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Rio de Janeiro, 20 de abril de 2024


País

Constitucionalistas avaliam papel da Justiça nas eleições

Fernanda Miranda e Thaís Chaves - Do Portal

08/10/2010

 Arte: Stéphanie Saramago

Quatro dias antes do primeiro turno das eleições 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu arquivar o recurso da aplicação da Ficha Limpa feita pelo ex-candidato a governador do Distrito Federal Joaquim Roriz (PSC-DF). A lei, de iniciativa popular, não permite, entre outras coisas, a elegibilidade de candidatos com "ficha suja", ou seja, condenados por tribunais colegiados. Segundo o STF, o fato de Roriz ter renunciado à candidatura, colocando sua esposa como candidata, fez o recurso perder o sentido.

Além disso, outros fatos jurídicos importantes marcaram o pleito do primeiro turno: a decisão de última hora de alterar a documentação necessária para o cidadão votar e as multas recebidas pelo presidente Lula por fazer propaganda para a candidata do Partido dos Trabalhadores (PT), Dilma Rousseff, antes do tempo devido.

O PT, que havia apoiado a decisão que tornou necessária para o voto a apresentação do título de eleitor e de um documento oficial com foto, voltou atrás com menos de uma semana das eleições. Entrou com um recurso no STF que julgou o caso procedente. Com isso, ficou decidido que seria exigido somente o documento com foto.

O Portal PUC-Rio Digital conversou com professores do Departamento de Direito especializados em direito constitucional para saber como eles avaliam a atuação da Justiça brasileira nas eleições. Para o professor Adolfo Borges, a Lei Ficha Limpa, por exemplo, está de acordo com os princípios constitucionais e não fere o princípio da anterioridade ou da anualidade, previsto no artigo 16° da Constituição Federal, que afirma: “A lei que venha a alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, mas não se aplicará à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.

– A Lei da Ficha Limpa não alterou o processo eleitoral. O que ela fez foi estabelecer condições de inelegibilidade, levando em consideração a vida pregressa dos candidatos – afirmou.

Arquivo Pessoal  Entretanto, conforme esclareceu o professor, por força do denominado efeito suspensivo (suspensão dos efeitos da decisão de um juiz ou tribunal, até que o tribunal tome a decisão final sobre um recurso), muitos candidatos “ficha suja” conseguiram se manter na disputa e aqueles que venceram a eleição tomarão posse e permanecerão no cargo até que seus recursos alcancem a última instância do Poder Judiciário. Estima-se que até agosto de 2010 quase 500 recursos esperavam na fila para serem julgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Após a decisão do TSE, o candidato ainda pode recorrer ao STF.

O professor acrescentou que a insegurança jurídica, causada pela indecisão do STF, no julgamento realizado em 23 de setembro, sobre o caso Roriz, está relacionada à força midiática que uma decisão da mais alta corte provoca na sociedade brasileira. O caso, segundo Adolfo Borges, seria uma espécie de julgamento final da Lei Ficha Limpa. Na ocasião, o STF ficou dividido em cinco votos a favor e cinco contra a implementação imediata da lei. Essa situação, de acordo com o professor, acaba favorecendo a impunidade de candidatos considerados inelegíveis pela nova lei.

Na opinião do professor Adriano Pilatti, diretor do Departamento de Direito da PUC-Rio, a indefinição do STF com relação à Lei Ficha Limpa foi "lamentável".

– A candidatura de Roriz é a que mais simbolizava os vícios que a nova lei combateu – ressaltou.

Segundo o professor, tanto no conteúdo quanto na forma a lei é constitucional e não contém "mácula ou vício". Conforme acrescentou, a lei instrumentaliza na esfera eleitoral o chamado princípio da supremacia do interesse público. Nesse princípio, o interesse da coletividade se sobrepõe sobre o particular, sempre que houver confronto de interesses.

 Stéphanie Saramago Conforme acrescentou Adriano Pilatti, a lei é um instrumento necessário para garantir o cumprimento da Constituição, no que se refere à salva guarda do princípio republicano, da moralidade e da impessoalidade de administração pública, que evita favoritismo ou privilégios.

– É a lei que instrumentaliza na esfera eleitoral o chamado princípio da supremacia do interesse público, intencionado em garantir que aqueles que disputam a confiança da população reúnam as condições de probidade e integridade necessárias – argumentou.

No entanto, para o professor José Ribas Vieira, a lei é fragilmente constitucional. Segundo ele, o princípio da retroatividade, que consiste na aplicação da lei nova com relação a fatos anteriores a sua vigência, não está muito bem esclarecido.

– Existem muitos argumentos a favor e muitos contra a lei. A questão é polêmica – concluiu.

Para o professor Adolfo Borges, a iniciativa da exigência somente de um documento com foto para votar foi positiva, no sentido de que uma identificação mais nítida do eleitor contribui para a lisura da própria votação. Segundo ele, o passo seguinte será obviamente a reformulação do próprio título de eleitor para que o documento passe a conter foto. Entretanto, o professor disse também que a decisão foi tomada muito em cima das eleições.

– É uma atitude que poderíamos dizer confusa porque acaba levando o cidadão a acreditar, sim, na fortíssima e indevida intromissão do poder político na Justiça – ressaltou.

Em relação às multas aplicadas ao presidente por campanha antecipada, Adolfo Borges acredita que as "reações irônicas" de Lula não foram "saudáveis" para a democracia, que pressupõe um respeito em relação à independência dos Poderes. Segundo ele, com as atitudes do presidente, o cidadão acaba se convencendo de que "quem manda" no país é o Poder Executivo.

 – Abre-se, com isso, uma brecha muito perigosa para o descrédito das instituições encarregadas de fazer Justiça, e quando falo em Justiça estou englobando Ministério Público, Poder Judiciário e a própria Advocacia Geral da União que, em conjunto, estão incumbidas de fazer prevalecer a ética em todos os setores da vida pública – afirmou.  Jornal da PUC    

Conforme disse o professor, o Tribunal Superior Eleitoral, quando votou, de forma independente, a validade da "ficha limpa" para estas eleições deu exemplo do verdadeiro papel que o Poder Judiciário deve exercer num país democrático que é o de guardião da ética.

− Teremos de reexaminar quais são os mecanismos mais efetivos para o controle da campanha eleitoral – acrescentou o professor José Ribas Vieira (foto ao lado).