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Rio de Janeiro, 19 de abril de 2024


Cultura

"Os jovens saem de casa para ter independência"

Thaís Chaves - Do Portal

13/05/2011

 Stéphanie Saramago

Histórias de amigos com um toque de ficção foram os ingredientes para a professora Bárbara Ribeiro, do Departamento de Artes e Design da PUC-Rio, escrever o livro Saindo de casa: Independência ou morte!, publicado pela Editora Lumi, em 2010. Na obra, quatro jovens brasileiros – Murilo, Vivian, Jonas e Luana – saem da casa dos pais com o objetivo de serem independentes.  

Em entrevista ao Portal, Bárbara Ribeiro conta que se inspirou em histórias engraçadas da época em que se mudou, acrescentando a ficção para unir histórias e criar os personagens principais. Segundo a autora, os protagonistas são uma grande mistura de pessoas. Bárbara comentou também o perfil do jovem que sai de casa, deu dicas e comparou a prática americana de sair cedo de casa com a realidade brasileira.

Portal PUC-Rio Digital: Como surgiu a ideia de escrever o livro?

Bárbara Ribeiro: Eu tinha muitos amigos que moravam no Rio e muitos deles viajaram. Iam morar na Europa, Estados Unidos, outros lugares do Brasil. Eu tinha voltado de uma viagem a trabalho, uma temporada longa. Voltei com saudade da época em que esse grupo era super-unido, mas era bem improvável que a gente se reunisse de novo, porque todos moram em lugares diferentes. Então, comecei a escrever as histórias engraçadas que aconteceram na época em que a gente estava saindo de casa. Me diverti com isso e passei a escrever com mais frequência. Quando tinha uma quantidade boa de histórias, percebi que aquilo que eu tinha escrito poderia ter acontecido com pessoas diferentes. Então, tive a ideia de dividir os episódios para quatro personagens. Acrescentei, por fim, a ficção, para unir as narrações e facilitar a construção dos personagens principais. Eles adquiriram características e personalidades próprias. Todos os personagens do livro, não só os principais, são uma grande mistura de pessoas. É engraçado porque muitos perguntam: “mas essa história aconteceu de verdade?”, “e essa outra?”, “mas esse personagem era quem?”. É como se fossem receitas de pessoas, com diferentes aromas em cada personagem. Nenhum deles é alguém específico. Todos ganharam ficção porque misturei as características mais legais de outras pessoas, que fariam as histórias se tornarem mais interessantes.  

 Stéphanie Saramago Portal: Sair de casa é uma fase crucial na vida de um universitário ou um recém-formado. Em sua opinião, quais as principais lições a serem aprendidas com a experiência?

B.R.: É o tipo da decisão que não tem muito conselho. Não se sabe exatamente o que vai acontecer, mas você faz e as coisas acontecem. Acho parecido com o livro. Se for para ter roommate, acredito que seja essencial uma interiorização antes de realizar esse passo. Ficar tranquilo e não se estressar com questões sem importância, já que a dinâmica familiar é outra. Acontecimentos pequenos como, por exemplo, comer o pudim da mãe, vão ser perdoados por existir relação sanguínea. Com amigo é diferente. Já vi roommates que eram melhores amigos antes de dividirem apartamento depois nunca mais se falarem. Pequenos ocorridos às vezes adquirem proporções gigantescas. Já aconteceu de um roommate escrever o próprio nome no ovo e brigar por causa do biscoito que terminou. Esse tipo de desentendimento já aconteceu com pessoas muito legais e inteligentes. É que quando chega na hora de uma convivência intensa, eles começam a se perder em besteiras. E isso aumenta, vira uma bola de neve. Felizmente, isso não aconteceu comigo e as minhas roommates, mas vi acontecer com mais de um amigo.

Portal: Qual o perfil do jovem que sai de casa para dividir apartamento com um amigo?

BR: Eu saí de casa para morar sozinha há alguns anos. Foi em 2004, eu tinha acabado de fazer 25 anos. Naquela época, isso não era muito comum. Mas, por acaso, amigos meus também se mudaram na mesma época. Todos apresentavam justificativas iguais às dos personagens do livro: eles não tinham problemas familiares ou traumas. Os jovens querem sair de casa para ter independência e não dar satisfação à família. Eu saí para morar a dez minutos de distância da casa da minha família, que eu me dava muito bem e considerava essencial para mim. Para nós, que estávamos saindo de casa, era muito natural, pois queríamos viver de forma diferente. Hoje, com a euforia da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, os preços estão altos e está cada vez mais difícil conseguir dividir o aluguel só por duas pessoas.

Portal: O que significa o “independência ou morte” do título?

BR: É para enfatizar o lado cômico. Isso é muito presente no livro. Acredito ser muito positivo levar os acontecimentos com bom humor e absorver o máximo dessas experiências, porque é uma fase muito boa. Perder tempo com problemas pequenos é um desperdício. É um momento único para curtir esse tipo de experiência. “Independência ou morte” é o engraçado. Era o meu sentimento da época que escrevi o livro, sem um motivo específico. Não é que eu não aguentava o que tinha. Era que eu queria muito algo novo.

Portal: A matéria que a senhora leciona, Design de Interiores: Crítica, Método Projetual e Aplicação, do Domínio Adicional de Empreendedorismo da PUC-Rio, tem alguma relação com o livro?

 Stéphanie Saramago BR: A disciplina que leciono na PUC tem relação com quase tudo que faço, porque é de empreendedorismo. Nas minhas aulas estimulo os alunos a pensarem diferente sobre o que já fazem há muito tempo. Nesse sentido, lançar um livro envolve empreendedorismo, já escrever, não. Existe muita coisa legal que as pessoas fazem e ninguém conhece. Um livro pode ser um exemplo. É preciso ter espírito empreendedor de passar adiante, divulgar e fazer as pessoas saberem. A criatividade também é importante para se colocar no mercado de trabalho de maneira positiva, pois a competição está presente o tempo todo. A disciplina que leciono vale para tudo. É bem improvável que tudo ocorra de maneira certinha, como estudar a matéria, agir de determinada maneira, obter o diploma e trabalhar de forma metódica. A vida não é tão exata como muitos imaginam, porque tudo interage constantemente. A disciplina é isso, enfocar negócios criativos com desenvolvimento pessoal e profissional dos alunos. O livro faz parte desse processo.

Portal: Quais os conselhos você daria para quem vai começar a morar sozinho e ainda está montando um casa?

BR: Por não gostar de cozinha, acredito que a última parte do livro é muito boa. Tem receitas e esquemas de organização fáceis para não gastar muito tempo. É o tipo de tarefa que, se esquecida, pode se transformar num problema, até mesmo com um roommate. Esses conselhos práticos formam um jeito de esquematizar o dia-a-dia. Essa última parte do livro ensina o passo a passo para não haver estresse. Equipamentos simples podem fazer diferença. No início, não tinha muito conhecimento desses assuntos, mas, como morei fora em um apartamento mobiliado, comecei a valorizar a importância dos aparelhos. Quando retornei ao Brasil, achei mais fácil conseguir arrumar o esquema prático sem tantos problemas. Mais um conselho: a vida é para ser vivida, não dá para esmiuçar muitos detalhes, sempre haverá surpresas. Uma ideia para o próximo livro, a ser publicado no ano que vem ou no próximo, é juntar histórias engraçadas de outros jovens que tenham saído de casa. Depois de lançar o primeiro livro, muitos conhecidos me enviaram mensagens com histórias maravilhosas. Então pensei que as pessoas poderiam lê-las futuramente. Adoro ouvir acontecimentos engraçados. É legal a identificação dos leitores com Saindo de Casa, inclusive de faixa etária muito maior. Antigamente não existia essa história de roommate, mas acredito que é um momento que muitos passaram. Todos já quiseram ser independentes em algum momento, descubro isso com o feedback do livro. Sair de casa ultrapassa as barreiras de idade. Há também leitores muito mais novos. Uma das leitoras tem dez anos a menos do que eu, e ela escreveu um grande post em seu blog que estava muito feliz com o livro e aquilo tinha muita relação com o momento da vida dela.

 Stéphanie Saramago Portal: Nos EUA é comum os jovens saírem cedo de casa para morar sozinhos, ao contrário do Brasil. Isso é uma questão cultural ou com o tempo as famílias brasileiras vão acabar tendo esse mesmo comportamento?

BR: Os lugares são diferentes. A saída de casa é comum na maior parte da Europa Ocidental e Estados Unidos, porque muitos vão estudar em outro país ou outro estado, no caso dos EUA. Não existe a possibilidade de morar na casa dos pais, poder estudar na faculdade todos os dias e voltar, assim como no Rio. A maior parte dos meus amigos da Brown University, onde trabalhei como visiting scholar, contratada pela universidade para realizar pesquisas, não tinha pais que moravam em Providence, cidade americana onde a universidade se situa. O que acontece de parecido aqui é virem alunos de fora do Rio de Janeiro estudarem nas universidades porque são boas. Acredito também que muitos saem de outros estados para morar em São Paulo. Nos Estados Unidos, eles sempre se mudam, mesmo que estudem perto da casa dos pais. Uma das facilidades norte-americanas é a independência financeira. Por exemplo, o estudante trabalha em uma lanchonete e consegue pagar o aluguel do dormitório, dividindo com um roommate. É outra logística de independência. No Rio, não sei quanto se ganha ao trabalhar em uma lanchonete, mas provavelmente o universitário não conseguiria arcar com os custos de dividir apartamento na Gávea para estudar na PUC. As condições de alojamento no campus também são muito distintas entre os países. A diferença é cultural e econômica. Os americanos saem de casa e nunca mais retornam. Outra facilidade inexistente no Rio é o baixo preço dos eletrodomésticos. Por outro lado, os Estados Unidos não têm serviços acessíveis de uma diarista, pois é muito caro para universitários. Como os americanos realizam os afazeres domésticos por conta própria, as facilidades são maiores. Nesse contexto, tive experiências interessantes. Tive roommate lá fora e aqui no Rio. Morei sozinha um tempo, então pude experimentar momentos diferentes e culturalmente bem distintos. Mas não acredito que um lugar seja melhor do que o outro ou pior. São diferentes, as partes boas e ruins são distintas.