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Rio de Janeiro, 26 de abril de 2024


País

Obrigatoriedade do voto divide comunidade acadêmica

Bruno Alfano - Do Portal

01/10/2010

 Arte

Neste domingo (03/10), 130 milhões de brasileiros têm o dever de votar. A lei do país obriga que todo o eleitor de mais de 18 anos e menos de 70 participe do pleito. Entretanto, o voto obrigatório está longe de ser unanimidade. Em pesquisa publicada pelo Datafolha, em maio deste ano, 48% declararam ser contra a obrigatoriedade, e outros 48%, a favor. O Portal PUC-Rio Digital constatou a polêmica na comunidade PUC: de 65 eleitores ouvidos, 55% se mostraram contra o voto obrigatório, enquanto 45% disseram ser favoráveis.

Uma das questões mais discutidas no debate é o efeito pedagógico da obrigatoriedade. De acordo com o professor do Departamento de Comunicação Social e cientista político César Romero, a obrigação eleva a consciência política da população:

– Ainda temos uma democracia incipiente no Brasil. A eleição é uma forma de levar informação sobre a importância do processo eleitoral à população menos escolarizada – afirmou.

 Mauro Pimentel Para o professor Romero, em uma eventual mudança da norma, o país correria o risco de ter eleições não legitimadas pela maioria da população. Segundo ele, o processo eleitoral poderia vir a ser dominado por grupos – como partidos políticos, igrejas ou sindicatos – que, por fanatismo dos seguidores, tenham um alto poder de mobilização a favor de um determinado candidato e, assim, manipular o resultado.

– Imagine se no Irã o voto for facultativo: os aiatolás arrastariam os radicais islâmicos às urnas, em detrimento do grande eleitorado que poderia não votar por alguma razão qualquer. 

Voto obrigatório

"O processo de votação se tornaria mais democrático com o voto facultativo."
Santuza Cambraia, professora

"Tem que ser obrigatório porque votar é um conceito que está incluído no exercício da cidadania."
Pedricto Rochado, professor

"O ato de votar pode ajudar no processo de conscientização política, mesmo que este seja longo e vagaroso."
Paulo Cesar Greenhalgh, professor

"Acho a obrigatoriedade um ranço da ditadura. A pessoa tem que ter o direito de não querer votar."
Affonso Fernandes, professor

"Sou a favor porque o processo eleitoral fica mais homogêneo com a participação de todos os seguimentos da sociedade."
Pércio Farías, professor

"Eu sou contra a obrigatoriedade do voto. O voto é um direito e não um dever."
Ângela Paiva, professora

"A obrigatoriedade estimula a consciência e, por isso, tem que continuar."
Jéssica Rodrigues, estudante

"Sou contra. A obrigatoriedade aumenta a compra de votos."
Daniela Bruno, estudante

"Voto é uma expressão de consciência, se eu não quiser votar, não deveria ser obrigado a fazer."
Leonardo Rodrigues, estudante

A professora Beatriz Bisso, do Departamento de História da PUC-Rio, concorda. Para ela, o voto obrigatório é uma necessidade no país, pois, segundo Bisso, fazer escolhas no pleito contribui para desenvolver a consciência do cidadão:

– Falta um maior engajamento da sociedade na vida política no Brasil de hoje. O voto é elemento chave no desenvolvimento da formação dos conceitos essenciais ao exercício da cidadania – disse a professora.

Com a mesma preocupação, o professor Paulo Durán, do Departamento de Sociologia e Política da PUC-Rio, é contra a obrigatoriedade, mas tem uma posição, segundo ele, “ponderada”. Para Durán, o ato de votar é uma “liberdade política” e, se ocorrer, a mudança da norma deveria ser feita após uma discussão que “demanda tempo e maturação”:

– Se o fim da obrigatoriedade não for tomado com cautela, não surtirá efeito de fazer a nossa uma democracia onde os cidadãos sejam conscientizados e socializados politicamente – analisou.

Por outro lado, a professora Maria Celina D’Araújo, do Departamento de Sociologia e Política, acredita que o argumento de que o brasileiro não tem cultura cívica suficiente para decidir sobre o ato de votar infantiliza a sociedade. Para ela, a classe política teme o fim do voto obrigatório.

– A classe política é contra o voto voluntário, pois teme que apenas os mais educados votem. Com isso, o voto de clientela perderia força e deixaria de eleger uma série de candidatos que fazem a política assistencialista, muitas vezes, com dinheiro público – opinou Celina.

Acreditando na consciência do brasileiro, o jornalista e professor André Trigueiro, do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio, também defende um amplo debate sobre o assunto, mas, na opinião de Trigueiro, o fim da discussão deveria culminar em um plebiscito e, assim, ser decidida a questão:

– Gostaria que tivesse um fecundo debate nacional mobilizando diferentes setores da sociedade e, a partir disso, uma posição construída coletivamente – afirmou.

Na opinião do professor José Ribas Vieira, do Departamento de Direito, a obrigatoriedade é mais uma forma de proteção do voto.

– Pelas condições de uma sociedade desigual, em matérias de informação, inclusive, eu temo que o poder econômico e os meios de comunicação possam desmotivar a população a comparecer à votação caso o voto se torne facultativo – disse.

O professor Miguel Pereira do Departamento de Comunicação Social invoca outro pilar da democracia para defender o voto obrigatório: a participação de todos na escolha dos representantes.

– Vivemos em sociedade e todos somos responsáveis pelo que nela ocorre. Não votar significa não querer participar do espaço público e comum. É uma atitude individualista e sem olhar para o outro como igual. É quase como dizer: os outros que se lixem.

Apenas 30 países do mundo obrigam o voto

Ao redor do mundo, o tema não deixa de ser polêmico. Atualmente, 30 países optam pela obrigatoriedade. A América do Sul se notabiliza pela grande quantidade de adeptos do voto obrigatório, como, por exemplo, ocorre na Argentina, no Chile, no Equador e no Uruguai. Na Europa, apenas Bélgica, Luxemburgo e Grécia obrigam a participação nos pleitos. Em Portugal, o voto é facultativo, mas o país hoje discute torná-lo obrigatório em função dos baixos índices de participação. A abstenção nas últimas eleições portuguesas tem girado em torno de 60%.

A possibilidade de abstenção maciça é uma das preocupações dos estudantes da PUC sobre o tema. Luiz Eduardo Santos, de 20 anos, aluno de desenho industrial, acredita que a participação popular está condicionada à obrigatoriedade.

– Sem obrigatoriedade, ninguém votaria – afirmou.

 Isabela Sued Membro do Diretório Central dos Estudantes da universidade, Carolina Peterli (foto), 22 anos, aluna de relações internacionais, também é a favor, pois, acredita no poder pedagógico do voto.

– Pelo menos, assim, de dois em dois anos, a sociedade para e pensa – disse Carolina.

Entre os que são contra, muitos afirmam que a liberdade está acima de tudo. Lacy Lemos, secretária do Vice-Reitor Comunitário Augusto Sampaio, acredita que votar deve ser um direito e não um dever.

– A gente tem que ter o direito de querer votar. Por isso vou votar nulo – protestou.   

O funcionário da prefeitura do campus Antonio Carlos Anchieta, de 60 anos, também acredita que o cidadão não pode ser obrigado a fazer nada que ele não quiser. Com bom humor, defende sua posição:

 – Ninguém deve fazer nada que é obrigado: você beija uma mulher que não quer? – resumiu.