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Rio de Janeiro, 8 de maio de 2024


País

Especialistas analisam eventual governo José Serra

Bruno Alfano - Do Portal

29/10/2010

 Foto: Mauro Pimentel / Arte: Isabela Sued

Depois de oito anos no poder com dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, de 1994 a 2002, o PSDB tenta voltar ao governo com José Serra. Especialistas de várias áreas, consultados pelo Portal PUC-Rio Digital, preveem que o candidato, ex-ministro do Planejamento e da Saúde do governo FHC e que já ocupou cargos como deputado federal, senador, prefeito e governador de São Paulo, siga um modelo de desenvolvimento menos centrado no Estado característica declarada do partido.

De acordo com o professor Arthur Amaral, do Instituto de Relações Internacionais, o PSDB prega um modelo de capitalismo com menor interferência do Estado, que assim funcionaria como um agente regulador das iniciativas econômicas do setor privado, sem ter participação direta como indutor do desenvolvimento.

– Esse modelo se traduz em redução de impostos e restrição dos investimentos em busca da austeridade fiscal, aliado a um projeto de crescimento econômico não necessariamente vinculado à distribuição de renda, que se daria “naturalmente” através da interação entre capital e trabalho no mercado – disse.

Entretanto, o economista e professor Marcelo Sousa, da PUC-Rio, lembra que as promessas de campanha do candidato José Serra – como o aumento do salário mínimo e da aposentaria – dificultariam uma redução, que segundo o economista se faz necessária, na elevadíssima carga tributária brasileira:

– Essa diminuição só será possível se o governo conseguir, pelo menos, fazer com que os gastos públicos sejam controlados de forma que a relação dívida/PIB caia. Sem esse controle fiscal, uma reforma tributária que desonere a produção fica inviável – explicou. – As promessas de campanha deixam uma dúvida sobre a viabilidade desse ajuste. 

Além disso, segundo o economista, os reajustes prometidos também impediriam um controle mais rígido sobre os gastos públicos, que, para o professor, é marca dos governos do PSDB:

– Uma característica do partido é o controle de gastos, abrindo espaço para mais investimentos. O problema é que as promessas de campanha de José Serra elevariam os gastos de custeio em cerca de 50 bilhões de reais por ano – afirmou.   

 Isabela SuedCom relação às políticas sociais, o professor José Ribas, do Departamento de Direito, não acredita que em um suposto governo Serra a "atual generosidade" continue.

– Acho que as políticas sociais vão continuar, mas Serra deve colocar algum filtro, como alguns critérios mais rígidos para o Bolsa Família – afirmou.

A aluna de oitavo período de Comunicação Social, Maíra Scherer, vê um governo do PSDB voltado para as camadas mais ricas.

– Eu acho que a gente vai retroceder na questão social porque o partido do Serra não vai governar para os pobres – disse a estudante.

Caio Amaro, aluno do sexto período de Design, não vê a possibilidade de um governo Serra mudar a vida da classe média.

– Na minha opinião, as camadas populares serão prejudicadas – opinou.    

No tema do meio ambiente, a pesquisadora em gestão ambiental Juliana Romeiro acredita que os recursos naturais serão observados sob uma ótica "mais economicista".

 Isabela Sued– Existem várias maneiras de se interpretar o meio ambiente. Uma delas é pensá-lo como uma fonte de recursos econômicos. O que se espera de um governo PSDB é que ele use os recursos ambientais como forma de lucro. Isso significa uma certa flexibilização das leis ambientais e abertura maior para empresas estrangeiras explorarem esses recursos naturais do Brasil – opinou.

No que diz respeito ao pré-sal, o economista Marcelo Sousa observa com preocupação a euforia das duas campanhas. Para ele, mais importante que recursos naturais é capacidade de inovação.

 – As evidências empíricas mostram que, muito mais do que grandes riquezas naturais, o que gera um crescimento econômico sustentável é a capacidade de inovação tecnológica. E a melhor forma de se conseguir isso é tendo boas instituições, como democracia sólida, respeito aos contratos, enfim, fatores que o ambiente de negócios mais favorável – afirmou.

Sousa vê a possibilidade de que uma reforma trabalhista seja discutida como um ponto positivo de um suposto governo Serra:

– O impacto positivo dessa medida seria aumentar a proporção de pessoas com carteira assinada, o que aliviaria o déficit da previdência – afirmou.

Outro ponto positivo se refere ao acesso a medicamentos. Especialista em compras públicas no ramo farmacêutico, o economista e professor da PUC-Rio Eduardo Fiúza acredita que o candidato Serra, no governo, fortalecerá a oferta de genéricos.

– Acho que o Serra vai continuar e acelerar a questão da oferta de genéricos, que começou com ele quando foi ministro da Saúde – disse.

Além disso, o economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) acredita que Serra, se eleito, deverá interferir nas agências reguladoras, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa):

– Ele deve romper com a política atual nas agências – afirmou. – Nessas instituições ele deve diminuir a influência política, de sindicatos e de partidos para privilegiar os quadros técnicos.

Segundo os especialistas, a política de bonificação de resultados dos quadros técnicos – que Eduardo Fiúza espera para as agências reguladoras – não deve se restringir ao ramo farmacêutico. O professor José Ribas acredita que, da mesma maneira que ocorreu no governo FHC, as políticas educacionais serão pautadas por critérios rigorosos de avaliação dos professores, premiando os melhores resultados.

– Eu tenho certeza que o processo avaliatório dos professores ganhará ênfase em um governo Serra. Esse modelo ele já adotou na Secretaria de Educação de São Paulo – atestou.

 Stéphanie Saramago Entretanto, a especialista em educação, professora Isabel Lelis, discorda desse modelo. Segundo ela, o modelo não se aplica em um país com enormes diferenças entre regiões, pois os resultados dos professores são também condicionados por uma série de fatores que estão fora da sala de aula.

– Como existem diferenças entre as condições das escolas, as condições de competição entre os professores são desiguais, o que torna o resultado, portanto, injusto – afirmou.

A professora ainda contestou a ideia do candidato de utilizar dois professores no primeiro ano escolar para, segundo o argumento de José Serra, melhorar o processo de alfabetização dos alunos no primeiro ano de ensino:

– Isso é só uma gota no oceano. O investimento tem que ser maior. É preciso, primeiro, que todas as escolas tenham condições ideias de trabalho, e isso inclui professores bem pagos e com formação continuada garantida – explicou.

Segundo a professora do Departamento de Educação, a campanha do candidato fixou-se muito na questão do ensino técnico. “O que certamente é uma questão importante”, ressalta Isabel. Entretanto, lembrou que o ensino médio, passagem do nível fundamental para o superior, não pode ser esquecido.

– O Brasil tem um número muito baixo, mesmo em relação a países em desenvolvimento, de ingressos na universidade. Ainda há muito o que se fazer no ensino médio, como torná-lo mais interessante para os alunos. Infelizmente, o candidato Serra não abordou esse assunto na campanha – esclareceu.

Na direção contrária à questão do ensino médio, a política externa, que em outras eleições não foi importante, ganhou força no pleito de 2010. Segundo o professor Danilo Marcondes, do Instituto de Relações Internacionais, isso se deve à maior presença do Brasil no plano internacional. Nesse cenário, o candidato do PSDB se posicionou contrário às aproximações do governo Lula com Venezuela, Bolívia e Irã. O professor Marcondes lembrou que, mesmo em uma conjuntura de diferenças ideológicas, a integração da América do Sul é uma política de Estado, iniciada, inclusive, no governo PSDB:

– José Serra deve se afastar de Evo Morales [Presidente da Bolívia] e Hugo Chávez [Presidente da Venezuela], no entanto, cabe destacar que a integração e o fortalecimento da América do Sul tem sido uma política de Estado, desenvolvida pela política externa brasileira já há algum tempo. Durante o próprio governo FHC foram conduzidos esforços importantes de integração política da região, como o 1° Encontro de Chefes de Estado da América do Sul em 2000.  

A professora Alexandra de Mello e Silva, também do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio, acredita que, no campo da política externa, o Brasil, em um governo de José Serra, terá que primar pela democracia na região, mas respeitar diferenças político-ideológicas.

 Isabela Sued – A manutenção da postura de liderança do Brasil na América do Sul – seja ela declarada ou subentendida – deve se pautar pela defesa das instituições democráticas, mas respeitando divergências político-ideológicas. Além disso, Serra deve levar em consideração a legitimidade que essa liderança implica na absorção unilateral, pelo Brasil, de alguns custos políticos e econômicos – afirmou.

Com uma posição mais crítica em relação ao candidato Serra, o cientista político Paulo Durán, do Departamento de Sociologia e Política da PUC-Rio, considera José Serra “despreparado” em suas análises e posições públicas sobre o que acontece nos países latino-americanos.

– Declarar a associação entre ‘terrorismo’, movimentos como as FARC e governos vizinhos é muito delicado e não uma posição que se esperaria de um chefe do Executivo. Isso demonstra que Serra poderá tenta expor, de alguma forma que eu nem gostaria de imaginar, a “pressão diplomática” sobre os governos vizinhos, mas, antes disso, é bom que ele tenha assessores preparados.

Em relação à política interna, Durán vê com bons olhos um candidato assumir com o Congresso e o Senado como oposicionistas – 60% do Senado apoia Dilma Rousseff e 24%, José Serra; na Câmara dos Deputados, a petista tem o apoio de 72% dos votos e Serra, 26%.

– Se Serra vencer no segundo turno, termos um Congresso ‘oposicionista’, pois ele não terá a maioria nas casas Legislativas. Na minha visão, isso pode ser bom para a democracia: “A política é uma arena onde a falta do conflito é um problema” – opinou Durán, citando o economista alemão Albert O. Hirschman.

 Mauro Pimentel O professor Durán ainda espera uma posição contrária de Serra em relação a Lula, no que diz respeito à imprensa. O PT é acusado, pelos próprios jornais, de tentar controlar os meios de comunicação, e Serra, na opinião de Durán, “faria diferente do atual governo para crivá-lo de críticas”.

Na questão da segurança pública, outra discussão importante para o país, a advogada, jornalista e professora Leise Taveira, do Departamento de Comunicação Social, não acredita que a criação de um ministério específico para o setor, como propõe Serra, seja uma boa solução para o problema. “Não há qualquer garantia de que assim a questão da segurança será tratada com mais atenção”. Para ela, não há “passe de mágica” e só um conjunto de fatores poderá melhorar a situação.

– A segurança é um problema que qualquer um terá que encarar. Teremos Copa, Olimpíadas e o mundo, diante de uma crise generalizada, volta suas atenções para o Brasil. Não vejo, em essência, muitas diferenças entre o projeto de Serra e o de Dilma nesse setor. Até porque, para ser mais profunda na questão, o problema da segurança não se resolve da noite para o dia, com medidas mágicas, mas com investimentos em educação, saúde, lazer, programa de prevenção às drogas, coisas que até hoje nenhum político levou muito a sério.

Na opinião do antropólogo especialista em segurança pública Luiz Eduardo Soares, ex-secretário nacional de Segurança Pública no governo Lula, a criação de um ministério específico só seria positivo se viesse acompanhado de uma reforma na legislação.

– É claro que tais alterações teriam de ser realizadas pelo Legislativo, mas um presidente exerce grande influência e tem o dever de liderar reformas na área, propondo ao Congresso uma nova arquitetura institucional para a segurança pública e um novo modelo policial. Sem assumir compromissos claros de lutar por tais mudanças, o candidato reduz à ideia de um Ministério da Segurança a mera peça de campanha.

 DivulgaçãoSegundo o especialista, a criação de uma Guarda de Fronteira para impedir o tráfico no local não acabaria com o problema de venda de drogas e armas nas grandes cidades do país.

– O problema não é fechar fronteiras. Mas, sim, o envolvimento de forças policiais no tráfico de armas e drogas. A corrupção torna segmentos policiais protagonistas do crime, como, por exemplo, nas milícias do Rio de Janeiro e no tráfico fluminense – conclui.