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Rio de Janeiro, 19 de abril de 2024


Esporte

Tricolores simbolizam o campeonato de contrastes

Bruno Alfano e Igor de Carvalho - Do Portal

19/01/2011

Mauro Pimentel

Com a chegada de astros aos times do Rio, o Campeonato Carioca acentua o tradicional contraste entre os grandes e pequenos. Na disputa que começa hoje – Flamengo e Vasco enfrentam Volta Redonda e Resende, respectivamente – dois tricolores ilustram a dança dos opostos. Fluminense e Madureira iniciam a temporada embalados pelas conquistas do ano passado: o tricolor das Laranjeiras foi tricampeão brasileiro, o suburbano conseguiu o acesso à série C. As semelhanças, no entanto, não vão muito além do ânimo renovado e da quantidade de cores na camisa. A distância segue enorme, especialmente na área financeira: os comandados de Muricy custam aproximadamente R$ 4,2 milhões por mês e o clube acumula dívida de R$ 320 milhões com o INSS. Só o atacante Fred, uma das estrelas do time, ganha cinco vezes a folha salarial do Madureira, em torno de R$ 100 mil. 

Enquanto o tricampeonato brasileiro é estampado no muro, nas paredes e nas salas da centenária sede em Laranjeiras, uma inscrição no alto do acanhado estádio Aniceto Moscoso  – todo pintado com nas amarelo, azul e grená – exige o orgulho suburbano com o "título" da Taça Rio de 2006, o segundo turno do campeonato. Para encarar as feras como Ronaldinho Gaúcho, Carlos Alberto, Conca e Loco Abreu, o Madureira contratou o técnico Roy. Há dois anos, ainda no comando do Resende, o treinador foi um dos responsáveis pela zebra naquele sábado de carnaval: a vitória sobre o Flamengo (3 a 1) na semifinal da Taça Guanabara, o primeiro turno do campeonato. Ex-jogador de clubes como Botafogo e Internacional, Roy diz que a motivação é essencial para compensar a distância em relação às grandes equipes.

– Tento despertar a ambição nos atletas. Temos que conversar muito para que coloquem no coração a importância que eles têm. Assim podem chegar aos times grandes. Esse é o segredo – revela.

 Mauro Pimentel A "estrela" do Madureira é Marcelo Ramos (foto), contratado para comandar o ataque. Marcelo brilhou no Cruzeiro, em 1997, quando foi campeão da Taça Libertadores. Aos 37 anos, o veterano confirma que os times pequenos compensam as dificuldades técnicas com motivação:

– Já vimos muitos casos de times pequenos surpreenderem os grandes em finais de campeonato. Já perdi jogos para times pequenos, mas não foi por falta de empenho. Perdemos porque o time pequeno correu bastante. Às vezes isso acontece, é natural que a motivação seja um pouco maior quando a gente, no Madureira, enfrentar Flamengo, Fluminense – reconhece.

Apesar da distância retratada por títulos, salários, estrutura, assédios, há traços invariavelmente comuns entre grandes e pequenos. Como a relação dos atletas com roupeiros, personagens carismáticos, não raramente folclóricos. Roberto Mattos da Costa, o Beto, tem a missão de arrumar os uniformes em dias de jogo. “Eu coloco as camisas no cabide, acho mais bonito assim”, conta Beto. Foram 20 anos trabalhando no América e uma década no Madureira. Acostumado à rotina das equipes menores, achava que os jogadores dos times grandes eram “malas”. A experiência na seleção carioca mudou sua opinião: 

 Mauro Pimentel – Eu vi que os jogadores dos times grandes são caras maneiros. Lá estavam o Djair, que é cria do Madureira, e o Diguinho, que está jogando no Fluminense – lembra.

Nas Laranjeiras, o roupeiro Denílson (foto) está acostumado com as estrelas. Prestes a fazer 20 anos no clube, é figura querida entre jogadores e comissão técnica. Até participa dos rachões (jogos mais descontraídos nos treinos). “O professor Muricy me coloca para jogar, e o pessoal pega firme. O Leandro Euzébio (zagueiro) só dá voadora!”, brinca o roupeiro.

A relação próxima fez com que Denilson conhecesse bem o gosto de cada jogador. "O Romário era chato, porque tinha que ser tudo no lugar certinho e do tamanho dele", lembra o roupeiro, engatando uma provocação bem humorada à estrela do time atual, Conca, que passava no momento da entrevista: "Agora, o Conca também é chatinho. Ele me irrita, me tira do sério, na moral". Recebeu o sorriso do argentino como resposta.

A vaidade é comum aos jogadores dos dois times. No Madureira, Beto também convive com manias e caprichos. 

 Mauro Pimentel – O Caio, que foi revelado pela gente, não gostava da camisa no cabide, só no cesto – exemplifica.

Beto (foto) orgulha-se em cuidar dos detalhes. Orgulhoso, ressalta que o time atual é formado por jogadores que já passaram por clubes grandes: 

– O Abedi jogou no Vasco; o Maciel jogou no Porto e foi campeão do Europeu e do Mundial de Clubes; Adriano Magrão, no Fluminense; Edmílson, no Palmeiras, além de Marcelo Ramos que já foi campeão de muita coisa.

Pés no chão, o técnico Roy ressalva que esses jogadores estão em condições físicas e técnicas inferiores às que exibiram no auge da carreira. Outros clubes de menor investimento também apostam na combinação entre jovens anônimos e medalhões veteranos. Tuta (ex-Flamengo e Fluminense) no Resende; Somália (ex-Fluminense) no Duque de Caxias; Jean (ex-Flamengo e Vasco) e Jonílson (Ex-Vasco) no Volta Redonda. Já os times grandes estão, segundo Roy, em “nível de seleção brasileira”. Na opinião o treinador, a fórmula para "equacionar essa diferença está no trabalho".

– Não é à toa que os melhores técnicos do Brasil são Muricy e Vanderlei Luxemburgo – observa – Eles trabalham forte. 

O zagueiro Gum, do Fluminense, é testemnha diária desse modelo de trabalho que rendeu fama e títulos ao  tetracampeão brasileiro Muricy Ramalho. Titular da conquista do Brasileirão 2010, Gum afirma que a cobrança "é ininterrupta":

– O Fluminense tem um técnico que nos incentiva e nos cobra a todo momento. Ele faz isso para que a gente renda o nosso melhor. É uma preparação forte para poder enfrentar as dificuldades, suportá-las, e vencer os jogos – reconhece o zagueiro.

 Mauro Pimentel Na preparação para o Carioca, os pequenos levam vantagem. Fora das principais disputas, as equipes menores começaram a se preparar no fim do ano passado. Assim, os primeiros jogos – quando os jogadores dos times grandes ainda buscam melhores condicionamentos físico e tático – são mais vulneráveis a zebras. “Não estamos na melhor forma física e técnica ainda”, admite Gum. Na coletiva desta terça-feira, o astro Fred também afirmou "não estar 100% fisicamente". Acredita que precise de três ou quatro rodadas. O Madureira, a exemplo dos demais times de menor investimento, confia numa oportunidade para surpeender.

– Os times pequenos se preparam um pouco antes e acabam chegando ao início do campeonato com uma condição física melhor – resume o Marcelo Ramos.

Com os pontos alcançados, sobretudo, nas primeiras rodadas, o tricolor suburbano sonha em chegar à semifinal, mas reconhece que é difícil. Mira conquista importante para clubes de menor porte: pôr as contas em dia (aliás, a meta vale, ou deveria vale, para os grandes, afundados em dívidas). Segundo Carlos Garrit, gerente de futebol do Madureira, “dia de jogo é dia de prejuízo”.

 Mauro Pimentel – As despesas com os jogos é muito grande. Tem que pagar juiz, estádio. Só se chegarmos nas semifinais é que a gente consegue algum lucro – afirma.

De acordo com o dirigente, o clube não tem patrocínio e arca com as próprias despesas – diferente do Fluminense que já recebeu cerca de R$ 200 milhões em 12 anos de uma mesma empresa, o que possibilita que o clube pague salários como o do técnico Muricy Ramalho – cerca de R$ 500 mil. Garrit explica, como o clube conseguiu chegar à terceira divisão do Campeonato Brasileiro, vai receber ajuda da CBF com viagens e hospedagem, mas que o clube continua bancando a maioria das despesas.

– A gente vai jogar a série C, mas não teremos nenhum ganho com as partidas, porque não tem torcida, nem transmissão. Só se a gente conseguir o acesso à série B é que vamos ter maior visibilidade e a possibilidade de conseguir um patrocínio – lamenta Garrit.

Torcedores fora dos jogos

 Mauro Pimentel Com as arquibancadas e a sala de imprensa cheia, o treino no Fluminense foi marcado por badalação. Entre cobranças de faltas e organização do posicionamento durante jogadas de bola parada, jornalistas observam quais situações de jogo o técnico Muricy Ramalho pretende por em prática na estreia do Campeonato Carioca contra o Bangu, na quinta-feira. Os que acompanhavam o treinamento da arquibancada esperavam uma brecha para conseguir um autógrafo – até que no final das atividades, os meias Souza e Marquinho saciaram a vontade dos cerca de 50 torcedores.  Fábio Nascimento (foto), de 33 anos, foi um dos primeiros a conseguir o prêmio. Com uma relação com o tricolor das Laranjeiras que vem de antepassados – o avô foi jogador do clube na década de 30 –, o apaixonado pelo time tem até tática para conseguir as assinaturas dos jogadores.  

– Eu fico aqui de cima e dou a camisa para o jogador antes dele chegar na muvuca. Já estou começando uma coleção: tenho o do Souza, do Marquinho e do Washington e ainda espero conseguir o do Fred e do Conca.

Já o arquiteto João Geraldo Poltshauser (foto) não procura autógrafos nem fotos. Com “saudades” do time, por causa das férias, ele vai aos treinamentos para “estar junto do time”. Com essa filosofia, acompanhou os treinos dos grupos que conquistaram os três títulos brasileiros pelo Fluminense (1970, 1984 e 2010).

 Mauro Pimentel – Todo final de ano é isso, tem que arrumar alguma coisa para fazer porque não tem o futebol. A gente acostuma, é muita saudade, mas quinta-feira estarei lá no Engenhão – comentou animado com a volta do campeonato.

Enquanto isso, em Madureira, nas arquibancadas do estádio Aniceto Moscoso, o perfil dos que acompanhavam ao treino era outro. Em vez de fãs, jogadores juvenis e familiares dos atletas profissionais viam o tricolor suburbano treinar com o pensamento de aquilo poderia levar a uma vida melhor. Nílton França (foto), pai do volante Rodrigo Oliveira, acompanhava o coletivo. No coração, a expectativa de o filho conseguir uma chance em um grande clube – depois de saírem de São Luís, no Maranhão, para o Rio de Janeiro.

 Mauro Pimentel – A intenção é que o Madureira ajude ele a chegar num clube grande. Ele é vascaíno, mas como profissional jogaria em qualquer outro grande – contou.

Felipe de Valadares, de 18 anos, também acompanhava o coletivo pensando que o Madureira possa levá-lo a times com grandes estrelas. Jogando a uma semana pelo time de juniores, recém-chegado de Minas Gerais, o jovem se espelha nos mais experientes.

– Estou vendo onde eu quero chegar. Os jogadores mais experientes falam para a gente ter calma, que a nossa oportunidade vai chegar, e quando isso acontecer não deixar escapar. Meu objetivo é sempre crescer, chegar a um clube grande como Flamengo, Botafogo, Fluminense – sonha o jovem.