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Rio de Janeiro, 27 de julho de 2024


Cultura

Livro discute terrorismo internacional

Bruno Alfano - Do Portal

23/11/2010

 Stéphanie Saramago


Terrorismo e Relações Internacionais: perspectivas e desafios para o século XXI, Mônica Herz e Arthur Bernardes do Amaral

Para pensar o terrorismo, a PUC-Rio organizou em 2006 um seminário que virou livro. Publicado pela Editora PUC-Rio, em parceria com as Edições Loyola e o Consulado Americano no Rio de Janeiro, Terrorismo & Relações Internacionais – perspectivas e desafios para o século XXI reúne 13 artigos dos professores convidados para o encontro daquele ano, dos quais estavam presentes nomes como o do marroquino Nizar Messari, professor da PUC-Rio, e os americanos David Kennedy, da Universidade Harvard, e James Der Derian, da Universidade Brown.

Em entrevista ao Portal PUC-Rio Digital, os organizadores do livro Mônica Herz e Arthur Bernardes do Amaral, professores do Instituto de Relações Internacionais da universidade, esclareceram alguns pontos presentes na obra. “Precisamos historicizar o conceito de terrorismo”, avalia Bernardes.

Portal PUC-Rio Digital: Quais as principais conclusões que o livro traz? 

Mônica Herz: É difícil falar em conclusões porque o livro é uma coletânea de artigos. De uma forma geral, o livro traz a variedade de interpretações que existe sobre o tema. A conclusão mais geral da obra é a de que o terrorismo é um conceito historicamente construído que tem interpretações diferentes a partir de diferentes disciplinas, de diferentes perspectivas políticas; de que gera diferentes conceitos a partir de diferentes experiências históricas. Então, é muito difícil falar de um conceito unívoco de terrorismo. A ONU ainda não conseguiu uma convenção geral sobre terrorismo. O que existem são convenções específicas sobre práticas específicas associadas ao terrorismo, mas não uma convenção geral. É um conceito muito contestado.

Arthur Bernardes do Amaral: A importância de se debater o tema é uma espécie de linha mestre do livro. No Brasil essa importância se acentua, pois não há uma literatura consolidada sobre o assunto. O livro possibilita entender o terrorismo – e como a sociedade lida com ele – como algo que é historicamente construído. Precisamos historicizar o terrorismo. Uma série de estereótipos surgiram no pós-11 de Setembro, muitas vezes guiados pelo interesses norte-americanos. Todo um pensar sobre o assunto é importante e, para tal, é necessário fazer essa historicização. Não é um fenômeno novo, nem exclusivamente islâmico. É, sobretudo, um problema de segurança que a gente escolhe como lidar. Quando historicizamos o terrorismo, podemos perceber as diferenças maneiras de se lidar com esse problema. E, assim, escolher entre uma postura belicosa – como aconteceu no governo Bush – ou uma postura critica, historicizante, que fuja de estereótipos. Essa é a proposta principal do livro. Todos os artigos são diferentes, mas eles têm isso em comum. Um aspecto crítico, de pensar antes de agir, de propor uma abordagem mais rica e fugir do senso comum.

Portal: Alguns grupos como Hamas e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) são considerados de maneiras diferentes: alguns países classificam esses grupos como terroristas e outros não. Como uma organização deve ser classificada como terrorista?

 Isabela SuedM.H: Eu não acho que uma organização deva ser classificada como terrorista. As práticas de determinadas organizações é que podem ser classificadas, em determinados momentos, como terroristas, a partir de uma determinada interpretação do conceito. Acho razoável que ataques que geram muita publicidade e com o objetivo explícito de violência entre a população civil possam ser considerados como terroristas. Se as organizações forem classificadas, aquelas que se utilizaram de práticas terroristas no passado não terão a possibilidade de continuarem existindo e manterem seus objetivos políticos sem essas ações.

A.B.A: O conceito de terrorismo é talvez um dos mais polêmicos conceitos do debate da política moderna. É impossível se ter uma concepção do que é e do que deixa de ser terrorismo. A própria história do conceito mostra que ele já foi usado para mil e um propósitos. Entretanto, a principal utilização dele, no pós-Segunda Guerra Mundial, é no sentido de deslegitimar a violência de um determinado adversário. Na prática, não importa se um grupo é considerado terrorista ou não. O importante é classificá-lo assim. Por mais aberto que seja o conceito, há uma utilidade política muito clara, sendo muito eficiente. Por mais que não possamos definir o que é terrorismo, chamar alguém assim é dizer que aquela violência que ele usa é uma violência que não pode ser justificável e, consequentemente, jogar por água abaixo toda a legitimidade de um grupo. As Farc são insurgentes que até usam de atentados contra civis, mas é muito mais amplo que o terrorismo em si. Entretanto, o fato é que chamar a organização de terrorismo permite combatê-la. Assim como o Hamas que é um partido político – eleito na Faixa de Gaza com mais de 60% dos votos em 2006 –, e tem de fato um braço armado que é considerado terrorista. No fim das contas, o Hamas também é uma força política legítima que é deslegitimada através do conceito de terrorismo.

Portal: Qual é a melhor maneira de se lidar com esse problema?

M.H: São, basicamente, duas dimensões. Uma é de natureza política. De uma forma geral, você tem situações em que não há espaço para a expressão política de determinados grupos e, portanto, estes acabam buscando expressão de forma violenta. Eu acredito que na maior parte das vezes é possível criar condições para que conflitos possam ser discutidos, debatidos e disputados sem o uso da violência. Mas esse espaço tem que existir. Por outro lado, é também um problema de natureza criminal, porque se são atos criminosos de assassinato, roubos, destruição de propriedades, têm que ser tratados como crime e, como tal, existe o sistema judiciário, a inteligência e a polícia que lidam com isso.

A.B.A: O terrorismo é um problema de violência política. Política e violência são difíceis de ser dissociados ao longo da nossa história, não que sejam inevitáveis, mas são componentes constantes da história política do mundo. Depende de como se lida com essa perspectiva da violência na política: existe uma série de correntes que tentam justificar essa violência classificando os atores do terrorismo como pessoas irracionais. O que eu acho importante, e alguns artigos do livro seguem essa linha, é tentar pensar de modo menos arrogante, menos qualificatório. Tentar entender qual é a lógica por trás dele, qual é o sentido dessa ação, por que ela acontece. O aspecto da historização é, exatamente, entender as raízes do terrorismo para entender como a gente pode reagir de forma adequada a ele. Qualquer ação que se pretende minimamente bem sucedida tem que ter uma sofisticação maior. Tem que entender de fato quem são esses atores, o que os motivam, vê-los como atores que em alguma medida têm ao menos alguma coerência interna nos seus argumentos, reconhecer que eles não são simplesmente malucos, lunáticos. Eles têm lá suas motivações e cabe a nós decifrá-las. Até para combater a violência por parte dos terroristas e daqueles que querem combater fogo com fogo. Violência, no fim das contas, é talvez a pior solução de todas. Na verdade, nem é uma solução, ela só reproduz o problema.

 Isabela SuedPortal: Como os atentados de 11 de Setembro influenciaram os caminhos do século XXI?

M.H: Os atentados tiveram um impacto muito grande na percepção norte-americana da dimensão da ameaça terrorista. O tema passa a ser central, enquanto um dos elementos ameaçadores do ambiente internacional, do ponto de vista da liderança americana e de outras lideranças ocidentais. A agenda política, no século XXI, está marcada por essa experiência. Pelo impacto que ela teve, mudando o eixo da discussão sobre política internacional. Depois do fim da Guerra Fria, o conflito entre o sistema capitalista e o comunista deixou de ser o centro organizador da política internacional. Começou, então, um período em que há toda uma perspectiva de construção de uma ordem liberal universal em que essa temática, em grande medida, organiza o sistema internacional. O 11 de Setembro representa um corte no processo, trazendo a "guerra ao terror" mais para o centro dessa agenda. Mesmo hoje que não estamos vivendo o governo Bush – que fez da guerra ao terror o centro da sua política de segurança –, esse é um tema absolutamente central da política de segurança dos EUA, dos países europeus e de outros países que têm capacidade militares com recursos significativos.

A.B.A: O atentado foi o primeiro ataque de grande escala dentro do território continental dos EUA em quase dois séculos. A Segunda Guerra Mundial foi lutada basicamente na Europa e o único atentado ao território americano foi em Pearl Harbor, mas esse território estava a 5 mil quilômetros no meio do pacífico, bem longe desse território continental americano. O 11 de Setembro foi um trauma no imaginário político dos EUA muito relevante. Isso impactou a política externa deles. O governo Bush já tinha um ímpeto uniteralista antes dos atentados que se tornaram uma espécie de catalisador. O ataque sofrido mudou a postura americana fazendo com que ele se torne de fato unilateralista. Isso acabou minando, por dentro, todo o aparato de governança mundial multilateral que o próprio EUA tinha ajudado a criar no final da Segunda Guerra Mundial – com a ONU e o Conselho de Segurança.  O atentado fez com que os EUA, país mais poderoso do mundo, corresse, em plena era unipolar, por fora das instituições multilaterais – que ele mesmo tinha ajudado a criar anteriormente. O resultado foi um crescimento do antiamericanismo no mundo e que ajudou os EUA a perder esse relativo perder.

Portal: O primeiro texto do livro apresenta um governo americano com certo descaso ao combate contra o terrorismo antes de 2001. Em sua opinião, havia indícios para preocupação? Como os senhores avaliam a prevenção do governo americano antes do atentado de 11 de Setembro?

M.H: Eu acho que havia indícios que o governo americano estava preocupado. Já havia atentados antes do 11 de Setembro do mesmo tipo e também já existiam ações americanas lidando contra isso. E eu não acho que haja uma diferença muito significativa entre o governo Bush e o Obama. Nós sabemos que o atual presidente tem o projeto de fechar Guantánamo, mas, mesmo com avanços, ainda não conseguiu efetivamente fazer isso. De qualquer forma, há uma mudança na relação entre o terrorismo e o respeito aos direitos humanos. Isso não significa que a luta antiterrorismo deixou de ser importante, nem que os direitos humanos estão sendo respeitados de forma universal, mas o equilíbrio entre essas duas preocupações aumentou.

 Isabela SuedA.B.A: Já havia uma série de atentados antes do 11 de Setembro contra alvos americanos ao redor do mundo, mas nunca dentro do território dos EUA. A Al-Qaeda em 1996 já tinha declarado guerra aos EUA em um comunicado por um grande jornal de língua árabe na Inglaterra. Essa declaração dizia que eles iam perseguir todos os americanos até que o país saísse das terras sagradas do Islã. Era uma questão de uma guerra mundial contra os EUA, em nenhum momento Bin Laden queria tomar a Casa Branca. Ele queria expulsar os EUA das terras que considerava santa. Com esse objetivo, fez atentados na Arábia Saudita, na Tanzânia, no Quênia, no Iêmen e tentaram até um atentado no aeroporto de Los Angeles na virada do milênio. O governo americano estava combatendo, sim. Inclusive, a inteligência do país tinha informações suficientes para impedir o 11 de Setembro, mas a falta de integração entre a CIA e FBI prejudicou a operação. Entretanto, essa série de indicativos não foram tão bem observados quanto deveriam.

Portal: Como avaliar o atual combate americano ao terrorismo? 

M.H: Foi uma reação que buscou, em primeiro lugar, localizar a ameaça territorialmente. Logo depois dos atentados, houve o bombardeio ao Afeganistão. A ideia de territorializar aquela ameaça foi muito importante no momento porque esse é o costume do nosso sistema internacional – a amaeça tem que estar em algum território para que o que o país possa ir lá atacar, filmá-lo e gerar esse inimigo. Por outro lado, houve um movimento muito forte nos EUA e, também nos outros países do terceiro mundo, de fortalecimento do aparato repressivo estatal – para, de fato, lidar com o terrorismo ou usando a questão como justificativa.

A.B.A: No pós-11 de Setembro, o terrorismo se tornou a grande agenda da política externa americana. Combatê-lo se tornou um problema para os EUA, porque não se conseguiu criar uma imagem de guerra global contra o terrorismo quando não acharam os principais vilões – basicamente a Al-Qaeda e o Osama Bin Laden. Foi uma guerra que não teve resultados imediatos tão claros. Especula-se que o forte empenho dos EUA tenha gerado um crescimento da militância islâmica com um antiamericanismo no Oriente Médio. No Iraque, a presença americana foi um facilitador, em vez de mitigar, o terrorismo. Antes, sob o governo de Saddam Hussein, não existia Al-Qaeda no Iraque. Os Estados Unidos invadiram, decapitaram, quase que literalmente, o governo iraquiano. Instauraram um relativo caos no país e só depois da queda do ditador que surgiu a Al-Qaeda no Iraque. Se não tivesse havido a invasão americana, talvez não existisse a Al-Qaeda no Iraque. No Afeganistão, o sucesso não tem sido tão claro. O Talibã se renovou e já apareceram novos ‘senhores da guerra’ local. Existem áreas do Afeganistão no qual tinha sido abolida a produção de papoula, e consequentemente de heroína, e hoje a droga passou a financiar o Talibã. Hoje a guerra está concentrada basicamente na fronteira do Afeganistão com o Paquistão. Obama tem tentado não seguir o modelo Bush que tinha a contradição de defender a liberdade pela tortura. Existe uma nova formulação, tanto que o atual presidente americano não fala de guerra ao terrorismo, e sim esforço contra o terrorismo – o que já é uma melhora em termos conceituais, porque a retórica da guerra é mais violenta.

Portal: Como que o Brasil se insere nesse contexto do terrorismo internacional?

 Isabela SuedM.H: O Brasil coopera internacionalmente com as agências que lidam com os problemas de terrorismo, mas não é um lugar onde essa é uma questão central da agenda política e nem poderia ser. O Brasil tem uma definição do que é terrorismo diferente dos países ocidentais centrais, EUA e Europa, não elaborando, portanto, uma lista de organizações terroristas. Essa é uma postura correta do governo brasileiro e espero que o governo Dilma continue essa política, pois abre sempre a possibilidade de que essas organizações abandonem as práticas terroristas para levar adiante as suas agendas. Entretanto, o Brasil não é um país que tem defendido ardentemente o regime dos direitos humanos e, portanto, tem pouco peso na discussão dessa agenda.

A.B.A: O Brasil não é, obviamente, um ponto de importância nesse cenário de segurança. O terrorismo não é nenhum problema direto para o Brasil. O Brasil acabou sendo forçosamente inserido nessa agenda pelos próprios Estados Unidos. A guerra ao terrorismo originalmente é lutada no Oriente Médio e é lá que estão os grandes inimigos americanos. Mas aqui, na América do Sul, surgiu uma série de acusações contra uma área nas fronteiras de Brasil, Argentina e Paraguai. Suspeitava-se que por haver ali uma comunidade árabe significativa, algo em torno de 10 a 30 mil pessoas, a região poderia estar servindo como um abrigo para agentes de terrorismo internacional, ou como fonte de financiamento desses lucros e, consequentemente, estar vinculada com essa dinâmica do Oriente Médio. Essa é uma suspeita que surgiu em 1992, após o atentado na Argentina, mas que em mais de duas décadas de investigação, nada se comprovou.