Com 604 mortes, até o momento, a Região Serrana do Rio sofre drama semelhante ao que deixou 52 soterrados em Angra dos Reis em janeiro do ano passado. Decorrentes de fatores geológicos, humanos e administrativos, as tragédias deflagradas pelas chuvas de verão tendem a se intensificar. O alerta do geólogo e professor da PUC-Rio Claudio Amaral, coordenador do Serviço Geológico Estadual, baseia-se em levantamento, ainda inédito, das áreas mais vulneráveis a deslizamentos no estado. Além de Friburgo, Petrópolis e Teresópolis – municípios mais atingidos pelas torrentes deste início de ano –, Angra, Mangaratiba, Niterói e São Gonçalo estão entre as regiões mais ameaçadas. Segundo o especialista, o risco continuará pelos próximos 25 anos. A menos que uma série de ações saia do campo retório e se converta em esforços conjuntos para a prevenção da calamidade sazonal.
Como ajudar as vítimas da chuva
A capital fluminense reúne já alguns postos para arrecadar doações aos 2,5 mil desabrigados. Na Gávea, a sede do Flamengo (Av. Borges de Medeiros, 997) recebe alimentos não perecíveis.
O Instituto Estadual de Hematologia do Rio de Janeiro (Hemorio) pede que a doação de sangue seja incluída no pacote de solidariedade. A sede fica na rua Frei Caneca, 8, no Centro.
Todos os batalhões da PM no município do Rio de Janeiro estão recebendo doações de água, alimentos não-perecíveis e artigos de higiene pessoal.
Para reduzir a chance de novas tragédias, ou atenuá-las, o geólogo recomenda quatro "intervenções": mapeamento detalhado das áreas de risco; obras de contenção e de estruturação de moradias, pois as construções precárias em lugares impróprios são uma das principais causas de mortes; qualificação dos profissionais envolvidos na prevenção e no resgate, como geólogos e agentes da Defesa Civil; conscientização do perigo pela população de baixa renda, para evitar a ocupação irregular das encostas. Ele lembra também a necessidade de uma "cultura de prevenção", que se estenda além dos momentos trágicos.
O primeiro passo foi dado no ano passado. Claudio Amaral visitou 71 das 91 cidades do estado – à exceção da capital, que tem um órgão próprio para esse tipo de serviço (Geo-Rio) – e faz um diagnóstico do risco de deslizamaneto por região. Concluído recentemente, o levantamento aponta as áreas vulneráveis. Petrópolis é a mais preocupante: cerca de 10 mil moradores correm "risco iminente".
– Estamos 50 anos atrasados e o grau de risco, hoje, é muito elevado – avalia Amaral.
Se o conhecimento da áreas mais ameaçadas está sendo produzido, as demais ações para abrandar esse risco mostram-se atrasadas. Apesar da tragédia do verão passado, Angra dos Reis ainda não conta com sistema de proteção eficiente aos moradores. No fim do ano passado, a região sofreu com mais deslizamentos de terras – o que interditou seis casas e estradas. Segundo o professor, só foram concluídas 30% das obras previstas.
– As obras são caras e demoradas. Esse é um dos motivos pelos quais lá em Angra as coisas estão devagar. De fato, estão em ritmo lento, pois os lugares são muito críticos – observa.
Crescimento desordenado é uma das causas
Enquanto as obras de contenções se arrastam, a construção de casas tem não raramente ritmo acelerado. Com 90 mil habitantes, Japeri chama a atenção. O município da Baixada Fluminense apresenta cenário igualmente preocupante: 1.120 moradores com "risco iminente". Segundo Amaral, os geólogos de fora do Brasil não entendem como uma região de baixada pode sofrer com "o problema de encostas". A explicação está no crescimento desordenado da região.
– Por motivos econômicos e, principalmente, sociais, inicia-se uma ocupação desordenada com escavação de cortes de até 12 metros verticais nos morros. Isso é muito perigoso, pois as casas estão ficando muito encostadas nessas escavações. Dessa maneira, aumenta o risco de uma tragédia – explica o professor.
Impulsionada pelo aquecimento da economia, aliado à diminuição dos preços de materiais de construção e à facilidade de crédito, a ocupação desordenada não é exclusividade de Japeri. Outros municípios pequenos vivem problema idêntico, o que engrossa o número de mortes por deslizamentos nos verões e reforça a necessidade de conscientização dos moradores.
– Municípios como Varre-Sai, Porciúncula, não corriam risco há pouco. Mas hoje têm, e muito. Santo Antônio de Pádua, por exemplo, nunca tinha registrado mortes por deslizamentos. Agora tivemos duas – exemplifica.
De acordo com Amaral, essas cidades pequenas não têm "poderio econômico" para tratar do problema e precisam de auxílio do governo estadual para remover moradores das encostas. A transferência demanda, no entanto, soluções mais complexas.
– Há duas ações nesse sentido: o aluguel social e a construção de casas populares. Mas não são soluções simples. É complicado, por exemplo, decidir quem sai e quem não sai de suas casas para receber o aluguel social. A demanda da construção de casas populares é muito grande – diz Amaral.
Ainda de acordo com o eespecialista, a resolução desse problema crônico exige interesse e esforços conjuntos, não só em momentos de tragédia. É necessária uma "cultura de prevenção de acidentes":
– O dia a dia para redução de risco exige política pública. Exige cultura de prevenção de desastre. E isso nós não temos no Brasil ainda. Estamos defasados. As pessoas normalmente se surpreendem, ficam sobressaltadas com mortes, mas infelizmente o nosso atraso é da ordem de 50 anos – reitera.
As sete cidades com mais risco de deslizamentos
Preocupação além do socorro às vítimas das chuvas
Analistas pregam transigência para resguardar instituições
"Pará é terra onde a lei é para poucos", diz coordenador do CPT
Sem holofotes do legado urbano, herança esportiva dos Jogos está longe do prometido
Rio 2016: Brasil está pronto para conter terrorismo, diz secretário
Casamento: o que o rito significa para a juventude
"Jeitinho brasileiro se sobrepõe à ideia do igual valor de todos"