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Rio de Janeiro, 19 de abril de 2024


País

Candidato-celebridade: problema do legislativo

Carina Bacelar - Do Portal

17/12/2010

ALERJ/DivulgaçãoEnquanto 78% dos brasileiros classificam o governo do presidente Lula como ótimo ou bom, só 14% avaliam da mesma forma o desempenho do Congresso, revela pesquisa do Datafolha. Em que pese a igualdade constitucional entre Executivo, Legislativo e Judiciário – uma das bases democráticas – o cidadão percebe um certo desequlíbrio entre essas forças, avaliam os sociólogos e professores Ricardo Ismael e Paulo D’Ávila, do Departamento de Sociologia e Política da PUC-Rio. Ismael acredita que a percepção de um Legislativo submisso decorra da "hipertrofia do Executivo" – circunstância supostamente favorável à troca de favores nas esferas de poder. Para D’Ávila, a visão negativa que a população tem das atividades parlamentares é, em parte, motivada por "construções midiáticas".

Na avaliação de Ismael, grande parte dos 39% de brasileiros que consideram a atuação do Congresso “ruim ou péssima” desconhece as funções de deputado, vereador ou senador: fiscalizar o Executivo; decidir sobre orçamentos; propor e votar leis. Esse desconhecimento, observa o professor, reflete-se em maior dificuldade de escolha nas urnas, ou em escolhas desalinhadas com os compromissos democráticos.

– É mais fácil acompanhar o processo eleitoral para governador e presidente, pois há menos candidatos. Também é mais fácil acompanhar a rotina do Executivo. A do Legislativo, na maioria das vezes, passa longe das câmeras – observa.

A dois dias das eleições, a estudante de psicologia Luiza Müller admite que, "como muita gente, ainda não escolheu seus representantes nem para o Congresso nem para a Assembléia estadual". Nas eleições de 2008, ela lembra em quem votou para prefeito, mas não para vereador:

– Tenho uma ideia, mas ainda não sei ao certo quem escolher. Eu conheço o histórico de alguns dos candidatos, e é neles que estou pensando em votar. 

Já Luiz Felipe Lazaroni, estudante de relações internacionais, garante ter uma "boa noção" das tarefas de um deputado ou senador. Ele também deixou a escolha dos canditados para a reta final. A exemplo de Luiza, ele considera a biografia uma apecto essencial para decidir em que parlamentares irá votar.  

– Costumo levar em conta o histórico do candidato, especialmente sua atuação na política. Também é importante avaliar as propostas – acrescenta o jovem.

No caso dos votos para cargos parlamentares, as decisões de última hora predominam, afirma Ismael. Até porque é mais "trabalhoso" escolher um candidato a deputado ou a senador do que a presidente ou a governador:

 – Os candidatos ao Senado e à Câmara têm pouco tempo no horário eleitoral televisionado. E são muitos, se compararmos aos que disputam cargos executivos. Isso exige uma pesquisa maior por parte do eleitor sobre a trajetória e as propostas dos aspirantes a cadeiras parlamentares.

Aqueles com mais tempo na TV ganham mais reconhecimento. A lógica aplica-se aos “candidatos-celebridade”, fenômeno antigo na política. Em 2010, três deles lideram as pesquisas de intenção de voto em seus estados: o comediante Tiririca (PR), em São Paulo; o ex-jogador Romário (PSB), no Rio de Janeiro; e o apresentador Netinho (PC do B). O diretor do Departamento de Sociologia e Política acredita que candidatos como esses não entram no jogo eleitoral por acaso. Na maioria das vezes, o convite parte de grandes partidos, de olho na fama que pode impulsionar votos e eleger uma grande bancada dentro de suas coligações. O PT, por exemplo, faz parte da coligação de Tiririca. O PSDB incorpora a de Romário; e o PC do B, a de Netinho.

– A presença desses candidatos é fruto de uma atitude oportunista dos partidos. Nesses casos, não há identificação ideológica – ressalta o analista.

Por que, então, o brasileiro elegeria esses candidatos egressos de “saladas ideológicas?” Para Paulo D’ávila, a explicação está, em parte, na mídia, que "vende uma imagem de que os políticos são todos iguais".

 – Com tudo tão indiferenciado, vota-se naquilo que tem mais destaque – explica D’ávila.

Segundo as pesquisas, Tiririca deverá consagrar-se no próximo domingo como um dos deputados federais mais votados do estado de São Paulo. Na opinião de Ismael, o caso representa a falta de infomação dos eleitores que “pensam estar protestando contra os maus políticos” ao escolherem um candidato apolítico como o comediante e apresentador – dono de uma das mais bem estruturadas campanhas de 2010, na avaliação do especialista.

– O Tiririca tem muito tempo na TV e uma boa estratégia de marketing, e expressa a insatisfação pela classe política. Representa, para grande parte da população, um voto de protesto. O problema é a desinformação de muitos. Se alguém quer protestar, que anule o voto – diz Ismael.

Tal insatisfação decorreria, principalmente, de desvios constantemente associados ao Legislativo – que não raramente turvam seu papel essencial à democracia e os esforços de parlamentares em cumpri-lo. Na Assembléia Legislativa do Estado do Rio (Alerj), por exemplo, 37 dos 70 deputados respondem a processos criminais nas esferas federal, estadual, municipal ou eleitoral, segundo reportagem publicada pelo jornal O Globo. Metade das infrações refere-se a irregularidades na prestação de contas, abuso do poder econômico e infidelidade partidária. 

Outros comportamentos, embora nada tenham de ilegal, reforçam a percepção negativa de grande parte da população. Em períodos eleitorais, por exemplo, a quantidade de faltas aumenta. Na Alerj, em agosto de 2010, 49 dos 70 deputados contabilizaram 192 ausências nas 13 sessões realizadas. No mesmo mês de 2009, registraram-se 28 faltas em 12 sessões. A assessoria de imprensa da Alerj esclarece que as atividades da Casa "não foram prejudicadas, pois desde a volta do recesso de julho, 39 vetos foram apreciados e 14 deles derrubados". (A votação de vetos exige "quorum mínimo", ou seja, número mínimo de deputados em plenário.)

Segundo o portal Transparência Brasil, o brasileiro que mora nas capitais contrubui, em média, com R$ 115 por ano para sustentar a estrutura legislativa. No total, o Legislativo consome R$ 12,5 bilhões dos cofres públicos, sendo R$ 6,1 bilhões destinados ao Congresso. A estrutura de cada senador custa R$ 33 milhões anuais, o equivalente à construção de oito Unidades de Pronto Atendimento 24 horas (UPA's). Paulo D’Ávila ressalva que algumas prerrogativas dos parlamentares, como verbas para viagens e combustíveis, não devem ser confundidas com  privilégios, pois são "necessidades democráticas". O importante é usá-las com bom senso, ressalta o professor.

– Os dispositivos parlamentares, em geral, são úteis ao mandato. Possivelmente há abuso, como em qualquer outra área da vida – pondera D'Ávila.

Ricardo Ismael também ressalva que, apesar de a mídia constantemente associar as esferas do Poder Legislativo à corrupção, "99% da corrupção provém do poder Executivo", derivadas, por exemplo, do superfaturamento de obras. Ele reconhece que haja deputados e senadores "comprometidos", mas também existam aqueles mais preocupados em “fazer bons negócios e obter cabos eleitorais, tornando o Legislativo submisso ao Executivo, o que é prejudicial para a democracia”.

– Parlamentares não estão preocupados, muitas vezes, com o protagonismo do Congresso, mas em conseguir vantagens do Executivo, como cargos, emendas parlamentares e empréstimos bancários. O mensalão de 2005 foi um exemplo escancarado. Um projeto como o Ficha Limpa, por exemplo, só foi aprovado depois de muita pressão da sociedade e por ser ano eleitoral – avalia.

Para Paulo D’Ávila, se os interesses pessoais às vezes prevalecem, "isso é reflexo de um eleitorado que também guia seus votos por esses interesses". Pensar mais no coletivo e votar conscientemente seriam, desta forma, caminhos para revitalizar o Poder Legislativo e torná-lo mais qualificado para aperfeiçoar os rumos democráticos retomados em 1988, quando uma assembléia teve força suficiente para compor a nova Constituição.