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Rio de Janeiro, 20 de abril de 2024


Esporte

Um Campeonato Brasileiro com sotaque argentino

Bruno Alfano e Gustavo Rocha - Do Portal

03/12/2010

 Arte: Stéphanie Saramago

No Brasileirão 2010, o país do futebol arte foi palco para os argentinos Conca, Montillo e D’Alessandro. Os craques do Fluminense, Cruzeiro e Internacional brilharam, transformando badalados nomes, como Ronaldo e Neymar, em figurantes do campeonato. Na segunda-feira (06/12), a CBF realizará a festa de entrega do prêmio dos melhores jogadores do ano e os três são favoritos à conquista.

No páreo, Conca se destacou no Fluminense, líder do campeonato, tanto pelos gols e passes decisivos quanto pela regularidade: é o único jogador de linha que participou de todos os jogos do campeonato. Montillo estreou pelo Cruzeiro na 22° rodada, quando o time ocupava a quinta colocação. A partir dessa partida, a equipe mineira cresceu e chegou a liderar o campeonato, no 29° jogo do campeonato, por duas rodadas. Já D’Alessandro viveu seu melhor momento no primeiro semestre do ano, na Taça Libertadores da América. O Internacional, com a participação decisiva do argentino, foi campeão do torneio sul-americano e conquistou a vaga para o mundial interclubes.

Para o comentarista do SporTV e autor do livro Os 11 maiores camisas 10 do futebol brasileiro, Marcelo Barreto (Foto), os três jogadores têm qualidades distintas, mas aquele que se aproxima mais do camisa 10 clássico é o cruzeirense Montillo.

 Photocamera – O D’Alessandro é muito habilidoso e sabe fazer bons lançamentos. Entretanto, para ele ser um 10 por excelência faltava finalizar melhor. O Conca funciona melhor um pouco mais recuado. Ele é um jogador que gosta de ver o jogo mais de trás, mas sabe chutar bem a gol e chega perto dos atacantes. Já o Montillo é o que mais se aproxima de um 10 clássico: tem habilidade, visão de jogo, encosta nos atacantes e busca os lados dos campos – observou o especialista.

O "camisa 10" clássico citado por Barreto nasceu quando os times passaram a jogar com dois, em vez de três, atacantes. A partir daí, o jogador da posição passou a ser o responsável por ligar o meio de campo ao ataque. Para realizar a função com competência, deve utilizar recursos técnicos como passe, finalização, lançamento que são aprendidos nas categorias de base. Esta, na visão dos especialistas, é a razão para o sumiço dos camisas 10 brasileiros. Segundo o comentarista André Kfouri, do canal ESPN, as categorias de base dos times pararam de se preocupar em produzir esse tipo de jogador, pois todas as jovens promessas habilidosas são transformadas em atacantes.

– A maior preocupação é encontrar volantes, jogadores de marcação. Muitos treinadores armam seus times com apenas um jogador de mais habilidade no meio de campo porque estão convictos de que a prioridade tem que ser marcar – afirmou Kfouri.

O comentarista Marcelo Barreto afirma que a formação de jovens jogadores é direcionada em função do mercado europeu. Isso explica a preocupação em revelar volantes e atacantes, em detrimento dos camisas 10 armadores. 

 Divulgação – As categorias de base não se preocupam em formar os camisas 10 brasileiros porque elas não atendem ao mercado brasileiro, mas sim ao europeu. E lá não tem muito essa figura do 10. Na Europa tem o atacante rápido aberto pela ponta e um monte de cabeça de área, volantes: o jogador forte que corre o campo todo, sabe marcar e consegue chegar no ataque.

Na opinião do colunista Fernando Calazans (Foto), do jornal O Globo, as categorias de base da Argentina não adotam uma postura similar por uma questão cultural.

– Como diria Nelson Rodrigues, nós brasileiros temos complexos de vira-lata e, por isso, copiamos os europeus, americanos e tudo o mais. Os argentinos são mais arraigados à sua cultura. Então, eles nunca desprezaram esses jogadores habilidosos. Pode ser pequenininho como o Conca, o D’alessandro, o Montillo, Maradona, Messi – observou Calazans.

Na opinião do comentarista Carlos Eduardo Éboli, da rádio CBN, é obrigação dos clubes procurar novos armadores.

– Cabe aos clubes gerar essa produção no meio de campo. O Brasil começou a mudar um pouco a cara quando conquistou o tetracampeonato, com o sistema defensivo muito sólido. Depois dessa Copa, o país passou a formar melhores zagueiros – opinou o comentarista.

 Divulgação/Internacional  O horizonte sem camisas 10 brasileiros, entretanto, não é unanimidade. Luiz Mendes, o “palavra fácil” da CBN, é mais otimista.

– Por enquanto, os times vão procurar nos países vizinhos, mas o Brasil vai voltar a produzir os nossos. Já temos alguns. O [Paulo Henrique] Ganso do Santos é um jogador desse tipo: mescla um bom sentido de armação com um bom passe. E ainda há outros como o Douglas, do Grêmio, o Elias, do Corinthians. Os clubes estão procurando – prevê o comentarista.

Antes eternos rivais, agora os jogadores hermanos invadem a prancheta de escalação dos técnicos. Com um mercado forte, os clubes brasileiros passaram a tirar os jogadores dos países vizinhos. O fato do Brasileirão ter como destaque três argentinos não surpreende Marcelo Barreto:

– Isso já podia ter acontecido antes. O futebol brasileiro está impondo um certo poderio financeiro em relação à América do Sul – afirmou.

Segundo o comentarista argentino Manolo Epelbaum, do SporTV, o fato de o campeonato argentino ser transmitido no Brasil, por um canal especializado em esportes, foi importante para que o mercado argentino seja explorado pelos clubes brasileiros.

 Stéphanie Saramago – O público do Brasil passou a apreciar o futebol argentino porque entrou em contato com o campeonato de lá. Há cinco anos você não via ninguém nas ruas do Brasil com camisas de clubes argentinos. Hoje em dia, tem tantas pessoas usando esses produtos quanto argentinos com a camisa do Flamengo em Buenos Aires – afirmou Epelbaum. 

O comentarista argentino não acredita que o Brasil deixou de produzir armadores. Na opinião dele, isso é uma fase:

– É um momento. Futebol é um esporte muito fugaz – disse.

Para os torcedores, a rivalidade é deixada de lado quando os jogadores estrangeiros se destacam dentro de campo. Professor de Marketing Esportivo da PUC-Rio, Luiz Léo explica que a nacionalidade dos jogadores não seria um empecilho em um eventual projeto de marketing com esses atletas.

– Os argentinos estão se destacando pela qualidade de jogo dentro de campo. Eu não vejo um esforço empresarial, do ponto de vista dos negócios, para projetar esses caras. Caso os clubes tentassem, dado o momento espetacular que ele vive tecnicamente, o consumidor não rejeitaria os produtos atrelados à imagem do Conca, por exemplo, pelo fato dele ser argentino – explicou o professor.

Além de pequena projeção midiática, o trio quase não aparece na Argentina e essa falta de visibilidade faz com que sejam esquecidos pela seleção nacional. D’Alessandro foi o único que já defendeu a Argentina, mas não é nome certo nas convocações. Segundo André Kfouri, pesa contra Conca e Montillo o fato de não terem construído uma história com a camisa de um time local.

 Divulgação/Cruzeiro – Eu acho que essa é a principal questão. Enquanto o D’Alessandro já foi campeão da Argentina pelo River Plate, Conca e Montillo saíram do país cedo e começaram a despontar fora. Eles não têm um currículo que chame atenção no período em que eles jogaram na Argentina – afirmou Kfouri.  

Na opinião do comentarista Carlos Eduardo Éboli, da rádio CBN, o fato dos jogadores não jogarem na Europa também contribui para diminuir as chances do trio.

– Eu acho que há uma discriminação, sim. A Argentina ainda olha muito para os jogadores que vão para a Europa. Historicamente, eles não valorizam os jogadores que vem atuar no Brasil – opinou Éboli.

Para Manolo Epelbaum falta apoio da mídia local para que Conca, o argentino do Fluminense, tivesse alguma oportunidade.

– O Conca vai ser chamado para a seleção. Fica tranquilo. Eu estou dando muito apoio jornalístico a ele nos principais jornais de lá. Não é possível que um povo pentacampeão consagre um argentino como o melhor jogador do Campeonato Brasileiro e os jornais da Argentina não dão uma linha – concluiu Epelbaum.