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Rio de Janeiro, 20 de abril de 2024


Esporte

Os bastidores da batalha pelo ingresso da "final"

Eduardo Rocha - Do Portal

03/12/2010

Mauro Pimentel

Depois de domingo os tricolores estavam com todos os nervos à flor da pele. O Corinthians não perdeu, o Cruzeiro também não. Quando os três jogos acabaram, foram dez respirações profundas para aliviar a tensão, trinta minutos para a cerveja e logo o coração já batia mais rápido novamente.

A corrida para os ingressos da "final" contra o Guarani começou no próprio domingo à noite. O telefone do Fluminense estava supostamente desligado, pois o clube fecha às 18h aos domingos e feriados, mas boatos de que a venda seria na segunda-feira movimentavam quem planejava ir ao Engenhão. Na terça-feira de manhã, os tricolores souberam pela internet, por telefonemas e pelo boca a boca que a fila havia começado, um dia antes do início programado da venda. Cada minuto fora da fila aumentava o risco de ficar sem o ingresso.

Nas Laranjeiras, havia duas filas: a de sócios e a de não-sócios. A dos associados começou a se formar mais tarde, por volta das 21h de terça. Os torcedores "comuns" entregaram-se mais cedo ao sacrifício, já segunda à noite. Apesar das quase 24h de diferença, a preocupação era a mesma: o ingresso. O descaso e o tumulto enfrentados também seriam semelhantes. 

Os tricolores se ligavam e combinavam estratégias na batalha do ingresso. Arranjaram munição para vencer as horas de espera: comida, bola, baralho, livros, cangas, cadeiras, violão. Alguns fizeram da casa dos amigos que moram perto da sede do clube seus quartéis, mas poucos tinham esse privilégio. Eram sete da noite de terça-feira, faltavam 14 horas para a bilheteria abrir, e um mar de gente já ganhava a calçada. A fila estava na altura da Clínica Enio Serra, na Rua Soares Cabral. A noite caía e mais gente chegava. Alguns pensaram em desistir, mas sair da fila naquele momento significava abdicar do sonhado ingresso e não ter a oportunidade – para muitos a primeira – de ver de perto o Fluminense campeão brasileiro da série A. (Caso prevaleça o favoritismo diante do rebaixado Guarani.)

A maior parte daqueles guerreiros tinha medo de que se repetisse a desorganização e o escoamento fulminante de ingressos amargados na venda para final da Taça Libertadores, em 2008, quando os bilhetes esgotaram em duas horas. Na falta de um controle oficial, os próprios torcedores improvisaram listas para coibir furões de fila e cambistas. De uma em uma hora, mais ou menos, fazia uma “chamada”.

Na madrugada, o sofrimento em comum já formava amizades. A solidariedade ajudava a superar o sono, a ansiedade, o tédio. Quem morava perto trazia água, comida. Quem tinha cadeira dividia o assento. A bola começou a rolar, mas não era grama: era asfalto. Os carros marcavam o campo e os chinelos, os gols. Os baralhos iam aparecendo, a batucada também. Táticas de guerra.

O sono era o maior adversário. Muitos descobriram que não existe posição boa para dormir em uma cadeira de praia. Outros descobriram também que o chão é realmente muito duro. (Talvez sirva para sermos mais solidários com quem passa por isso todos os dias.)

Às quatro e meia da madruga, a fila dobrava a esquina da Rua Soares Cabral com a Rua das Laranjeiras. Os sócios preparavam-se para mudar de lugar. Uma hora depois, a fila caminhou para dentro da sede. Senhas foram distribuídas na ordem da lista que tinha sido feita do lado fora.

Com o passar das horas, a solidariedade ia diminuindo. Qualquer suspeito de “penetra” era hostilizado. Houve discussões acirradas. Os organizadores da fila começavam a levantar o tom de voz. (Os organizadores, é bom esclarecer, não eram funcionários do clube. Eram apenas sócios.) Faltavam quatro horas para a abertura da bilheteria.

As discussões se sucediam. Um menino, cara de pau, entrou na fila de uniforme escolar e cabelo molhado. Nova discussão. Depois de dedos na cara e socos de raiva em um automóvel estacionado, voltava a relativa tranquilidade. A polícia, ausente por quase toda a madrugada, assistia ao espetáculo.

Quando a bilheteria foi aberta, às 9h, a fila se desdobrou. Para os sócios, eram três estágios para a conquista do  ingresso: uma fila até a porta do Salão Nobre; outra, do Salão Nobre até o parquinho; e uma terceira, dentro do parquinho, para aí, sim, comprar o bilhete. Essa fila de sócios dava a volta em três quartos do estádio das Laranjeiras. Alguns idosos tentaram formar uma fila preferencial, com o objetivo de comprar ingressos para filhos, netos, amigos. Como os idosos têm direito a gratuidade no Engenhão, a investida não avançou. Na fila de não-sócios, cada passo era uma guerra. Apesar das listas, muitos perderam o lugar e outros tantos entraram de penetra. Faz parte do show (da desorganização).

Os ingressos eram vendidos lentamente. Média de dois minutos por pessoa atendida. O que se ouvia no fim da fila era “será que eu vou conseguir meu ingresso?”. Cada um que saía com o ingresso na mão fazia festa. Era um gol, uma vitória. Quem não conseguiu ficava inconsolável.

O jogador Deco passou e viu a fila. Viu a imensidão de significado desse título para a torcida. Muitos passaram mais de 24 horas ali para comprar a entrada. Muitos se endividaram para pagar o ingresso que variava de 60 a 150 reais. Agora a preocupação é outra: será que o time leva o caneco?