Igor de Carvalho e Carina Bacelar - Do Portal
03/01/2011Passadas as festas e a chegada da primeira mulher à presidência, o Brasil encara os desafios de 2011. Alguns atravessam décadas, como compatibilizar o nível da educação – empecilho no desenvolvimento nacional, indicam os resultados do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) – com as ambições econômicas e a crescente demanda por mão de obra qualificada. Infraestrutura, habitação e saúde, embora consideradas "estratégicas", também precisam tirar o atraso estampado na distância entre os discursos e a prática. Na área da segurança, um dos principais desafios será o combate às milícias. Igualmente difícil mostra-se o acordo global para a redução de poluentes. No âmbito local, busca-se uma expansão urbana equilibrada em regiões como a Baixada de Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio, essencial ao plano olímpico. Apesar dos ufanistas de plantão, a economia revigorada terá de se proteger, por exemplo, da inflação, dos gastos públicos inflados e da guerra cambial. Com base na avaliação de especialistas, o Portal PUC-Rio Digital reúne deveres de casa para o novo ano, e sugestões para cumpri-los.
Educação ameaça ascensão econômica
O desempenho da educação brasileira em avaliações internacionais demonstra que ainda é uma pedra ao avanço econômico. Sem melhor qualidade de ensino, especialistas alertam para a possibilidade de um hiato entre a qualificação profissional e a demanda de uma economia aquecida, que se pretende a quinta do mundo até 2020. No resultado mais recente do IDH, o Brasil ficou no 73° lugar, entre 169 países, muito por causa dos índices da educação. No Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), organizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que avalia conhecimentos de leitura, matemática e ciências dos adolescentes, o Brasil está na 53ª posição, entre 65 países. A educação apresenta-se, assim, como um potente desafio para o governo de Dilma Roussef. De acordo com o Plano Nacional de Educação, divulgado no fim do ano passado pelo Ministério da Educação – cujo titular, Fernando Haddad, foi mantido no cargo –, há 20 metas a serem cumpridas a partir desse ano.
Para o professor Marcelo Andrade, do Departamento de Educação da PUC-Rio, melhorias na educação exigem "medidas centrais", como maior investimento na formação de professores e, em seguida, o aumento da remuneração. Ele também considera necessário o "reconhecimento social" dos professores:
– Enquanto os salários dos professores da escola básica forem baixos e a formação, precária, conviveremos com uma grave distorção, que é o fato de o magistério não ser uma profissão atraente – avalia.
Simon Schwartzman, pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade no Rio de Janeiro (IETS) e ex-presidente do IBGE, acredita que seja interessante, e viável, o aumento do tempo das crianças nas escolas para seis horas diária. Ele lembra que a medida requer mais recursos:
– Isso envolve dinheiro. Mudar o tempo da criança na escola implica ter mais prédios, mais professores.
A ambição brasileira de se tornar uma das principais economias do mundo aguça a necessidade do aperfeiçoamento na qualificação da mão-de-obra. Para o economista Arlindo Lopes Corrêa, ex-presidente do Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral) e consultor da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a qualificação profissional está condicionado a "real implantação do processo de educação continuada":
– Esse processo foi reforçado mais recentemente pela Lei n° 11.741, de 16 de julho de 2008, que deu nova redação a alguns artigos da Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). A nova legislação, efetivamente, facilita a consolidação da educação permanente no Brasil e reforça a posição da qualificação profissional como seu componente – destaca.
O economista acredita que uma relação mais estreita entre as esferas educacionais e trabalhistas seja necessária para o aprimoramento da formação profissional:
– Nesse sentido, ganham especial importância as interfaces entre educação e trabalho, da educação profissional com a educação geral e, consequentemente, as inadiáveis parcerias entre Ministério da Educação e Ministério de Trabalho e Emprego. Sem isso, nada feito.
Segurança: combater às milícias
Para a área de Segurança Pública, o professor de Sociologia da PUC Paulo Jorge Ribeiro espera um desdobramento das medidas adotadas pelo governador reeleito Sérgio Cabral, com a expansão das UPP’s. Segundo ele, o grande desafio para a segunda gestão de José Mariano Beltrame na Secretaria de Segurança Pública do Rio é o combate ás milícias:
– As milícias são um problema central porque constituem um estado paralelo. Elas representam uma força que envolve elementos do Estado: policiais, bombeiros, agentes penitenciários. Confundir segurança pública e privada é o pior dos pecados da polícia.
Outro desafio, na visão do especialista, é a recuperação institucional da polícia, o que inclui o combate à corrupção e o reforço em estratégias de inteligência. Paulo Jorge sugere que órgãos como o Instituto de Segurança Pública sejam qualificados para informar à polícia sobre os movimentos do crime e sobre quais áreas merecem "mais atenção do estado". Ele também considera importante que o governo melhore o salário inicial e as condições de trabalho dos policiais.
O professor acredita na expansão da política das UPP’s. Na opinião do sociólogo, as unidades pacificadoras previstas para territórios mais complexos, como Rocinha e Alemão, "serão viáveis e surtirão efeito". Ele ressalva, no entanto, que a violência só deverá ser atenuada localmente e o "problema estrutural do crime organizado continuará a ser um obstáculo".
– Dizer que o Estado não tem acesso a esses territórios é uma falácia. O estado tem acesso a ele quando bem entende. A questão é como ocupar, manter e criar estruturas para que não retorne o crime organizado, seja ele tráfico ou milícias – avalia.
Paulo reforça que as ações de segurança nas comunidades devem ser acompanhadas de serviços públicos básicos, como os encontrados “no asfalto”:
– Não é possível que determinadas regiões da cidade tenham muitos mecanismos de lazer e cultura enquanto outras áreas não têm nada. Isso tem que ser repensado de forma bastante sensível pelas autoridades.
Infraestrutura e Habitação: prioridades
Segundo o professor Leonardo Name, do Departamento de Geografia da PUC-Rio, os esforços de infraestrutura devem dar prioridade à habitação. Pois o acesso à moradia, lembra, é um direito constitucional “largamente desrespeitado”. A redução “maciça” do déficit habitacional deve ser encarada como um desafio urgente, diz ele.
O especialista afirma que o "mercado de terras e de moradias" nunca produziu no país habitação para a população de baixa renda. Segundo ele, o brasileiro pobre (renda mensal abaixo de três salários mínimos) não tem, no mercado formal, acesso a moradia a preço compatível com seu orçamento. Leonardo argumenta que o setor produz, historicamente, para as camadas médias e altas, e assim as alternativas para os brasileiros de baixa renda ainda tornam-se restritas:
– Restam, como opções, o aluguel em uma periferia distante, longe de todo tipo de serviços e centralidades urbanas, ou, mais comumente, a autoconstrução ou a compra de terreno de loteamento irregular, informal ou clandestino.
O professor alerta que essas soluções improvisadas, muitas vezes ilegais, podem desencadear outros problemas. Na maior parte das vezes, os locais selecionados são protegidos ambientalmente ou estão sujeitos a riscos como deslizamentos.
– Combinam-se, assim, de forma perversa, pobreza urbana, precariedade habitacional, degradação ambiental e exposição a riscos – acrescenta.
O professor admite que programas como Luz para todos e Minha casa, minha vida, bem como obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), são "bem-vindos" pelo fato de "priorizarem a provisão infraestrutural e o acesso à moradia". Contudo, segundo ele, há falhas nos acessos a água, luz elétrica e esgoto sanitário, e o governo deixa em segundo plano investimentos para a solução de deficiências como o gerenciamento de resíduos sólidos e a drenagem urbana, que só em 2007, com a Lei 11.445, passaram a ser considerados itens do saneamento básico.
– Esses itens são precários e insuficientes em quase todas as cidades. Não faz parte da cultura da administração pública considerá-los como prioritários – destaca.
Leonardo Name diz que "não adianta dar um casa para um família em qualquer lugar":
– Se ficar numa periferia distante, da qual o trabalhador terá que enfrentar horas dentro de um transporte público deficiente para ir ao trabalho, e na qual não tenha acesso a equipamentos públicos, serviços urbanos, ele acabará entregando a casa a outras pessoas e poderá voltar a morar em áreas de risco. Num balanço entre uma moradia com saneamento precário e com risco eventual de deslizamento ou inundação, porém mais próxima do centro urbano, a família optará provavelmente pela ocupação de risco em área central. Esta escolha lógica, e deve ser considerada pelo planejamento urbano como o resultado de políticas de habitação e infraestruturas mal desenhadas.
Meio Ambiente: expansão imobiliária com "sustentabilidade"
Na área ambiental, um dos principais desafios é o equilíbrio da expansão urbana na Baixada de Jacarepaguá, prevista com os preparativos para a Olimpíada 2016. O local de vargem reúne manguezais, vegetação de restinga, áreas de brejo. Para o professor do Departamento de Geografia da PUC-Rio, Achilles Chirol, a urbanização necessária aos Jogos não justifica danos ao patrimônio ecológico da região:
– Há um discurso muito perigoso, que é o de vamos fazer as Olimpíadas, então temos de mexer na cidade. Acho um discurso muito complicado, porque ele, em tese, legitima atrocidades.
Outra possível ameaça, de acordo com o professor, é a continuação da construção do Arco Metropolitano do Rio de Janeiro, projetado para ligar as cinco principais rodovias que cortam a cidade. Segundo ele, o projeto traz o risco de uma transformação imensa na paisagem do Rio de Janeiro e de degradação ambiental.
Para Achilles Chirol, uma ação importante em 2011 seria "repensar a cidade" pela perspectiva das enchentes e deslizamentos, para que não se repita a tragédia decorrente das chuvas de abril do ano passado. Provocaram vários deslizamentos e mataram mais de 200 pessoas.
– A cidade já é sujeita a deslizamentos e enchentes. Há morros próximos a áreas de baixada. Costumo brincar que onde você não tem deslizamento, tem enchente. Isso ocorre com a ocupação das encostas, ocupação irregular – observa.
O professor afirma não existir uma receita para contornar esses desafios, mas propõe um "maior diálogo" entre a esfera pública, a sociedade civil, ONG´s e representantes comunitários. Para ele, a cidade deve crescer com inteligência:
– É preciso repensar o urbano não no sentido de expansão, mas, de repente, na revitalização de áreas antigas, de espaços consolidados, para melhor. Isso pode ser um caminho.
Saúde: implementação do programa de saúde para família
Para Jorge Biolchini, professor da Escola Médica de Pós-graduação da PUC-Rio, o grande desafio para área de saúde coletiva está na implantação efetiva do Programa de Saúde para Família. "Em relação a outras capitais, o Rio está menos avançado na saúde", avalia. Segundo Biolchini, o projeto deve ser estendido aos moradores menos assistidos:
– Com o programa de saúde para família, amplia-se a qualidade de vida em várias frentes, como a da criança e do idoso. Isso até já vem sendo feito, mas precisa ser cada vez mais implementado.
O especialista também propõe ações preventivas contra a dengue ao longo do ano, e não só medidas concentradas no verão, quando a incidência da doença é maior. Ele sugere a ampliação de campanhas educativas, para aumentar a participação dos moradores nos esforços para conter os casos da doença:
– O problema é que só nesta época as pessoas lembram-se da dengue. Deve haver ações durante o ano todo.
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