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Rio de Janeiro, 28 de abril de 2024


Mundo

Best-seller na Alemanha levanta debate sobre imigração

Bruno Alfano - Do Portal

22/10/2010

 Isabela Sued e Mauro Pimentel

Escrita pelo ex-diretor do Banco Central alemão e ex-deputado do Partido Social Democrata (SPD) Thilo Sarrazin, a obra “A Alemanha extingue a si mesma” lidera o ranking dos best-sellers no país. Desde o seu lançamento, em setembro, o livro gera polêmica pelo conteúdo controverso, com conotações racistas, e pelos mais de um milhão de exemplares vendidos.

Trazendo à tona o descontentamento de parte dos alemães com os imigrantes no país, o autor levantou o debate sobre a imigração na Alemanha com afirmações que tentam atestar uma inferioridade dos muçulmanos em relação aos alemães. No livro, Sarrazin argumenta que os imigrantes árabes e turcos que vieram para Alemanha, dada sua origem social, seriam menos inteligentes que a média dos alemães, e, como eles têm tendência a ter mais filhos, "o nível do quoeficiente de inteligência da população estaria caindo".

A repercussão foi imediata. Em artigo no jornal alemão Die Ziet, a pesquisadora Carola Sterna, cujo trabalho foi citado no livro, classificou as colocações de Sarrazin sobre os estudos dela como um “disparate científico sem noção”. Da mesma forma, a chanceler (primeira-ministra) do país, Angela Merkel, afirmou que o livro apresenta ideias “tolas e que não levam a nada”.

A obra, apesar das críticas, é um sucesso de vendas. Em apenas 20 dias, foram vendidas 650 mil cópias. O cientista político Sérgio Costa, professor da Universidade Livre de Berlim, acredita que o tamanho expressivo de vendas é resultado de uma série de ingredientes:

– O livro do Sarrazin usa informações científicas de forma equivocada, tempera com um catastrofismo e se vende como um livro que quebra tabus – afirmou o professor Costa ao Portal, por email.

Enquanto isso, a socióloga Helgard Kramer, da mesma universidade, considera que os argumentos de Sarrazin são “baseados em um darvinismo social vazio, teses biológicas démodé e com tom racista”. Entretanto, acredita que o antigo posto do escritor no Banco Central e na Câmara dos Deputados dá credibilidade ao livro junto ao público.

– A obra tem um tom populista expressado por uma pessoa que parece ter experiência pelos anos que passou como diretor do Banco Central alemão – afirmou Kramer.

Além das altas vendas, pesquisas demonstram alguma adesão dos alemães ao discurso. Segundo informou a professora Helgard Kramer, 53% da população achou importante que o debate sobre imigração voltasse à pauta com o livro e 20% são a favor de uma política que impeça a entrada de imigrantes – especialmente muçulmanos –, como já ocorre na Holanda.

Divulgação Mesmo assim, o professor Sérgio Costa, brasileiro que dá aulas na Alemanha desde 2000, não acredita na possibilidade de que um governo com ideias ultraconservadoras chegue ao poder com o apoio popular.

– Existem movimentos radicais de direita, mas são uma minoria na população e ninguém quer se confundir com eles. O partido de direita é inexpressivo. Os alemães hoje, em sua enorme maioria, são democratas e humanistas convictos. As instituições são sólidas e não há espaço para nenhuma medida ou ação que fira a Constituição.

Helgard Kramer também descarta a possibilidade, mas ressalva: enquanto não aparecer um líder carismático de extrema direita.

– A possibilidade de um governo como esse é completamente descartado enquanto não houver um líder carismático, como [o político de extrema-direita Joerg] Haider, da Áustria. O que existe é o começo de movimentos organizados em Berlim, mas que são fortemente combatidos por setores da sociedade.

Imigrantes muçulmanos dominam a Alemanha

A Alemanha abriga cerca de quatro milhões de mulçumanos imigrantes, dos 15 milhões de estrangeiros que residem no país – o que corresponde a 18,4% da população. A relação entre nativos e estrangeiros não é igual em todo o país. Enquanto, por exemplo, em Frankfurt – onde os seguidores de Maomé chegam a um terço da população total –, a interação é de completa harmonia, existem periferias nas cidades de Berlim, Dortmund e Düsseldorf que se constituem sociedades paralelas, onde não é falado nem o alemão. Esse é, inclusive, um dos maiores problemas para a integração nacional.

O governo do país procura soluções. Nessa semana, a chanceler Angela Merkel cobrou uma posição mais pró-ativa dos estrangeiros no país. Em encontro com a juventude do seu partido conservador, o União Democrata Cristão, a líder declarou que os imigrantes têm que aprender o alemão. Na prática, o governo procura viabilizar aulas do idioma nativo para os estrangeiros. O cientista político Sérgio Costa afirma que a segregação é, exatamente, a principal causa da tensão existente entre os grupos:

– Funciona como uma espiral de rejeição mútua. Imigrantes são discriminados, se isolam, e jovens imigrantes passam a usar da violência como forma de se afirmar como sujeitos. Dessa forma, são mais discriminados, o que leva a mais isolamento, mais violência e mais discriminação – afirmou. – Se a sociedade os discrimina, eles se fecham em seus próprios grupos. Se os incorpora e integra, eles se abrem. Na verdade, eles só querem concretizar seus objetivos e se adaptarem às condições da sociedade – concluiu Costa.

Depois do lançamento do livro, o debate sobre a integração dos estrangeiros no país ganhou força. Com o sucesso de vendas, os partidos reconheceram que os políticos não estiveram atentos à baixa integração do grupo. Além disso, líderes mulçumanos começaram a se posicionar publicamente e aumentou a participação do segmento em artigos na imprensa e em talk shows. Para o professor Sérgio Costa, o fato foi importante para evidenciar a individualidade do grupo:

– A reação mais comum dos muçulmanos tem sido a de entrar no debate e mostrar que as tentativas de estigmatizá-los e estereotipá-los não vão ter êxito. Mostram que não existe o muçulmano, e sim que são tão diversos quanto qualquer outro grupo da população – contou.

O Deutschland schafft sich ab, título original do livro polêmico, entretanto, não foi lançado com o intuito de ajudar na integração dos imigrantes. Muito pelo contrário. O livro procura evidenciar, segundo o autor, um dano que a imigração no país vem causando: a destruição da "cultura alemã pura". Contudo, segundo a antropóloga e professora da PUC-Rio Sônia Travassos, não existe uma cultura pura, pois sempre há a influência de outras sociedades.

Divulgação – Desde que mundo é mundo as sociedades influenciam umas às outras e, portanto, não há uma cultura pura. Mesmo que não haja consciência, sempre elementos de um lugar, como linguagens ou apenas modismos, são tomados de empréstimos por outros – explicou.

A professora aponta que essas mudanças são vistas, pela sociedade, como uma “contaminação” e podem fazer com que a sociedade sinta que sua cultura está se degenerando. Entretanto, os sentimentos de xenofobia se dão em maior medida durante crises econômicas.

– Quando certos grupos se dão conta de que há influências externas, costuma haver reação. Uma coisa que já se percebeu em vários estudos é que, em geral, essas reações são concomitantes a momentos em que a economia do país vai mal. Quando a economia do país melhora, essas reações contrárias aos estrangeiros diminui bastante, por causa da utilização dessas pessoas como mão de obra para os serviços de mais baixo status social da sociedade e com menor remuneração – lembrou Sônia.

De fato, a Alemanha não passa por seu melhor momento na história. No ano passado, o Produto Interno Bruto (PIB) caiu 5% como reflexo da crise, mas as projeções são de recuperação para os próximos anos. Em entrevista à revista Dow Jones, Helger Berguer, especialista em Alemanha do Fundo Monetário Internacional, prevê uma recuperação econômica, mas em ritmo comedido, nos próximos dois anos.

Sobre o futuro de uma nova Alemanha mestiça, o sociólogo alemão Heiner Ganssamann, que também falou ao Portal por email, não vê problemas:

– A minha reação instintiva é: alguém, como Sarrazin, diz que a Alemanha está se abolindo. Poderia fazer uma simples questão: onde está o drama? Nós, simplesmente, vamos ter um novo tipo de sociedade. O que devemos é lidar com os problemas que emergem. Nostalgia sobre uma cultura gloriosa do passado certamente não ajuda – afirmou.