens. O estudante de comunicação Pedro Sodré criou, no meio do ano passado, um blog para compartilhar as poesias que, em outros tempos, ficavam limitadas às páginas de um caderno.

– Eu queria compartilhar aquelas poesias, aqueles sentimentos todos. Para eu debater aquilo com os meus amigos e com a sociedade, eu tinha que publicá-las em algum lugar – conta o jovem, que frequenta saraus, mas não gosta de ler seus próprios versos por serem fruto de “uma dor muito grande”.

Luísa NolascoEsse caráter visceral da poesia de Pedro é inspirado no autor Charles Bukowski, de quem particularmente o jovem tomou conhecimento pelos livros, apesar de admitir procurar obras de muitos outros autores na internet.

– A internet democratiza. Nem que eu pudesse publicar, acho que eu ia preferir ficar na internet, porque é um contato muito mais íntimo com quem tá me lendo. – disse, adicionando que as editoras, muitas vezes, restringem a inventividade dos autores.

Apear de elogiar a interação entre autores e leitores on-line, Pedro Sodré admite que ele próprio nem sempre encarou bem os comentários de suas publicações.

– Como eu nunca pedi para ninguém comentar aquilo, sempre tive a certeza daquilo, porque as pessoas vinham falar a partir do nada. Mas quando o comentário era uma coisa meio debatendo, tentando adicionar, eu ficava meio receoso.

Também aluno de comunicação social, Gabriel Zambrone transformou a vontade de escrever em um projeto coletivo. Em 2009, ele convidou alguns colegas de curso para participar do blog Línguas Presas por perceber que páginas individuais de autores atraiam um número pequeno de leitores

– Valorizando a livre expressão de outros blogueiros faria a "roda" girar. E funcionou! – comemora.

Ele não considera que o território livre da internet abra caminho para a banalização do fazer poético, mas para estimular o compartilhamento de obras de poetas clássicos e de novatos, além da exteriorização daquilo que sentimos.

– É como estar em um sarau à tiracolo.- resume.

Colega de Zambrone e também dono de um blog de poesias, o estudante João Arthur Soares possui uma opinião contrária. Ele destaca a superficialidade da rede em relação a obra de autores famosos, mas ressalva que páginas como o twitter “O Pensador” fazem um trabalho interessante quando propagam ideias de escritores.

Carolina Bastos– É importante essa divulgação e esse contato inicial das pessoas com a poesia, mas essa difusão muito grande banaliza algumas coisas. Tudo o que as pessoas fazem elas dizem que é poesia. Acho que a gente tem que saber separar um pouco as coisas. Pra você ser poeta há um estudo muito grande.

A estudante de publicidade e autora de um blog que contém, entre outros gêneros, o poético, Juliana Maldonado, vê a internet como algo benéfico para a divulgação da linguagem poética entre os jovens:

– Quanto mais se tem contato com a poesia, mais força ela soma.– afirma ela. 

No entanto, ela admite ainda recorrer aos livros quando quer ler um bom poema:

– Livro tem cheiro, sensação do tato, tem a relação com o objeto. O computador é para muitas sensações. O livro desperta uma sensação que é somente dele.

Diante de tanta informação e da facilidade de circulação na rede, o professor de direito da PUC Ricardo Brajterman destaca que o número de processos sobre uso indevido de direitos autorais têm chegado mais frequentemente aos escritórios de advocacia. Uma provável razão é a disponibilização do material artístico na internet. Ricardo alerta uma manifestação literária só é protegida pela lei depois de seu autor registrá-la no acervo da Biblioteca Nacional.

– Uma forma de desencorajar as reproduções é colocar no texto o símbolo de copyright. – aconselha.

O mais comum, segundo o advogado, é a apropriação de fragmentos de um determinado autor sem seu devido consentimento para ilustrar outro texto, ou ainda como divulgação. Mas também pode ocorrer o uso indevido de textos na íntegra por e a exploração comercial desse material. Nesses casos, o site pode ser retirado do ar pela justiça.

– O autor deve tentar um acordo amigável com o site que está usando indevidamente o que ele escreveu. Caso não consigaem até 72 horas, ele pode entrar na justiça por danos morais e materiais. – ressalta.

Mesmo com impasses pontuais, a internet parece ser o futuro da poesia, concordam Guilherme Azevedo e Silvio Tendler. Na visão dos dois, o gênero literário pode sofrer transformações nesse novo suporte, mas não perder a inovação e subjetividade que lhe são características:

– Já tem muita gente escrevendo contos no Twitter. Em uma linha, você conta uma história. De repente isso vai transformar as pessoas, elas vão falar de uma forma mais sucinta. Pode acontecer também de o Youtube gerar uma estética própria. – projeta Tendler.

– A internet é poesia em estado puro, espaço para compartilhar sonhos e experimentar novas linguagens - acredita Gulilherme.