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Rio de Janeiro, 28 de abril de 2024


Mundo

Tragédia nos EUA desperta mudanças no xadrez político

Bruno Alfano - Do Portal

18/01/2011

 Arte: Mauro Pimentel

Ninguém pode precisar o que fez o estudante Jared Lee Loughner atirar na deputada Gabrielle Giffords, naquele  sábado, 8 de janeiro, deixando-a em estado grave. Com histórico de problemas psicológicos, o rapaz de 21 anos ainda abriu fogo contra a multidão que ouvia o discurso da democrata em um supermercado de Tucson, no Arizona. Matou seis pessoas e feriu 13. Fora os números diretos da tragédia, o episódio adquiriu simbolismo histórico. Alguns analistas o julgam capaz de mudar o rumo da política americana. Outros duvidam que seja suficiente para produzir transformações profundas. O fato é que o atirador deu munição aos correligionários do presidente Barak Obama: a retórica agressiva do Tea Party – ala radical do Partido Republicano que recorreu a referências bélicas no debate político dos Estados Unidos – foi responsabilizada por criar um clima de guerra que supostamente culminou no atentado.

Em 2009, o Departamento de Segurança dos Estados Unidos publicou um estudo em que comprova o aumento dos movimentos radicais. O discurso ultraconservador do Tea Party talvez seja o sintoma mais eloquente dessa tese. Amplificado por vacilos, infortúnios e derrotas da gestão Obama, acirrou a polarização na política interna. Com o atentado, o radicalismo tende, no entanto, a arrefecer, afirmam analistas. O professor Danilo Marcondes, do Instituto de Relações Internacionais, prevê que o movimento liderado pela ex-governadora Sarah Palin perderá força, inclusive dentro do partido:

– É provável que alguns setores do Partido Republicano procurem se distanciar do movimento Tea Party por causa do acontecimento.

De acordo com o especialista, “o atentado servirá para chamar a atenção de que é necessário reduzir o radicalismo a que se chegou no debate político americano”.

– O aumento do extremismo, aliado à facilidade de se comprar armas de fogo em alguns estados, como no caso do Arizona, acaba permitindo atos como o ocorrido em Tucson. Mesmo tendo sido feito por um indivíduo de maneira isolada, e com problemas mentais, reflete o clima político tenso vivido no país – avalia.

O Tea Party impulsionou a ascensão do Partido Republicano depois da posse de Obama – consagrando-se quando conquistou a maioria parlamentar nas eleições do ano passado. Agora, os democratas esperam retomar o terreno perdido. De acordo com Marcio Scalércio, professor do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio, essa é a chance para que o presidente Obama levante seus índices de popularidade. Scalércio compara o embate a uma luta de boxe:

– Essa tragédia vai ser o pretexto para o Obama sair do canto do ringue e voltar ao centro para trocar socos, o que não quer dizer que ele vai recuperar sua representatividade do início de mandato – ressalva. 

Apesar da perspectiva de reação para a Casa Branca, não é consenso entre os analistas que grandes transformações virão. O cientista político americano Mark Smith, professor de sociologia da Universidade de Chicago, acredita que o episódio não terá "eloquência na política interna".

– Não haverá mudanças profundas em fatores que influenciam as eleições, como a preferência da opinião pública, ou em termos de política pública, como a questão do controle das armas – afirmou Smith, por e-mail.

Para ele, o discurso radical de direita dará lugar a uma posição mais cautelosa, ou menos austera. Na opinião do professor, o Partido Republicano vai “se defender”:

– Os políticos que usaram termos de guerra durante a última campanha, como Sarah Palin, que enviou um mapa com o representante distrital do Giffords na mira de um alvo, irão se colocar na defensiva.  

Mauro Pimentel Scalércio concorda que os republicanos irão moderar o discurso. Ele avalia, contudo, que esse recuo será insuficiente para proporcionar uma trégua ao presidente Barack Obama:

– A moderação do discurso não quer dizer que o projeto de infernizar a vida do governo Obama será abandonado.

Scalércio afirma que esse movimento, abstraídas as circunstâncias específicas, é histórico. Desde o governo Jimmy Carter (1977-1981), lembre o especialista, toda vez que um democrata assume a presidência, os republicanos iniciam uma “campanha de intimidação”:

– Os republicanos intimidam os democratas dizendo que são esbanjadores, que gostam de impostos altos, são moles com os adversários do país, querem cercear as liberdades individuais no país, como a tentativa de impor controle de armas na população, esse tipo de coisa. Às vezes, os democratas se intimidam mesmo e adotam posturas mais conservadoras, como aconteceu no governo Clinton.

A conduta dos republicanos radicais durante o mandato de Bill Clinton (1993 - 2001) produziu situação semelhante ao atentado do Arizona.  Em abril de 1995, o veterano da Guerra do Golfo Timothy McVeigh explodiu um caminhão-bomba em frente ao prédio no qual funcionava a agência de controle de armas. Deixou168 mortos e mais de 500 feridos. O autor do crime participava de uma milícia de extrema direita contrária ao governo, e a sua suposta "tentativa de controlar a vida da população". Scalércio recorda que, depois da bomba, o democrata Clinton conseguiu fôlego para o restante do mandato.

– O episódio de Oklahoma City é semelhante ao do Arizona, porque naquele ano Bill Clinton saiu do canto e voltou para o centro do ringue, o que pode acontecer com o Obama – compara.

O posicionamento dos partidos americanos é outro ponto em comum nas duas tragédias. Os democratas atribuíram aos atentados caráter político, classificando de extremistas os homicidas. Já os republicanos argumentaram que os protagonistas desses acontecimentos são doentes mentais.

– Nos EUA existe uma direita corpulenta e armada. Eu sei que os democratas usam isso a favor deles, mas é evidente que esses episódios têm um fundo político – conclui Scalércio.