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Rio de Janeiro, 19 de abril de 2024


País

Visita de Obama marca correção de rumo nas relações com Brasil

Bruno Alfano, Fernanda Miranda e Stéphanie Saramago - Do Portal

18/03/2011

Pete Souza e Mauro Pimentel

Nos últimos dois anos, Brasil e Estados Unidos, mesmo sem diminuir o número de acordos bilaterais firmados, não concordaram com quase nenhuma grande questão da agenda internacional. O programa nuclear iraniano, a base militar na Colômbia e o golpe em Honduras foram apenas algumas das muitas divergências com os americanos ocorridas no final do mandato do ex-presidente Lula. O quadro reflete a complexidade da relação entre os países: são cooperativos, porém com posições divergentes. Neste final de semana, o presidente Barack Obama visita o Brasil. De acordo com especialistas, o encontro deve marcar uma reaproximação estratégica entre os dois lados.

A Segunda Guerra Mundial foi o único momento de aliança formal entre os dois países. A partir da década de 1950, o desejo de autonomia brasileiro e a dificuldade americana em aceitar essa nova postura começou a criar os primeiros atritos. Brasil e Estados Unidos nunca se afastaram por completo, mas passaram a ter posições contrárias em diversos assuntos. Segundo o professor Maurício Santoro, do Centro de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas, essa busca de autonomia se intensificou no governo Lula:

– Dessa vez, o desejo de autonomia do governo brasileiro coincidiu com um momento de crise nos Estados Unidos, com dificuldades econômicas e políticas resultantes do 11 de Setembro. Isso gerou uma série de problemas na relação entre os dois países – afirmou Santoro.

A questão africana exemplifica essa situação: os dois países mantêm ações de combate aos problemas sociais no continente, como a Aids. Porém, segundo o professor, as diferenças culturais entre os países influenciam no modo destes atuarem. No caso da África, enquanto os programas americanos são marcados pelo conservadorismo religioso e, assim, são restritivos quanto ao uso de camisinha, na perspectiva brasileira, tais interveções focam o trabalho com os grupos de risco, como prostitutas:

– São duas abordagens divergentes, mas para resolver o mesmo problema – ressaltou o professor.

O combate ao narcotráfico é outro ponto divergente entre os dois países. Apesar de ambos concordarem que é um problema sério, os Estados Unidos defendem que o narcotráfico é uma questão a ser combatida até mesmo com o uso das Forças Armadas.

– Os EUA consideram essa como uma das principais missões dos militares na América Latina depois da Guerra Fria. Por conta disso, bases militares americanas são mantidas na Colômbia. Além disso, há uma série de cooperações militares com o México.

Segundo o professor, pela ótica brasileira, o narcotráfico é uma questão policial, onde a intervenção militar é muito pontual e específica, como foi, por exemplo, no início de janeiro a retomada do Complexo do Alemão. Para Santoro, esse é um exemplo de questão na qual os dois países podem encontrar maneiras de trabalhar juntos, mas sem que isso possa significar uma aliança formal. O professor explica que o Brasil, por ser um país em desenvolvimento, tem outra maneira de vivenciar seus problemas:

– O Brasil tem uma agenda internacional muito mais voltada para o tema do desenvolvimento, do combate às desigualdades sociais, e os EUA são uma grande potência com uma esfera de preocupações que, embora envolvam também a economia, tem que levar em conta uma série de outros problemas, como segurança internacional, a questão do terrorismo, que não são ameaças sérias para o Brasil – apontou Santoro.

A professora Cristina Pecequilo, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), explica que a relação entre os dois países se tornou mais complexa a partir dos governos George W. Bush e Lula. Para ela, a relação é boa, pois os dois países reconhecem a importância mútua no cenário internacional.

– Os EUA reconhecem a relevância do Brasil como potência regional e global, e o Brasil a posição dos EUA no sistema internacional. Isso não significa uma relação bilateral sem conflitos, mas uma relação cada vez mais complexa e múltipla nos campos político, estratégico e econômico, no qual existirão convergências e divergências dependendo da questão – afirma Pecequilo.   

 Camila Grinsztejn Para o ex-ministro das Relações Exteriores e ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos Luiz Felipe Lampreia, a boa relação dos dois países sofreu um abalo no episódio da aproximação do Brasil com o Irã durante o governo Lula no ano passado. Segundo ele, outro complicador é a relação comercial. Nos últimos dois anos, o Brasil sofreu uma perda na balança comercial com os EUA de US$18 bilhões.

– Os Estados Unidos sempre cobram muito uma postura muito liberal dos outros, mas eles próprios praticam medidas muito discriminatórias, protecionistas. Por isso, tem havido vários conflitos como o caso do algodão, do etanol e do suco de laranja. Protegendo o produto deles, as importações brasileiras diminuem – afirmou Lampreia.

O ex-ministro explica que essas barreiras comerciais são difíceis de serem derrubadas. Para ele, a vinda do presidente Obama ao Brasil não representa um início da resolução dessa questão, pois esta é, sobretudo, fruto do sistema político americano:

– Através do voto distrital, congressistas e senadores estão sempre preocupados em atender seus próprios eleitores, que são contra a queda dessas tarifas aos produtos brasileiros. O presidente não tem nenhuma alçada sobre isso – falou Lampreia.

Para a professora Pecequilo, os contenciosos comerciais são uma parte central das relações entre Brasília e Washington:

– Os EUA preservam uma política protecionista e de subsídios que dificulta o acesso brasileiro ao mercado americano. Isso trava as negociações bilaterais assim como as multilaterais na OMC, dificultando o avanço da posição do Brasil no mercado americano – ressaltou.

Luiz Felipe Lampreia e Maurício Santoro apontam para a mesma alternativa ao protecionismo americano: o petróleo.

– Há certo interesse americano em aumentar essas compras do Brasil, porque temos um país mais estável do que outros grandes fornecedores – disse o professor Santoro.

É no Oriente Médio que os Estados Unidos compram a maior parte do petróleo importado. Segundo Lampreia, essa área está cada vez mais volátil e difícil de confiar, logo, o interesse está voltado para o desenvolvimento da produção de petróleo no Brasil. Outro caminho, segundo o ex-embaixador, é na área de biocombustíveis:

– O bioquerosene, um tipo de biocombustível é próprio para aviação e isso poderia permitir o lançamento de um programa “céus limpos” (clean skies). O programa parece estar bem adiantado e os americanos já conseguiram fazer com que esse bioquerosene seja testado – informou Lampreia.

Para o ex-embaixador, a relação entre Brasil e EUA está passando por um processo de recuperação, rumo a fase que considera mais promissora:

– É um desejo de parte a parte normalizar as relações e superar as dificuldades que existiram recentemente – avaliou.

De acordo com o professor Arthur Bernardes do Amaral, do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio, a aproximação dos países é importante nesse início do governo Dilma, pois o Brasil já ocupa uma posição de “interlocutor inexorável no cenário internacional”.

– O momento dessa visita é muito bom. É quando o Brasil pós-Lula já tem uma participação internacional relevante. Já se mostra como um ator importante não só na America Latina, mas também de maneira global – disse Bernardes do Amaral. 

A visita do presidente Obama ao Brasil é, segundo o professor Maurício Santoro, um gesto simbólico de dizer que é preciso melhorar a relação entre os países, que existe o desejo de que isso aconteça:

– Temos que encarar essa visita como o início de um processo de correção de rumo. Como um marco inicial de reorganização dessas duas diplomacias que ainda vai levar alguns meses pra se consolidar – afirmou.