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Rio de Janeiro, 20 de abril de 2024


Saúde

Endocrinologistas temem retrocesso na saúde brasileira

Carolina Bastos - Do Portal

24/02/2011

 Carolina Bastos

O adiamento da decisão sobre a proibição da venda de inibidores de apetite no Brasil – proposta semana passada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) – está longe de esgotar a polêmica em torno do uso de substâncias como a sibutramina (banida nos Estados Unidos e na Europa) no tratamento da obesidade. Com base em estudos que associam tais substâncias a complicações cardiovasculares, o Ministério da Saúde alega que os riscos superam os benefícios. Médicos discordam e sugerem uma discussão aprofundada, compatível à complexidade do assunto. Na opinião do coordenador adjunto do curso de endocrinologia da Escola Médica de Pós-Graduação da PUC-Rio, Walmir Coutinho, a proibição dos remédios vai gerar riscos maiores:

– Milhões de brasileiros serão prejudicados, porque não terão alternativas viáveis para perder peso. A maioria das pessoas obesas não consegue emagrecer só com exercícios ou dietas. Elas precisam desses medicamentos – argumenta o endocrinologista.

A Anvisa estuda proibir os principais remédios para emagrecer que agem sobre o sistema nervoso central, à base de sibutramina e dos anorexígenos femproporex, afepramona e mazindol. Segundo consultores da Câmara Técnica de Medicamentos, o uso desses remédios pode prejudicar o sistema cardiovascular do paciente. O único remédio antiobesidade que deve ser mantido é o orlistat, princípio ativo do Xenical. Coutinho ressalva, no entanto, que esse medicamento age somente no intestino e tem pouca eficácia no tratamento da doença. O endocrinologista admite que o uso da sibutramina aumenta em 16% o risco de problemas cardiovasculares – como aponta estudo publicado na "New England Journal of Medicine", feito com 10 mil pacientes em 16 países – mas observa que esses efeitos colaterais estão descritos na bula.

A professora de endocrinologia da Escola Médica da PUC-Rio Isabela Bussade reforça que a obesidade é uma doença e, assim, precisa de tratamento à base de remédios:

– Proibir de forma generalizada todos os recursos medicamentosos pode ser considerado um retrocesso na saúde brasileira. Com isso, você passa toda a responsabilidade e dificuldade de emagrecer para o paciente, sem nenhum auxílio. Eu, como endocrinologista e cidadã, não concordo. Acho até uma falta de respeito com a sociedade, com a população obesa.

Dos 40 milhões de obesos no Brasil, aproximadamente a metade apresenta problemas genéticos ou desajustes biológicos que prejudicam a perda de peso, como metabolismo lento. Sem os remédios, essas pessoas correm o risco de ficarem com a saúde ainda mais comprometida. A estudante de direito da IBMEC Paula Coelho, de 20 anos, tomou sibutramina no fim de 2009 e emagreceu seis quilos em um mês. Ela "sempre foi ansiosa e compulsiva em relação à comida" e, por isso, não conseguia fazer dieta sem um auxílio de medicamento.

– A intenção era inibir meu apetite, e foi eficaz. Não senti nenhum efeito colateral, mas sei que o remédio aumenta os riscos de problemas cardíacos na pessoa que já possui essa propensão. Acho que cada indivíduo com esses problemas deve procurar um médico especialista antes de tomar qualquer remédio – diz Paula.

Isabela reconhece "um uso inadequado dos medicamentos no Brasil". Ela defende, assim, maior rigor na comercialização e na prescrição de remédios. Na avaliação da professora, só os médicos "qualificados" – especialistas na área metabólica e cardiovascular – poderiam fazê-lo. 

– A proibição [de inibidores de apetite] não é necessária. O uso desses remédios é de extrema importância para os doentes, que ficariam sem recursos de tratamentos. A opção cirúrgica é de alto custo e muito complexa, e dieta e atividades físicas não são eficazes para todos. O obeso grave tem baixa adesão se não recebe prescrição medicamentosa – argumenta a endocrinologista.

A estudante de direito da PUC-Rio Mariana Souza, tem 21 anos, 1,61m e 80kg. Mariana já experimentou diversas dietas, exercícios físicos, remédios, mas o tratamento mais satisfatório foi com o remédio à base de sibutramina. Com o medicamento, ela emagreceu 12 quilos em quatro meses. Agora, ela segue uma dieta balanceada e pratica exercícios regulares. 

A também universitária Juliana Mello, de 20 anos, usou inibidores de apetite por dois meses e perdeu 10 quilos. Ela acredita, porém, que o tratamento só com remédios crie uma dependência: 

– Por um lado, acho certa a utilização dos remédios. Entretanto, por mais que ajude a emagrecer, se após o término do uso do remédio você não mantiver uma dieta regular, pode-se engordar até o dobro – estima.

O endocrinologista Guilherme Azevedo, autor dos livros Dieta Nota 10 e Cardápio Nota 10, utiliza inibidores de apetite nos tratamentos de obesos. Ele prescreve os medicamentos caso o paciente não perca peso durante 60 dias de reeducação alimentar. Para Guilherme, os remédios têm um papel coadjuvante e é essencial respeitar as contraindicações:

– A responsabilidade da prescrição é do médico. O especialista deve avaliar o paciente de maneira correta, fazer um histórico do quadro de saúde do indivíduo. Se o risco for maior que o benefício, o tratamento medicamentoso deve ser vetado.

Guilherme lembra que, sem os remédios, o obeso precisará de "muito mais disciplina e força de vontade". Segundo ele, se a resolução da Avisa sustentar a proibição, a mudança de hábitos terá um peso superior no tratamento da obesidade – o que significa dietas mais rigorosas e atividades físicas mais intensas. Na opinião dele, o banimento daquelas substâncias aumentaria o número de obesos no país:

– Acredito que em pouco tempo a obesidade brasileira pode crescer cerca de 30%.

Como identificar a obesidade

A obesidade é reconhecida como doença pela comunidade científica. Para identificá-la, o método clínico mais preciso  adota o Índice de Massa Corporal (IMC), um cálculo matemático que divide a massa pela altura (em metros). Segundo a endocrinologista Isabela Bussade, para alguns grupos especiais (os atletas, por exemplo) os métodos adicionais são mais adequados, como a medição do percentual de gordura e a densitometria de corpo inteiro.

Pessoas com o IMC entre 25 e 29 têm excesso de peso. Exercícios regulares, reeducação alimentar e, em casos específicos, tratamento farmacêutico são essenciais para que não se tornem obesas (IMC acima de 30). Se o índice for superior a 40, caracteriza-se a obesidade mórbida.  Neste caso, mais grave, a cirurgia torna-se necessária. Cada tipo de obesidade exige um tratamento específico, como indica o quadro abaixo.

Isabela reforça que as estratégias usadas no tratamento para a perda de peso devem ser recomendadas por especialistas em cada área. Para dietas hipocalóricas, um nutricionista; para exercícios físicos regulares, um profissional; para tratamento farmacológico, um endocrinologista.

 

Estratégias de emagrecimento

IMC regular

. Hábitos saudáveis e evitar o consumo diário de alimentos ricos em gordura para não desenvolver a obesidade.
. Exercícios físicos regulares.

IMC entre 25 e 30

. Dieta hipocalórica (reeducação alimentar), respeitando os hábitos e condições clínicas do paciente.
. Exercícios físicos regulares.
. Tratamento farmacêutico (caso o paciente possua comorbidades – doenças associadas à obesidade).

IMC acima de 30 (Obesidade Classe 1)

. Dieta Hipocalórica (reeducação alimentar), respeitando os hábitos e condições clínicas do paciente.
. Exercícios Físicos regulares.
. Tratamento farmacêutico.

IMC acima de 35 (Obesidade Classe 2)

. Dieta Hipocalórica (reeducação alimentar), respeitando os hábitos e condições clínicas do paciente.
. Exercícios Físicos regulares.
. Tratamento farmacêutico.
. Cirurgia (caso o paciente possua comorbidades).