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Rio de Janeiro, 16 de abril de 2024


Cultura

A beleza e a dor de uma metamorfose

Fabíola Amaral - Da sala de aula

24/03/2011

 Divulgação

Intenso, envolvente, denso, visceral. Estes são alguns dos adjetivos que podem ser atribuídos ao filme “Cisne Negro”, de Darren Aronofsky. Em contradição com o glamour e a leveza atrelados aos espetáculos de balé clássico, o diretor cria um clima angustiante e sombrio que permeia todo o enredo vivido pela bailarina Nina, interpretada de forma impecável por Natalie Portman.

Nina é obcecada pela perfeição e sonha em representar o papel principal na tradicional peça de balé “O Lago dos Cisnes”. Mas, essa obsessão a faz mergulhar em suas angústias, medos e insegurança. Apesar de ter realizado o sonho de ser a Rainha Cisne, ela sofre com a auto-cobrança e com a pressão de corresponder a expectativa de todos.

Nina é frágil e delicada como o Cisne Branco. É uma bailarina disciplinada e extremamente dedicada. Ela é submissa à mãe, ao diretor artístico da companhia de balé e a todas as exigências. É um personagem domado. Faltam a Nina as características para interpretar o Cisne Negro, personagem forte, passional, visceral e selvagem.

Ela é, então, provocada a buscar o seu Cisne Negro, e nessa busca Nina entra em uma paranoia. Como não suporta lidar com a própria insegurança, acaba criando uma “realidade paralela” e um outro eu.

Aronofsky trabalha a dualidade, muito bem explorada pela relação com os espelhos que são presença constante no filme. O diretor trata da personalidade fracionada, uma questão típica do homem contemporâneo. Cisne Negro não é apenas um filme sobre balé, é um filme sobre o homem da pós-modernidade, multifacetado, submetido à cobrança da sociedade e à vigilância do panóptipo de Foucault.

Os aspectos do homem da pós-modernidade parecem, sobretudo, ser o foco do diretor que já abordou o assunto em obras anteriores, destacando a obsessão em uma batalha psicológica de ritmo ofegante em Pi (1998) e despindo impiedosamente os personagens num mergulho profundo no mundo das drogas em Réquiem para um Sonho (2000) – uma experiência tão angustiante quanto impactante.

Em Cisne Negro, a montagem é primorosa na construção das alucinações de Nina. O corte rápido e a repetição de imagens fazem com que o espectador siga o ritmo frenético e apavorado da mente da personagem e também se sinta perturbado e atordoado.

As cores escolhidas pela direção de arte são usadas de modo a envolver o espectador com a frieza dos tons de cinza. O rosa pálido do figurino de Nina reforça os traços de fragilidade da personagem, além de ser uma cor com uma estrita relação com ao balé clássico.

O terror psicológico no qual Nina submerge também é construído pelo uso da luz, com clara inspiração no expressionismo alemão. A fotografia com sombras profundas e vultos dá o tom sombrio e amedrontador no qual a personagem está imersa, além de garantir o suspense ao espectador – reforçado pelo uso do som com ruídos que em muitos momentos surpreendem e em outros confundem o público.

A câmera dança junto com o cisne branco, num bailado leve e sutil. Mas, também persegue Nina em ângulos e enquadramentos opressivos, como por exemplo, com takes um pouco acima da nuca. Neste caso, a câmera pressiona e insinua uma onipresença, intimidando e desestabilizando a personagem.

O universo expressionista se completa com a transformação de Nina em cisne, que vai ocorrendo ao longo do filme. Com o recurso dos efeitos especiais, Aronofsky dá vida a sua criatura monstruosa, culminando com uma exacerbação que confere a organicidade da alucinação da personagem “mulher-cisne”, representando o alcance da perfeição para Nina.

A dor e a angústia intrínsecas na personagem podem ser comparadas à expressão do famoso quadro de Edvard Munch, O Grito. É tenso, é desesperado é dilacerador. E é neste transe arraigado que Nina é conduzida a um desfecho catártico e romântico – tão presente nos clássicos de balé. Cisne Negro emociona pelo contraste de extremos que se unem em um único ser: beleza e dor, sonho e angústia.