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Rio de Janeiro, 28 de abril de 2024


Mundo

Oposição resurge na Venezuela

Clarice Machado - Da sala de aula

21/10/2010

As últimas eleições legislativas na Venezuela, realizadas no dia 26 de setembro, foram marcadas pelo êxito dos partidos de oposição, depois de cinco anos de afastamento do pleito. Com índice de participação de 70%, a população esteve com o futuro nas mãos ao decidir os novos integrantes do Parlamento. O voto popular confirmou a expectativa da oposição de retorno ao jogo político nacional.

O resultado do pleito se tornou uma ameaça ao poder do presidente Hugo Chávez. Sem a maioria absoluta na Assembleia Nacional, com a qual governava desde 2005, Chávez sofreu um duro golpe, já que a partir de agora, será obrigado a frear o projeto bolivariano e a negociar com a bancada opositora a aprovação das leis orgânicas. Embora tenha garantido a maioria simples no Congresso, o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), do presidente Chávez, não obteve os dois terços de deputados necessários para a aprovação de tais leis.

Entenda o que são as Leis Orgânicas

As leis orgânicas têm impacto nacional e estão vinculadas a normas previstas na Constituição venezuelana. No ano passado, o chavismo aprovou a de Processos Eleitorais que beneficiou os candidatos do PSUV neste pleito. Essa nova determinação fazia que em alguns estados, onde o partido governista domina, fossem necessários 20 mil votos para eleger um deputado contra 200 mil em regiões onde a oposição é mais forte. Outro exemplo é a Lei sobre Delitos Midiáticos, que trata dos meios de comunicação nacionais e da liberdade de expressão. 

Há cinco anos a oposição não participava das eleições, e o retorno foi um marco na conquista histórica de mais de um terço das cadeiras na Assembleia Nacional. No total foram eleitos 98 deputados pró-governo, 65 de oposição, e dois do Pátria Para Todos (PPT), partido de dissidência do PSUV. Ambos os deputados do PPT devem ser persuadidos pelos dois lados, uma vez que a oposição precisa de 67 deputados para impedir que o presidente governe por decreto.

A previsão do MUD (que engloba o partido Podemos, outras 21 legendas e movimentos cujo objetivo é fazer frente ao poderoso PSUV) finalmente se confirmou. A deputada María Corina Machado, por exemplo, foi eleita com votação recorde da eleição com mais de 235 mil votos.

Entretnto, o avanço no jogo democrático, com o reingresso da oposição nas eleições, ainda é tímido. A apuração dos votos foi alvo de críticas dos partidos contrários ao governo. Houve polêmica na longa espera quanto à divulgação dos resultados pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE). Os primeiros números da votação só foram divulgados às 03h38min, oito horas após o fechamento das urnas. Em meio à tensão e nervosismo, o partido chavista e grande parte da população aguardavam o presidente em frente ao Palácio de Miraflores, em Caracas. Quando finalmente apareceu, Chávez afirmou: “As eleições foram uma importante vitória para a revolução socialista do país, apesar de a oposição dizer o contrário”.

Segundo pesquisador, especialista em América Latina, Joel Hirst, do Council on Foreign Relations (CFR), instituto independente de relações exteriores em Washington, “está mais do que na hora de o governo venezuelano começar a cooperar com a oposição.” Dessa forma, de acordo com o especialista, os altos índices de criminalidade, especialmente a taxa de homicídios, e de inflação poderão ser solucionados.

– Isso só pode ser feito com o abrandamento da retórica ao lado do governo, e a vontade da liderança da oposição recém-eleita para cooperar com a liderança nas taxas que afetam a vida da população que está visivelmente frustrada – apontou Hirst.

Para o especialista, daqui para frente, Chávez deverá enfrentar decisões difíceis:

– O presidente poderia tentar uma aproximação mais fácil para a sua frequente retórica, na tentativa de construir coalizões governamentais com os novos representantes da MUD, um dos partidos da oposição. Por outro lado, o presidente poderia tentar minar a Assembleia recém-eleita, passando pelas outras leis nos próximos três meses, enquanto cria uma atmosfera de conflito quando os opositores tomarem posse no início de 2011 – afirmou.

Para Joel Hirst, a conquista da oposiação deve dificultar uma possível tentativa de reeleição de Chávez nas eleições de 2012, que é baseada no voto popular.

– Visando às próximas eleições presidenciais, Chávez e seu partido agora representam a minoria, apesar do aparelho estatal, os donativos de milhares de eletrodomésticos e a erradicação da fome nos últimos dias de campanha – escreveu em um artigo publicado no site do CFR.

O resultado das eleições parlamentares inaugura uma nova fase na política do país. Nos próximos três meses, a base governista terá a possibilidade de acelerar a aprovação de reformas, desfrutando do poder quase total que o PSUV detém no Congresso Nacional. O chefe de campanha do partido chavista aconselhou a população a “impulsionar aceleradamente o processo de mudanças”.