Carina Bacelar - Do Portal
24/03/2011A entrada em vigor da Lei da Ficha Limpa só em 2012, determinada ontem em votação apertada no Supremo Tribunal Federal (6 a 5), reconduz ao poder políticos que, mesmo judicialmente impedidos, disputaram o pleito de 2012 e obtiveram os votos suficientes para se elegerem. Apesar do amparo constitucional (o artigo 16 veda a aplicação de novas regras a menos de um ano das urnas), a decisão representa um prejuízo à imagem do Poder Judiciário, acredita o professor Ricardo Ismael, do Departamento de Sociologia da PUC-Rio. Ele considera que a sociedade possa “reagir mal” por conta do apelo popular em torno de avanços éticos no processo democrático:
– A Lei do Ficha Limpa teve uma mobilização em âmbito nacional. Quando o povo souber da decisão nos jornais, não vai entender os motivos pelos quais foi tomada e começará a desconfiar se lei realmente será aplicada (passará a valer a partir da eleição de 2012) – prevê.
Ismael explica que o princípio da "anualidade" – que impede a aplicação de leis sancionadas a menos de um ano do pleito – prevaleceu sobre o da moralidade, que "prega a defesa das instituições da corrupção". Segundo ele, a questão era controversa do ponto de vista jurídico e já se esperava que a lei não vigorasse em 2010.
– A decisão, apesar de causar preocupação na sociedade, era um cenário possível. O Fux não sai com uma imagem arranhada entre seus pares (os magistrados), mas talvez com a ala comandada pelo (minstro) Ricardo Levandovski, que defendia a aplicação imediata da Ficha Limpa – avalia Ismael, referindoo-se ao ministro Luiz Fux, cujo Voto de Minerva determinou a validade da lei só para o próximo ano.
O analista político pondera que a "verdadeira decepção” está na demora da aprovação da lei pelo Congresso e, posteriormente, na indecisão do Supremo sobre sua vigência, no ano passado.
– Houve um atraso proposital. No Congresso, ninguém queria tocar no assunto. Se não fosse a pressão da sociedade, nem seria votado – critica.
A professora de Filosofia de Direito da PUC-Rio Bethânia Albuquerque também acredita que a sociedade "reagirá mal" à decisão do STF, mas por "desconhecimento do assunto". Para ela, confunde-se a autoria do projeto, que é da sociedade civil, mas acabou atribuída ao Supremo.
– A soberania é nossa, o que muita gente esquece. O Supremo se limita a votar quando entrará em vigor – afirma. – A maioria pode pensar que os ministros “reprovaram”, são contra a Lei da Ficha Limpa, o que é um equívoco – esclarece.
Ismael reconhece que, apesar dos atrasos e da decepção quanto à validade da lei só em 2012, a "simples discussão sobre a Ficha Limpa foi proveitosa", pois gerou um debate sobre a moralização da política. Essa reflexão e a cobrança por avanços devem se manter viva entre os eleitores:
– A lei ocupou uma pauta muito grande no ano passado. Mesmo não sendo validada imediatamente, está na cabeça do povo. Houve um ganho nesse sentido.
Para 2012, quando a Lei da Ficha Limpa passará a vale, Ismael projeta modificações significativas no quadro de concorrentes às eleições. Ele prevê que, na incapacidade de partidos filtrarem seus candidatos, a Justiça eleitoral sairá fortalecida, ao determina quem concorre ou não.
– Acredito que a lei veio para ser cumprida, e não só ficar no papel – torce o professor.
Igualmente otimista, a professora Beatriz de Albuquerque ressalta a importância da iniciativa para o sistema político brasileiro:
– A lei é fundamental, pois aproxima o povo do sistema legal. Quanto mais transparente o Estado, maior o apoio que tem da sociedade. Isso é muito interessante para a ética nacional.
Estudantes de direito e movimentos sociais já esperavam lei apenas em 2012
Para grande parte dos que conjtribuíram para a mobilização poular e a aprovação do projeto Ficha Limpa, a decisão do STF já era esperada. A coordenadora em São Paulo do Movimento Contra a Corrupção Eleitoral (MCCE) garante que "o sentimento não é de derrota, mas de esperança por grandes avanços em 2012".
– O próprio Fux considerou a Ficha Limpa “a lei do futuro”. Ela representa um novo paradigma jurídico. – comemora.
Estudantes de direito admitem que a aprecialção pelo Supremo era "uma questão delicada". Leonardo Brandão, por exemplo, considera correto o parecer final. Para ele, as implicações jurídicas do tema dificultaram a decisão:
– Tinha uma questão constitucional, mas também a condenação da impunidade.
Paulo Fernandes, também estudante de direito, reconhece a complexidade do tema e a correção legalista na qual se baseou a maioria dos ministros, mas acredita ser “um absurdo” a não-aplicação da lei já nas eleições de 2010. Ele não crê que o ministro Luiz Fux, responsável pelo desempate na votação do Supremo, sairá com uma "imagem manchada".
– Eles (os ministros do STF) têm uma justificativa muito coerente para não terem aprovado a aplicação automática – admite.
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