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Rio de Janeiro, 16 de abril de 2024


Texto

“Padre também chora”

Daniel Cavalcanti - Do Portal

25/11/2010

 Núcleo de Memória

A 15ª cadeira da Academia Brasileira de Letras (ABL) está vazia. O assento era ocupado por uma personalidade ilustre que fez muito pela PUC-Rio e pela sociologia, foi inclusive fundador do atual Departamento de Sociologia e Política da universidade. Padre Fernando de Bastos de Ávila, S.J., foi um homem adorado, não só por quem trabalhou com ele, mas pelos que o conheceram, mesmo que brevemente. Ele faleceu no dia 6 de novembro, aos 92 anos, em Belo Horizonte, onde residia.

– A PUC perdeu, além de um homem muito inteligente, uma alma pura – contou a professora Lenira Alcure, do Departamento de Comunicação Social. – Tive uma longa conversa com ele que me fez um bem espiritual muito grande – completou.

Com um currículo invejável, padre Ávila cursou seu doutorado na Universidade Católica de Louvain (UCL), na Bélgica; publicou 14 livros, foi assessor da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, nomeado pelo papa João Paulo II como membro da Comissão Pontifícia Justiça e Paz e editor da revista Síntese Política, Econômica e Social durante os tempos da ditadura. Quando pergunta-se às pessoas que conviveram com padre Ávila sobre ele, nunca faltam duas qualidades marcantes: seu grande intelecto e sua humanidade. Durante o tempo em que liderou a Assessoria Política da Arquidiocese do Rio de Janeiro, se tornou mais próximo do professor Eduardo Raposo, do Departamento de Sociologia e Política.

 Núcleo de Memória – O padre Ávila era uma pessoa extremamente comovida com a vida. Era capaz de olhar a natureza, as crianças e a sociedade com um profundo sentimento humano – definiu Eduardo Raposo – Eu, inclusive, uma vez estava de carro com o padre, voltando tarde de uma reunião. Eu o estava levando para a residência jesuíta, então o convidei para jantar pois não devia ter mais comida aquela hora na residência. Chamei um amigo meu, Aluízio Didier, e disse: “Você quer conhecer uma pessoa extraordinária?”, ele veio na hora. Nós tivemos um jantar recheado das conversas do padre Ávila e foi uma noite extremamente agradável. Eu nunca mais esqueci desse jantar.

Durante a missa de 7º dia realizada na sexta-feira, 19/11, o reitor da universidade, padre Josafá Carlos de Siqueira, S.J., definiu seu amigo como “síntese de fé, razão e sensibilidade” e contou, durante a missa, algumas das frases de impacto que tanto eram ditas pelo padre. “Não se entende o social sem o ambiental, nem o ambiental sem o social”, ele dizia. O reitor, que publicou um artigo no PUC Urgente sobre padre Ávila, enalteceu a sensibilidade do homenageado como uma de suas qualidades mais marcantes.

A missa ainda contou com a participação do ocupante da 25ª cadeira da ABL, Luiz Paulo Horta. Seu discurso falou da sensibilidade do padre Ávila. Segundo Horta, "o padre conhecia a alma feminina como ninguém, pois sabia que havia um grande amor ali".

 Núcleo de Memória Talvez o momento que mais marcou Margarida de Souza Neves, coordenadora acadêmica do Núcleo de Memória da PUC-Rio, tenha sido durante os tempos da ditadura.

– Eu entrei na sala do Padre Ávila para conversar com ele. Quando entrei, vi que estava sentado atrás de sua mesa, chorando. Ele olhou pra cima, eu estava espantada, e ele disse: “Está olhando o quê? Padre também chora!”. Acho que isso define muito bem quem foi o padre Ávila – contou Margarida.

As memórias do padre Ávila ficaram gravadas no seu livro A alma de um padre. Segundo Margarida, um livro corajoso que retratou suas escolhas ao longo da vida. O padre Pedro Magalhães Guimarães Ferreira, S.J., revelou que uma das frases mais marcantes do padre Ávila, quando retornou à PUC do seu doutorado em Louvain, dizia "retornei para o lugar de onde eu nunca deveria ter saído".

Irmã do padre Ávila, Lygia Bastos revelou com lágrimas nos olhos:

– Seu maior desejo era ser enterrado diretamente no solo. Esse pedido foi concedido.