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Rio de Janeiro, 16 de abril de 2024


Saúde

Medicina é marcada por avanço tecnológico em 2010

Thaís Chaves - Do Portal

17/12/2010

 Stéphanie Saramago

O mundo assistiu, em 2010, à aplicação de novas técnicas de medicina que possibilitaram a cura de doenças e complicações consideradas, até então, sem solução. Diferentes especialidades médicas provaram, pela primeira vez, a eficiência de novos procedimentos que vinham sendo desenvolvidos há alguns anos. Em julho, foi realizado na Espanha o primeiro transplante facial total do mundo. No Brasil, em outubro, nasceu o menor bebê prematuro da história médica brasileira, com apenas 365 gramas e seis meses. Em novembro, uma equipe de cirurgiões franceses afirmou ter reconstituído a traqueia com a própria pele e costela do paciente e cientistas alemães implantaram um chip em uma das retinas de um paciente cego que voltou a enxergar.

O chip, normalmente utilizado para armazenar dados, foi implantado em uma das retinas do finlandês Mikka Terho, que sofre de uma rara doença hereditária chamada retinite pigmentosa. O paciente começou a ficar cego durante a adolescência e voltou a enxergar após realizar o implante. Com a aprovação do comitê britânico, outras 12 pessoas participarão de testes sobre o novo procedimento.

O professor assistente em oftalmologia e coordenador do setor de Retina e Vítreo do Departamento de Oftalmologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Ricardo Japiassú, explicou que o procedimento “é realizado de forma cirúrgica, colocado dentro do olho, à frente da retina”. Segundo o oftalmologista, o paciente deve usar uns óculos com uma microcâmera, que capta as imagens externas e estimula um dispositivo elétrico que fica atrás da orelha.

– O aparelho estimula um chip eletrônico para transformar a imagem em estímulo elétrico para o córtex calcarino [região cerebral responsável pela visão], que reconhece a imagem como real, mesmo sendo produzida artificialmente – ressalvou.

Ricardo Japiassú apontou que os riscos ao paciente são os mesmos de uma cirurgia convencional intraocular. A cirurgia pode causar infecção, descolamento de retina, glaucoma, assim como rejeição aos implantes artificiais. Segundo ele, o acompanhamento pós-operatório pelo médico deve ser regular, mensal nos primeiros seis meses, com ajustes constantes das imagens e da definição de imagem da microcâmera e do chip.

Ainda de acordo com o professor, essa técnica é desenvolvida há aproximadamente oito anos, primeiro na Califórnia, e depois na Alemanha. Conforme explicou, várias outras tecnologias vem sendo desenvolvidas atualmente na oftalmologia, como as drogas injetáveis intraoculares para tratamento da degeneração macular (uma doença que causa a perda da visão central e atrapalha atividades como ler e assistir a TV), a cirurgia de catarata e transplante de córnea com laser femtosecond, que permite cirurgia sem pontos e é quase toda programada por computador, e as novas lentes intraoculares de maior capacidade de visão multifocal.

Segundo o médico, os procedimentos a serem aperfeiçoados nesse tipo de cirurgia são principalmente no modo do implante do chip intraocular, ainda realizado de maneira invasiva, com grande abertura do olho e sutura de pontos. Para o Dr. Japiassú, o chip implantado deve aumentar a resolução, pois os atualmente disponíveis chegam apenas a 32 pixels e a previsão é de implantes de 2 megapixels no futuro.

Professor da Escola Médica de Pós-Graduação da PUC-Rio, Flávio Rezende Dias acredita que esse processo está ainda no início. De acordo com o professor, existe uma expectativa de evolução dessa tecnologia dentro de alguns anos.

 Arquivo Pessoal– Há quem diga que a adaptação da tecnologia da célula-tronco para a volta da visão deve ser aprimorada antes do completo desenvolvimento da tecnologia do chip – disse o professor.

Flávio Rezende Dias explicou que a célula-tronco pode fabricar uma nova retina a partir de uma célula embrionária. Esse procedimento, porém, demanda tempo para ser desenvolvido.

– Com a tecnologia da célula-tronco, uma quantidade de célula é injetada no paciente. No entanto, ainda falta técnica para fazer a retina funcionar – ressaltou.

Transplantes também evoluíram

O espanhol Oscar (as informações pessoais não foram divulgadas à imprensa), que sofria de um traumatismo na face resultante de um acidente, quando criança, foi paciente do primeiro transplante facial total da história da medicina. A operação foi realizada em julho deste ano e durou 24 horas. O paciente ficou internado por quatro meses depois do transplante, com uma evolução favorável.

O presidente do Instituto Ivo Pitanguy (IIP) e professor da Escola Médica de pós-graduação da PUC-Rio, Francesco Mazzarone, afirmou que o transplante facial foi realizado poucas vezes, apesar de se desenvolver há muitos anos. Para ele, a tendência da cirurgia, de um modo geral, é evoluir e apresentar melhores resultados, como cicatrizes menos aparentes, menor rejeição do organismo e menor risco cirúrgico.

Mazzarone ressaltou também a complexidade do procedimento, que demora muitas horas e exige técnica específica do cirurgião. Segundo ele, as complicações específicas da cirurgia facial são o hematoma (acúmulo de sangue em baixo da pele), as cicatrizes inestéticas ou mal posicionadas e o descontentamento estético com a operação.

– Além do repouso e cuidados com o curativo, o paciente deve iniciar a drenagem linfática, com a fisioterapeuta, a partir do décimo dia – observou.

O chefe do Serviço de Cirurgia Plástica do Instituto Nacional do Câncer (Inca) e membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), doutor Paulo Leal acredita que a cirurgia de reconstrução facial tem um caráter especial, especialmente pelo processo cirúrgico demorado, pois várias estruturas do rosto devem ser reparadas. Segundo o médico, a reconstrução facial é muito complexa e apresenta como maior dificuldade a possibilidade de rejeição do organismo.

– O paciente deve usar imunossupressores [medicamentos utilizados para educar o sistema imunológico e permitir que ele aceite células de uma outra pessoa] de forma crônica e pode apresentar problemas com relação a isso. A segurança no emprego destas drogas é o maior desafio para a utilização prática dessas técnicas – ressaltou.

Segundo ele, o tempo total da cirurgia varia de acordo com os danos e as estruturas que devem ser reconstruídas. Na medida em que equipes mais treinadas participem da operação, Paulo Leal acredita na possível diminuição do tempo da cirurgia, mas, para ele, sempre será um procedimento exaustivamente meticuloso.

Também em 2010, uma equipe de cirurgiões franceses afirmou ter reconstruído a traqueia de vários pacientes com câncer, usando um pedaço da pele e tecidos dos próprios doentes. O procedimento consiste em substituir o órgão destruído por um novo tubo, idêntico, a partir do próprio tecido do paciente, o que evita a possibilidade de rejeição.

Médico especialista em hematologia e oncologia e membro da Academia Nacional de Medicina, Daniel Tabak afirmou que os primeiros relatos de transplantes de traqueia são de 2008, quando o grupo coordenado pelo Dr. Paolo Marccherini de Barcelona descreveu a utilização de células autólogas (do próprio indivíduo) para a reconstrução de uma traqueia destruída por tuberculose. Segundo ele, a equipe utilizou células humanas associadas com materiais biocompatíveis.

 Arquivo Pessoal – A utilização de um tecido do próprio paciente evita a rejeição – afirmou Tabak. – A técnica de substituição de traqueia foi utilizada em uma paciente que havia sofrido traumatismo e desenvolvido um estreitamento do tubo. Os cirurgiões franceses que realizaram o procedimento utilizaram um segmento traqueal de um doador. No sentido de evitar a rejeição, eles cultivaram o tecido doado no antebraço da paciente para permitir o reconhecimento do tecido transplantado e evitar o uso de imunossupressores [medicamentos utilizados para educar o sistema imunológico e permitir que ele aceite células de uma outra pessoa]. No caso dos transplante de órgãos sólidos, eles são necessários por toda a vida e podem estar associados a vários problemas, inclusive o aparecimento de infecções e certos tipos de câncer – ressaltou.

Segundo Tabak, o principal benefício da técnica é o de realizar o transplante evitando o uso de drogas que seriam tóxicas para pacientes portadores de câncer. Conforme disse, muitos pacientes com câncer de pulmão não podem ser submetidos ao tratamento cirúrgico, com potencial curativo.

– Existe uma necessidade contínua de individualizar o tratamento do câncer – afirmou.

Para Daniel Tabak, o câncer é uma doença, ou melhor, um conjunto de diversas doenças extremamente heterogêneas. Segundo ele, as características do crescimento e proliferação celular são definidas por características genéticas individuais que regulam os processos biológicos.

– A melhor compreensão destes eventos permitirá o desenvolvimento de agentes terapêuticos específicos não apenas para aquele tipo de tumor, mas principalmente para aquele paciente. Acredito que esta representa a principal estratégia para o tratamento do câncer no futuro – afirmou.

Nasce Ana Júlia, com 365 gramas

Neste ano nasceu o menor bebê prematuro do Brasil, no Rio de Janeiro, com 365 gramas. A gravidez teve que ser interrompida depois de seis meses porque a mãe sofre de hipertensão. Ana Júlia Horácio ficou na UTI durante quatro meses e hoje passa bem.

A neonatologista da clínica Perinatal Fernanda Bueno explicou que o acompanhamento de recém-nascidos muito pequenos e que pesam poucas gramas é realizado dentro de uma UTI neonatal, com profissionais capacitados para este cuidado, como médicos, enfermeiros e fisioterapeutas. Os bebês ficam em uma incubadora aquecida, com monitor cardíaco (para verificar frequência e ritmo cardíaco), saturímetro (para verificar a saturação de oxigênio), com o objetivo de administrar os líquidos e medicações necessários a cada recém-nascido. Além disso, exames laboratoriais e de imagem são realizados de acordo com cada caso.

– O suporte respiratório e de oxigênio é ofertado ao paciente conforme necessário. Normalmente quanto menor a idade gestacional e o peso, maior a necessidade e o tempo de suporte respiratório – ressaltou. – A neonatologia nos dias de hoje está muito avançada e a clínica Perinatal tem uma sobrevida cada vez maior de recém-nascidos prematuros e os números são cada vez menores.

De acordo com a médica, as incubadoras atuais são aquecidas e fazem umidificação e permitem prevenir a hipotermia e a excessiva perda de líquidos. Outra inovação na área é o respirador que realiza ventilação de alta freqüência, considerado pela especialista como um avanço para prematuros muito pequenos e com pulmões muito imaturos.

Ainda nessa linha, o surfactante sintético, uma substância deficiente no pulmão do prematuro, existe hoje em ampola, para administrar através de tubo orotraqueal diretamente no pulmão do prematuro, ajudando a melhorar a ventilação e a troca gasosa do paciente.

– As principais causas de um nascimento prematuro são gestações múltiplas, má formação, infecções maternas, bacterianas ou virais, diabetes gestacional e rompimento prematuro de membranas amnióticas – disse a doutora Fernanda Bueno.