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Rio de Janeiro, 27 de abril de 2024


Mundo

Quatro são indiciados no Camboja por genocídio

Flavia Hasselmann - Da sala de aula

21/10/2010

Breve Histórico:

1949-52: Pol Pot estuda em Paris e conhece a ideologia comunista.

1953: Camboja conquista independência da França. Pol Pot funda o Partido Comunista.

1960-63: Pol Pot se esconde na floresta, fugindo da perseguição do príncipe Norodom Sihanouk.

1967-70: Khmer Vermelho se arma contra aumento de imposto do governo sobre arroz. Exército derrota guerrilha.

1970: Golpe de extrema-direita, pró EUA no Vietnã, derruba governo.

1975: Khmer Vermelho toma o poder, com discurso de união nacional e igualdade social, apoiado da população.

1976: País passa a se chamar Kampuchea Democrática.

1978: Vietnã invade o Camboja para conter ataques do Khmer Vermelho nas suas fronteiras.

1979: Vietnã toma Phnom Penh e Khmer Vermelho foge para floresta, na fronteira com a Tailândia. Partido pró-Vietnã assume o poder.

1985: Guerra civil continua; Comunidade internacional não reconhece o governo. Milhares de cambojanos se tornam refugiados.

1989: Forças vietnamitas deixam o país que passa a se chamar Camboja.

1991: Primeiro acordo de paz assinado por todas as facções, em Paris. Sihanouk compartilha o poder com autoridade transitória da ONU.

1998: Pol Pot morre.

2007: Cinco líderes do Khmer Rouge são detidos.

2010: Duch é condenado a 30 anos de prisão, pela morte de 14 mil pessoas.

2011: Quatro líderes do regime serão julgados por genocídio e crimes contra a humanidade.

Câmaras Extraordinárias dos Tribunais do Camboja (CETC) indiciaram, no último dia 16 de setembro, quatro líderes sobreviventes do regime Khmer Vermelho, sob acusações de genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade. As acusações vieram quase 31 anos depois do massacre de Pol Pot que deixou mais de 1,7 milhão de mortos.  

Os réus são o ex-presidente Khieu Samphan (78), o segundo no comando do regime, Nuon Chea (84), o ex-ministro de Relações Exteriores Ieng Sary (84) e sua mulher, Ieng Thirith (78), ex-ministra da Assistência Social. Os quatro estiveram à frente do regime que controlou o Camboja durante os anos 1975-1979. Presos desde 2007, os acusados agora esperam o julgamento, previsto para o início de 2011.

Diferente dos Tribunais Internacionais de Ruanda e da antiga Iugoslávia, as CETC são cortes mistas que combinam os sistemas jurídicos cambojano e internacional, com apoio da Organização das Nações Unidas (ONU). Dando início aos julgamentos do genocídio, as cortes condenaram, em julho deste ano, Kaing Guek Eav a 30 anos de prisão. Duch, como era conhecido, controlou o centro de torturas de Tol Sleng, onde morreram aproximadamente 14 mil pessoas.

A composição das CETC tem sido assunto de discussão entre analistas da área. Por se basear em grande parte no sistema jurídico cambojano, argumenta-se que os tribunais carecem da imparcialidade necessária para julgar casos complexos como esses. A existência de ex-membros do Khmer Vermelho no atual governo apontam para possibilidade de influência política no processo judicial. Outra questão levantada por especialistas se refere à limitação de responsabilizar apenas cinco pessoas pela morte de quase 20% da população cambojana, nos anos do regime. 

Kartick Kumar, fundador e diretor do grupo de pesquisas sobre o genocídio no Camboja (Cambodia Genocide Group), acredita que o julgamento pode ser catártico para o país que até hoje tenta se reconstruir.

– Por anos e, particularmente, para uma geração de cambojanos, esses líderes representam o genocídio. Então, apesar de eu não considerar o julgamento dos quatro suficiente, eu admito que seja uma forma de justiça. Cambojanos precisam ver que a lei existe e que ninguém está a cima dela. O julgamento do Khmer Vermelho é uma excelente oportunidade para mostrar ao país que a justiça será feita – afirmou Kumar.

Em relatório apresentado ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, o professor Surya Subedi, da Universidade de Leeds, na Inglaterra, e enviado especial ao Camboja, reportou que o sistema jurídico cambojano precisa de reformas. Os advogados e juízes não têm suas funções definidas ou protegidas por leis explícitas, o que abre espaço para corrupção.

– Existe muita expectativa de que os Tribunais sirvam de ‘corte modelo’ para o Camboja. Para que as boas práticas jurídicas sejam compartilhadas com todo o sistema jurídico do país, ajudando assim a melhorar gradualmente sua qualidade – argumentou o Professor Subedi.

Durante o regime do Khmer Vermelho, o judiciário foi sistematicamente desarticulado. A maioria dos juízes e advogados foi morta e os livros de Direito, queimados. A ideologia principal do governo era baseada em uma ampla reforma que transformaria o Camboja num país fundamentalmente agrário. Intelectuais foram perseguidos e levados a campos de trabalhos forçados, onde eram explorados e sujeitos a longos períodos de fome. Vítimas de doenças, crianças e idosos não tinham acesso a tratamento médico. Mesmo cambojanos que viviam no exterior foram chamados de volta ao país, para serem assassinados. Estima-se que, durante o regime, entre 1,7 e 2,2 milhões de cambojanos foram mortos.

O idealizador do regime, Saloth Sar, conhecido como Pol Pot, conheceu o Comunismo em Paris, onde estudou  no início da década de 1950. Após a independência da França, de volta ao Camboja, Pol Pot fundou o Partido Comunista, e lutou contra forças políticas de direita no país até o Khmer Vermelho tomar o poder em 1975. Em 1998, ele morreu em Amlong Veng, antiga base do partido, no noroeste do Camboja.

O Camboja vive hoje sob constante observação da comunidade internacional. Além da ONU, outras organizações supra-estatais estão presentes em território nacional para fiscalizar o cumprimento da legislação internacional de direitos humanos e divulgar ao mundo o que acontece no país, como a Anistia Internacional, por exemplo.

– Em muitos aspectos, o Camboja é um país muito novo que está renascendo das cinzas de um genocídio. Esse novo capítulo que se inicia com os julgamentos tem a habilidade de definir o país e guiar seu caminho na tentativa de construir uma democracia moderna e funcional, numa região que não teve uma história muito positiva nesse sentido – concluiu Kumar.

Medidas contra corrupção estão sendo tomadas. Na semana passada, o líder da oposição, no exílio, Sam Rainsy, foi condenado a dez anos de prisão, sob acusações de alterar documentos públicos. Além disso, nessa semana, Camboja e Tailândia se reúnem para discutir a posse de terras nas suas fronteiras, que já vem sendo disputadas há anos.