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Rio de Janeiro, 26 de julho de 2024


Economia

Cruzado completa 25 anos e é lembrado por seu fracasso

Amanda Impellizieri - Da sala de aula

16/02/2011

 Isabela Sued e Stéphanie Saramago

Está acabada a inflação. Cruzeiro virou cruzado, a moeda agora é outra. Quanto é? Quanto custa? São zeros a mais ou a menos? Agora tudo vai ser diferente. Se quiser pagar contas ou cobrar dívidas, use essa tabela. Nesta outra, você vai encontrar os preços, que a partir de hoje estão congelados. Agora tudo é diferente. Foi assim em 28 de fevereiro de 1986, 25 anos atrás, dia em que foi decretado o Plano Cruzado.

Quando José Sarney assumiu a Presidência da República, o Brasil estava em processo de redemocratização. O objetivo do ministério erguido por Tancredo Neves era garantir ao povo mais participação na vida política nacional. Praticamente toda a população brasileira era favorável a uma nova Constituição, pois o texto em vigor, além de ter sido autoritariamente reformulado por diversas vezes, já não expressava mais a ordem política do país.

Do ponto de vista econômico, Sarney havia herdado os problemas gerados pelo modelo estabelecido durante o regime militar e agravados pelas sucessivas crises internacionais. Com a demissão de Francisco Dornelles, nomeado ministro da Fazenda pelo presidente Tancredo Neves – que faleceu um dia antes de tomar posse vítima de uma infecção generalizada –, Sarney chamou ao poder o empresário paulistano Dílson Funaro.

O novo ministro levou consigo um grupo de economistas que rejeitava o modelo econômico da ditadura militar. A equipe parecia estar atuando bem – o povo já via o governo com mais credibilidade e expectativa. No entanto, passados alguns meses, a inflação disparou. Desta vez, o governo corria o risco de perder o controle sobre a economia. Foi então que, em fevereiro de 1986, a população foi surpreendida pela implantação de um ousado projeto de estabilização econômica. Nascia o Plano Cruzado.

— O Cruzado foi uma política de renda criada pra acabar com a inércia inflacionária. O congelamento do câmbio e também dos preços e dos salários por prazo indeterminado provocou grandes distorções nos preços relativos. Não foram estabelecidas metas para as políticas monetária e fiscal e, nas regras de indexação, a ORTN (Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional) foi substituída pela OTN (Obrigação do Tesouro Nacional – congelada por 12 meses), mas com gatilho salarial — explica a economista Andréia Ferreira.

O efeito surpresa do Plano Cruzado foi total, e o apoio popular foi forte. Todos estavam entusiasmados diante das perspectivas de estabilização econômica. Com uma lista tabelada de produtos e uma fiscalização instantânea contra as remarcações de preços, a inflação aparentemente não tinha por onde escapar. Contudo, para uma sociedade que convivia com uma inflação crônica, o congelamento trouxe duas consequências imediatas: a explosão do consumo e o desestímulo à poupança.

— Hoje você pode se planejar pra comprar uma televisão. Você pode juntar o dinheiro e, quando tiver a quantia, comprar à vista. Eventualmente, você consegue até comprar mais barato! Naquela época, se você fosse juntar o dinheiro, a televisão custava três mil cruzados em um dia e, quando você tivesse juntado o valor, já estava custando o dobro. As pessoas não conseguiam comprar, lembra o administrador de empresas Dalmo Henrique.

A explosão do consumo gerou mais problemas: o desabastecimento – insuficiência de mercadoria – e a cobrança do ágio – preço acima da tabela oficial. O ágio nada mais era do que um retorno disfarçado da inflação.

— Com o Plano Cruzado, as pessoas passaram a ter poder de compra. Elas pensavam: “Se tem uma estabilidade de preço, eu posso encarar essa dívida”. Os preços foram aumentando e o mercado foi reagindo. Lembro que eu estava construindo um prédio na Lagoa. Encomendava os materiais para o prédio e eles não chegavam. Faltava azulejo, cerâmica, metais, ferragens de porta. A obra atrasou. Começou uma pressão de preços, prazos. No fim das contas, o prédio, que tinha sido projetado pra custar um milhão, estava custando milhares a mais. Ou seja, tudo virava uma bola de neve. O congelamento era uma farsa, conta a arquiteta Denise Impellizieri.

Com o tempo, as indústrias ficaram sem folga para produzir para exportação. O panorama se refletiu na queda do superávit das exportações, comprometendo o pagamento da dívida externa. Muitos dizem que o Plano Cruzado foi um modelo econômico completamente fracassado. Outros pensam que a finalidade do projeto era garantir popularidade a José Sarney. Sabe-se que o principal resultado do plano foi a moratória unilateral da dívida externa em 20 de janeiro de 87. Hoje, 25 anos depois, a dívida brasileira ultrapassa os US$ 200 bilhões. Como isso aconteceu? Este é um assunto para outra reportagem.