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Rio de Janeiro, 15 de janeiro de 2025


País

"O Sarney é uma figura muito ruim para o Senado"

Carina Bacelar - Do Portal

02/02/2011

Mauro Pimentel

Empossado ontem (01/02) o novo Congresso Nacional, formado por 54 senadores e 513 deputados federais eleitos em 2010, não deve, à primeira vista, trazer novidades ao poder legislativo brasileiro. A avaliação, feita pelo Cientista Político e coordenador do Departamento de Sociologia da PUC Ricardo Ismael, a convite do Portal PUC-Rio Digital, aponta para manutenção de um perfil conservador no Congresso – cujo símbolo máximo é a reeleição de José Sarney (PMDB) para a presidência do Senado – e de sua dependência em relação ao Poder Executivo. Por outro lado, Ismael destaca que, embora fragmentado em 22 partidos, o legislativo recém-eleito não deve propiciar instabilidade política e aposta na questão das enchentes como uma das possíveis primeiras pautas na agenda parlamentar.

Portal: Como pode ser definido o perfil desse novo Congresso?

Ricardo Ismael: É difícil ainda falar do Congresso que acaba de tomar posse. O que vai dar a cara do novo Congresso será a agenda e o que vai acontecer daqui pra frente. Mas podemos verificar três coisas. Uma delas é que o Legislativo está muito fragmentado. A outra é o alto índice de renovação da Câmara (46% dos deputados exercerão mandato pela primeira vez). A grande pergunta é de que forma essa renovação ocorrida em 2010 vai influenciar a nova agenda. Por último, eu diria que o grande desafio do Legislativo é não ficar muito subordinado ao Executivo. E as primeiras movimentações – Sarney na Presidência do Senado e Marco Maia (PT) na da Câmara – mostram que essa independência em relação ao próximo mandato não vai ser tão grande.

Portal: Quais seriam então essas continuidades?

R.I: O ex-presidente José Sarney já sofreu muitos desgastes por problemas dentro da própria estrutura do Senado Federal. Eu diria que isso é a sinalização de uma certa continuidade e de um conservadorismo . Diante dos problemas ocorridos na legislatura passada, o ideal seria um nome novo. Já na Câmara, o Marco Maia ainda representa um personagem obscuro. É um deputado gaúcho com um currículo ainda pequeno dentro do Congresso e da vida política nacional.

Portal: E quanto à fragmentação partidária? Poderia propiciar uma instabilidade política semelhante à verificada na Argentina (onde há 35 blocos políticos com mandatos)?

 Mauro Pimentel R.I: Muita gente na ciência política diz que, em um sistema federalista como o nosso, essa fragmentação poderia prejudicar a formação de uma coalizão governista no Congresso. Mas isso não tem acontecido no Brasil. As medidas provisórias e o próprio regimento interno da Câmara acabam favorecendo uma certa fidelidade dos partidos da base aliada ao governo. A fragmentação termina sendo ruim no sentido de que temos muitos partidos sem um programa muito claro, que o diferencie dos demais.

Portal: Mas se essa fragmentação acaba sendo nociva, regras eleitorais devem ser mudadas para alterar esse cenário?

R.I: O que gera a fragmentação é o sistema eleitoral brasileiro. Ele permite coligações, além do sistema eleitoral proporcional. O país é federativo, e às vezes um partido possui expressão apenas em um ou alguns estados. A reforma política poderia proibir coligações partidárias. Mas não é algo fácil de ser aprovado. Um Congresso que foi eleito com essas regras dificilmente vai mudá-las. Nem a presidente Dilma sinalizou até agora que tem como prioridade a reforma política.

Portal: A reforma política deve então ficar de fora da agenda?

R.I: Alguns senadores estão dizendo que vão fazer a reforma política. Isso é só discurso, porque ela diz respeito, na maioria de suas questões, à Câmara dos Deputados. E não cabe ao Senado propor mudanças, porque a palavra final não é dele. Nos últimos 10 anos, o Senado já elaborou duas propostas de reforma política, mas quando chegou nas mãos dos deputados, nada foi adiante. A reforma política tem poucas chances de estar na agenda esse ano.

Portal: Quais seriam, nesse caso, as prioridades desse novo Congresso?

R.I: As questões decorrentes do problema das enchentes. Quando aconteceu a tragédia na região serrana do Rio, todos ficaram muito sensibilizados. Percebeu-se claramente que havia, no Ministério da Integração Nacional, alguns problemas que precisam ser corrigidos, como o mapeamento das moradias em áreas de risco. Faltou também uma Defesa Civil equipada, que agisse rapidamente. Essa semana, por exemplo, o ministro Fernando Bezerra negociou uma linha de crédito com o BNDES para financiar que cada município ou estado monte sua Defesa Civil para situações como essas.

Mauro Pimentel Portal: Podemos esperar um congresso mais forte ou mais fraco que no governo Lula?

R.I: O início da legislatura está muito parecido com o dos últimos anos. Inicialmente, não há perspectivas de grandes mudanças. Senado e Câmara devem continuar atuando de maneira subalterna à agenda do Poder Executivo. A única expectativa dos analistas é o comportamento do PMDB. Quem hoje controla o setor elétrico é o Sarney. Foi ele quem indicou o ministro das Minas e Energia. Se algumas pessoas que ele indicou para o setor elétrico forem substituídas por pessoas do PT, isso pode gerar retaliações no Senado. Infelizmente, o poder que se tornou mais forte na República foi o Judiciário, enquanto o Legislativo foi definhando.

Portal: A Presidência de Sarney no Senado deve então “engavetar” de vez a reforma administrativa na casa?

R.I: Se ele não fez até agora, é pouco provável que venha a fazer. O Sarney é um político muito experiente, mas uma figura muito ruim para o Senado. Era importante que houvesse uma outra figura, mais jovem e com mais expressão nacional hoje, ocupando esse cargo. O senador José Sarney fez valer sua força política dentro do PMDB. Isso é um exemplo que, apesar dos avanços que aconteceram no governo Lula, forças atrasadas estão conseguindo se reproduzir na política brasileira.

Portal: Como deve se comportar a base aliada? Atritos podem acontecer entre PT e PMDB, como houve na formação do primeiro escalão do governo Dilma?

Mauro Pimentel R.I: O grande desafio do governo Dilma nesse primeiro ano é conseguir estabelecer uma relação com o PMDB. É uma questão difícil. A presidente não tem uma experiência parlamentar, sua carreira é mais ligada à burocracia do Estado e ao aparelho administrativo. Ela precisará de pessoas que a apoiem nessa tarefa de negociar, como o [chefe da Casa Civil] Antônio Palocci e o [ministro de Relações Institucionais] Luiz Sérgio. O partido também está muito receoso de um avanço do PT em cima de cargos que ocupava no governo Lula, como aconteceu com o Ministério da Saúde. Há aí indícios de tensão nas próximas semanas por conta da definição do segundo escalão, que inclui cargos como a presidência da Eletrobrás e de Furnas, e já existem vários problemas entre os dois partidos nesse setor elétrico. O PMDB quer garantir o espaço que tinha antes e, ao que parece, o governo Dilma não quer ceder.

Portal: E quanto aos parlamentares da oposição? Como devem ser se comportar diante da grande base governista?

R: Os partidos de oposição, exceto o PPS, estão vivendo um momento de certa tensão interna por conta da definição de seus presidentes. Também não se sabe se o PSDB já fechou de vez com a candidatura de Aécio Neves. Se ela for lançada já em 2012, isso torna a oposição mais unida. Mas se ficar em aberto, como em 2006 e em 2010, será ruim, pois não vai existir nem discurso nem estratégia unificados. A oposição, nesse primeiro ano, vai encontrar dificuldades em fazer críticas mais fortes ao governo Dilma. É natural que se dê um certo tempo, quando o governo chega, para depois se fazer um balanço. Também muitos governadores eleitos pelo PSDB, com a centralização de recursos que o governo federal tem hoje, podem ficar mais cautelosos em partir para o ataque logo no primeiro momento porque precisam do dinheiro do PAC e de transferências.

Portal: Esse novo Congresso já chega com a imagem mais desgastada por conta dos aumentos do teto salarial aprovados recentemente?

R.I: A sinalização foi péssima para a imagem do Congresso.  Não há justificativa para um aumento desse porte e da forma como foi feito, de maneira abrupta. Os parlamentares vão ter que ficar na defensiva, mostrar serviço para justificar uma remuneração tão grande.  E agora deve haver um efeito cascata, com vereadores e deputados estaduais também querendo maiores salários.

Portal: Como podem ser interpretados os planos do deputado Tiririca de participar da Comissão de Educação e Cultura da Câmara?

R.I: O Tiririca, agora que foi eleito e teve sua candidatura ratificada, deve ser tratado como qualquer deputado federal. Não cabe distinção, ele representa um segmento do estado de São Paulo. A grande dúvida é se figuras como o Tiririca, o Romário e outros realmente vão conseguir se adaptar à rotina de deputados. Outro ponto é saber de que maneira eles podem usar o mandato para contribuir para algum debate, para o aperfeiçoamento de alguma lei, de alguma política pública. Se essa entrada na Comissão de Educação e Cultura tiver o intuito de pressionar pela elaboração de programas de erradicação do analfabetismo, principalmente entre adultos, ótimo. Chegou o momento de tirar a fantasia do palhaço Tiririca e assumir o deputado federal.