Projeto Comunicar
PUC-Rio

  • Facebook
  • Twitter
  • Instagram

Rio de Janeiro, 18 de abril de 2024


Esporte

"Estava diante de um excelente jogador, mas ele foi além"

Caio Lima, Gustavo Rocha - Do Portal

18/02/2011

Isabela Sued

Na última segunda-feira (14/02), o futebol viu a despedida de uma de suas maiores estrelas. Ronaldo Luis Nazário de Lima, 34 anos, três vezes eleito o melhor jogador do planeta pela FIFA, rendeu-se às limitações do corpo e anunciou sua aposentadoria dos gramados: “São as dores. A cabeça até quer continuar, mas o corpo não aguenta mais”, afirmou o Fenômeno.

Os passos iniciais do pentacampeão, porém, foram acompanhados por uma figura que não foi lembrada pela mídia: Fernando Carvalho, 43 anos, foi o primeiro a acreditar no potencial do garoto que se tornaria o maior artilheiro das copas. O atual avaliador técnico do Fluminense concedeu entrevista ao Portal PUC-Rio Digital e falou sobre os dias de Ronaldo no futebol de salão, a sua relação, na época, com a mãe do craque e sobre o fato de não ter sido mencionado na entrevista de despedida do Fenômeno.

Portal PUC-Rio Digital: Como você conheceu o Ronaldo?

Fernando Carvalho.: Ronaldo começou comigo na escolhinha de futebol de salão que eu tinha lá em Valqueire, no Valqueire Tênis Clube, jogando como ala direita. E, ao mesmo tempo em que participava da escolinha comigo, treinava como goleiro nas equipes que estavam sendo preparadas para disputar os campeonatos oficiais.

Portal: Naquela época, como era o Ronaldo tecnicamente? Ele já tinha o estilo de arrancada, de velocidade e força? 

F.C.: Sim. Era um jogador de muita técnica, mas de um clube pequeno, que não tinha jogadores no mesmo nível dele. Então, o Ronaldo ficava sobrecarregado, ele era o craque do time.

Portal: Qual foi o momento em que Ronaldo começou realmente a se destacar entre os demais?

F.C.: Ele apareceu no Campeonato Carioca de Futsal de 1988, pelo Valqueire, como jogador de linha. O Vasco [que, na época, tinha Felipe e Pedrinho como jogadores] era o líder do campeonato, o melhor time da competição. O Valqueire era um time bom, mas que não se encontrava em uma boa posição na tabela. Na partida entre as duas equipes, o Valqueire venceu por 5 a 4, com quatro gols do Ronaldo, que ainda deu o passe para o gol da vitória. Eu sabia, porém, que o Valqueire não iria disputar o Campeonato Carioca de 1989 na categoria 13 anos. Por isso, falei ao Ronaldo: “Quero te levar para jogar no Social Ramos Clube, que é mais estruturado, vai te dar uma melhor condição para disputar o campeonato”. Ele aceitou.

Isabela SuedPortal: Como era a relação de Ronaldo com os meninos do Valqueire Tênis Clube e do Social Ramos Clube? Havia inveja por ele ser o melhor?

F.C.: Existe inveja no profissional, e nas categorias de base não é diferente. Só que, por serem crianças, isso caía no esquecimento. Ronaldo decidia jogo, jogava junto. Eu nunca ouvi falar nem presenciei nenhuma confusão envolvendo ele. Só coisas boas. Ele era exatamente do jeito que é: atencioso com todo mundo.

Portal: Que dificuldades foram enfrentadas nesse momento da carreira do Ronaldo? 

F.C.: A mãe dele colocou alguns obstáculos. Ela dizia que não podia levá-lo ao clube e que não tinha dinheiro para a passagem, material esportivo e refeições. Então, eu me encarreguei de buscá-lo em casa e trazê-lo de volta depois dos treinos. Consegui, com a diretoria do Social Ramos Clube, o custeio das passagens, do material esportivo completo e das refeições para todos os atletas. Ela ainda tentou uma última cartada: “E quando ele estiver mal no colégio?”. Eu disse a ela que, se ele estivesse com nota vermelha, bastava me avisar que eu não aparecia para levá-lo ao treino, que seria uma forma de castigá-lo. E assim foi o ano de 1989.

"Eu disse a ela que, se ele estivesse com nota vermelha, bastava me avisar que eu não aparecia para levá-lo ao treino, que seria uma forma de castigá-lo." 

  

Portal: Logo que Ronaldo chegou ao Social Ramos Clube, ele já cumpriu as expectativas de bom desempenho?  

F.C.: Na verdade, por ter atuado pelo Valqueire Tênis Clube na mesma categoria, o Ronaldo teve que esperar 30 dias para poder jogar pelo Social Ramos Clube. 

Portal: E como ele reagiu a isso?

F.C.: Nas três primeiras semanas, ele só treinou. Mas, na semana em que ia estrear com a camisa do Social, ele me disse: “Fernando, eu não quero mais, por que eu não jogo”. Então, eu expliquei que ele não jogava por problemas burocráticos, que bastava esperar os 30 dias, mas não adiantou e ele desistiu.

Isabela SuedPortal: E o que aconteceu depois? 

F.C.: No ano de 1990, o Social queria montar um time para disputar os campeonatos Carioca e Brasileiro de Futsal. Chegaram perto de mim e perguntaram: “Fernando, e o Dadado [apelido de Ronaldo, na época], aquele menino que você trouxe do Valqueire aqui para o Social?”. Eu respondi que era o Ronaldo, um belo jogador. Então, me pediram para entrar em contato com ele porque precisávamos montar um time forte. Fomos à casa do Ronaldo e conversamos com a mãe dele, que impôs as mesmas condições de antes. E, novamente, me comprometi a buscá-lo em casa e trazê-lo de volta depois dos treinos. O Ronaldo, por já estar crescido, às vezes voltava de carona com o pai de algum outro menino, ou até sozinho, de ônibus.

Portal: Agora que podia jogar, Ronaldo conseguiu cumprir com as expectativas?

F.C.: Sim. O Social Ramos Clube ficou em terceiro lugar no Campeonato Carioca, e o Ronaldo foi o artilheiro com 48 gols. No Brasileiro, conseguimos o segundo lugar, e o Ronaldo foi o vice-artilheiro.

Portal: Como aconteceu a ida dele para o São Cristóvão?

F.C.: Nosso vice-presidente tinha um time de campo que fazia amistosos e disputava competições extra-oficiais. Ali, jogavam Felipe e Pedrinho [jogadores com passagem vitoriosa pela Vasco], Roger e Athirson [que atuaram no Flamengo]. Esse time foi todo convidado pelo São Cristóvão para disputar o Campeonato Carioca pelo mirim [categoria de 13 e 14 anos, na época]. Quem poderia jogar? Ronaldo e outros atletas que lá estavam. E assim foi: junto com os outros meninos, o Ronaldo disputou o Campeonato Carioca pelo São Cristóvão e lá ficou até a categoria dos juniores.   

Portal: Ronaldo jogava em qual posição no São Cristóvão?

F.C.: Ele sempre foi um jogador de ataque. No futsal, atuava como ala-direito ofensivo e, logo quando chegou ao São Cristóvão, já atuou como atacante.

Portal: Na época em que conviveu com Ronaldo, você imaginava o futuro que ele teve?

F.C.: Eu tinha certeza que estava diante de um excelente jogador, que tinha tudo para se tornar profissional. Mas, além de ser jogador profissional, Ronaldo foi um dos maiores, é uma personalidade. Ele foi além.

Isabela SuedPortal: Ronaldo, na entrevista coletiva em que anunciou sua aposentadoria, mencionou o nome de Alfredo Sampaio [atual técnico do Boavista Sport Club] como o primeiro a acreditar em seu potencial. Você confirma essa história? Como você vê isso?

F.C.: Em que sentido?

Portal: O ex-jogador, nessa entrevista, não mencionou o nome de Jairzinho [ex-craque do Botafogo e um dos principais nomes da seleção da Copa de 70, que ajudou a levar Ronaldo do São Cristóvão ao Cruzeiro] e disse que Alfredo Sampaio foi o primeiro a acreditar nele. Mas, pelo que você contou, dá a entender que foi você o primeiro a acreditar no potencial do ex-jogador. Como você vê essa situação?

F.C.: (Risos) Eu não tenho que analisar nada. Para mim, está tudo certo, não há problema nenhum nisso. É porque não adianta eu só ficar falando de Ronaldo e o mesmo não falar nada. Veja bem, qualquer palavra dele a meu favor abrirá novas portas para mim. Não precisa nem usar a palavra “descobridor”. Basta dizer “O Fernando me ajudou”. Mas ele nunca falou e eu também nunca fui ao Ronaldo e pedi para ele falar. Ele fala se quiser. Então estou tranquilo, por mim está tudo certo, sem problema algum.

Portal: Você sabe de outros treinadores e profissionais que o ajudaram e de quem ele também não lembrou?

"Do mesmo jeito que o Ronaldo não fala do Jairzinho e de mim, o Jairzinho não fala do Ronaldo. Eu falo, pois não tenho nada do que reclamar dele." 

F.C.: Veja bem, eu conheço alguns profissionais que trabalharam com ele, mas se Ronaldo lembra, ou não, eu não sei. Conheço o Aílton Veras, que foi treinador dele no Social Ramos Clube. Todos os fundamentos que o Ronaldo têm no campo ele tem de agradecer ao Aílton. Além dele, Ronaldo deveria agradecer ao Flávio Moraes, que foi treinador dele no Social Ramos Clube e no São Cristóvão.

Isabela SuedPortal: O Portal PUC-Rio Digital entrou em contato com Jairzinho e foi atendido pelo seu assessor, que informou que o ex-craque não fala sobre Ronaldo.

F.C.: Cada um age da maneira que lhe convém. Do mesmo jeito que o Ronaldo não fala do Jairzinho e de mim, o Jairzinho não fala do Ronaldo. Eu falo, pois não tenho nada do que reclamar dele. Ele poderia falar sobre mim, mas não é por causa disso que eu vou deixar de falar a verdade sobre a vida dele, como tudo aconteceu. Até porque, isso é interessante para mim. Só que o Jairzinho é o Jairzinho, e o Fernando Carvalho é só o Fernando Carvalho.