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Rio de Janeiro, 26 de abril de 2024


País

Quando a reclusão abriu uma fresta à fé na democracia

Evandro Lima Rodrigues - Do Portal

04/10/2010

 Mauro Pimentel

Ela mobiliza o país, com participação popular superior ao réveillon e ao carnaval. Sua pluralidade sagrada acolhe desde o jovem calouro até o veterano que, mesmo dispensado, encara a chuva e a fila para votar. A fé democrática é capaz até de remover rotinas de reclusão. Entre os mais de 130 milhões de devotos das urnas neste 3 de outubro, estavam as 25 enclausuradas do Convento das Irmãs Pobres de Santa Clara, na Gávea. Elas saem só em dois casos: necessidade médica e eleições. A reportagem do Portal PUC-Rio Digital acompanhou uma dessas concessões, abençoada pelo espírito cívico.

– O ato cívico é a demonstração de maturidade do país – lembrou o reitor da PUC-Rio, padre Josafá Siqueira, SJ., que votou logo cedo, às 8h30, em uma das 10 seções instaladas na universidade. O campus recebeu 4,5 mil dos 17,6 mil eleitores do bairro.

 Mauro Pimentel

As irmãs do convento vizinho, há 82 anos na Gávea, também acordaram cedo naquele dia especial. Depois das primeiras orações, pouco depois das cinco da manhã, as 25 enclausuradas prepararam-se para o raro contato com o mundo externo. Só três delas têm acesso aos visitantes no convento. As outras vivem em inteira reclusão, pelo voto à Ordem Franciscana.

Movidas por outro tipo de voto, elas começariam a abrir a concessão às 8h30, quando o primeiro grupo sairia para votar. Nele estava a irmã Terezinha de Maria, uma de três religiosas que não vivem em claustro total. Ela contou que a mudança na rotina as dividiu. Enquanto uma parte caminhava até as urnas, outra permanecia orando. Até as preces reproduziam a esperança democrática:

 Mauro Pimentel

– Pedimos pela pátria, para que todos os eleitores tenham consciência do seu voto – confidenciou a irmã Terezinha.

A madre Maria Pacífica de Jesus integrou o grupo das 11h, que saiu às urnas depois da tradicional missa de domingo. Para compensar as horas dedicadas ao compromisso eleitoral, o tempo de oração foi estendido.  

Discretas, passos comedidos, as religiosas ganharam a calçada com a simplicidade franciscana. Nenhuma palavra ou gesto a sinalizar a expectativa com a rápida jornada fora do claustro. Mesmo silenciosas, representavam a extensão da fé na democracia.    

Espírito democrático agrega eleitores na PUC-Rio

Para outros eleitores, as urnas significaram a mudança na rotina profissional. Por conta da votação no Engenho de Dentro, Renato Barbosa, agente de patrimônio da PUC-Rio, teve de adiar em duas horas o começo do expediente, às 6h. Já Joelmar Zacarias, uma das responsáveis pela limpeza do prédio do IAG, onde se concentravanm as seções da PUC, teve de justificar o voto. 

A estudante de geografia Elaine Tinoco também precisou justificá-lo. Decidiu não viajar até Campos, onde vota, pela aproximação do período de provas.

 Mauro Pimentel

Cearense de Bacuja, Domingos Furtado mora há sete anos no Rio mas ainda permanece com o título da cidade natal. Analfabeto funcional, sua maior dificuldade foi preencher o canhoto da justificativa.

A dona de casa Solange Furtado também recruta o espírito democrático para superar algumas dificuldades. Ela levou pouco mais de 40 minutos para ir de Anchieta, onde mora, até a seção eleitoral na PUC-Rio. Grávida de 6 meses, contou que havia transferido o título para a Gávea, porque trabalhava no bairro. Não pensa em transferi-lo novamente. Para amenizar o esforço, espera um método mais moderno de votação, como por celular.

Votação, pretexto para rever amigos

 Mauro Pimentel Para alguns eleitores, a festa democrática transforma-se efetivamente numa confraternização. Um pretexto para rever os amigos. Como os que se reúnem, em toda eleição, no bar Informal, na Marquês de São Vicente. O encontro começou quando a rua ainda tinha trilho de bonde, há mais de 50 anos. Segundo Jane Dias, o dia da eleição era a oportunidade para unir dois lados opostos da rua. A classe média juntava-se ao grupo do Parque Proletariado da Gávea, uma comunidade ocupava o espaço do atual estacionamento da PUC. No local, lembrou Jane, viviam as famílias de operários das fábricas da região.

– Era uma espécie de favela, mas sem essa violência que vemos hoje. Não havia preconceito de classes – recorda.

Jane mudou-se para Vila Isabel, mas manteve na Gávea a votação – e a reunião com os amigos.  Como Carlos Agra, "socialista por convicção", morador do bairro há 77 anos. Segundo ele, o encontro mobilizava mais de 40 pessoas: "Fazíamos uma grande festa".

Reencontro com a universidade

Aos 87 anos, Eberth Chamoun teve um outro tipo de reencontro. Professor titular de direito civil na PUC-Rio durante 60 anos, ele volta à universidade a cada votação. Às lembranças proporcionadas pelo compromisso cívico, soma-se a inspiração que traz para os jovens eleitores, como Alan Eisember, de 16 anos, estreante nas urnas. 

No segundo ano como mesário, o também estudante Bernardo Ciarlini tentava encontrar inspiração para não tranformar o dever num "aborrecimento". Às voltas com a impaciência de eleitores na fila, ele preocupava-se também com a coincidência com o período de provas.  Mauro Pimentel

– Deveria estar estudando, mas estou aqui – resignava-se o estudante – Um professor que votava na seção até me perguntou se estava preparado para prova. 

Apesar dos incovenientes, o estudante diz que se divertir com a experiência. Prevaleceu também o senso de utilidade: "Eu me senti responsável", comentou ele, enquanto torcia pelo término da fila.

Confira na seção fotojornalismo, ensaio fotográfico sobre o domingo de eleição.