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Rio de Janeiro, 15 de janeiro de 2025


País

"Os candidatos estão presos à rédea curta do marketing"

Fernanda Miranda - Do Portal

28/09/2010

 Stéphanie Saramago

Na terceira e última entrevista da série com analistas políticos da universidade sobre a campanha de 2010 à Presidência, o Portal PUC-Rio Digital conversou com o professor Claudio Bojunga do Departamento de Comunicação Social. Na entrevista, Bojunga critica a utilização da mídia pelas campanhas, que segundo ele, acaba mascarando os candidatos.

Claudio Bojunga formou-se em direito e estudou política internacional no Instituto de Estudos Políticos de Paris. Jornalista desde 1969, trabalhou como repórter, redator, crítico e correspondente internacional. Foi editor especial da revista Veja, diretor de jornalismo da TVE e editorialista do Jornal do Brasil. Escreveu o texto do filme “Os anos JK”, de Silvio Tendler, realizou documentários e séries para a TV. Também é autor dos livros Viagem à China aberta e Viagem ao Brasil desconhecido, em parceria com Fernando Portela.

Portal PUC-Rio Digital: A campanha é um momento de se definir a agenda política do país para os próximos anos. Como o senhor avalia essa agenda que está sendo criada, do ponto de vista da política?

Claudio Bojunga: O Lula acertou quando disse que esta é a primeira eleição que não têm "trogloditas" como candidatos. É uma eleição com pessoas de carreiras comprovadas, corretas, com propostas bem definidas. Não são demagogos, nem corruptos. Isso é muito importante. A começar pela [candidata do Partido Verde] Marina Silva, que é uma pessoa que não tem muito carisma, mas tem muita honradez, há muito empenho no projeto dela.

P: A respeito da agenda da candidata do PV citada pelo senhor, qual sua opinião? 

CB: Eu acho que até a própria Marina secretamente não tem muita esperança de ganhar nem de chegar ao segundo turno, mas ela quis colocar o ambientalismo como algo que não pode mais ser descartado. Ela teve no governo choques com projetos produtivistas, desenvolvimentistas, que eram os que caricaturavam sua posição dizendo: “Você está defendendo o bagre do rio tal, os sapos do rio tal”. Isso é uma maneira de desconsiderar essa oposição. Ela inclusive se opôs à própria Dilma e ao Mangabeira Unger, que são dois representantes dessa corrente desenvolvimentista da Amazônia. A Marina sai da Amazônia vinda da luta de Chico Mendes, do extrativismo, então é muito interessante essa agenda dela. Acho que a candidata, ao colocar o ambientalismo em sua agenda, está ajudando a fazer com que a discussão seja levada a sério por qualquer um que ganhe.

P: E quanto a agenda do candidato José Serra, do PSDB?

 Stéphanie Saramago CB: Ele tem uma carreira muito rica, um retrospecto fantástico. Com esse histórico, é um candidato que se apresentou com muito brio. Por causa do PSDB, que se opõe ao Lula, começaram a espalhar de uma forma demagógica que Serra é a direita. A direita nada, o Serra sempre foi um homem de esquerda. Eu diria que ele é um homem de centro-esquerda hoje em dia, um socialdemocrata, um homem economista. Seu diferencial em relação à candidata Dilma Rousseff é que eu acho que ele acredita menos nessa história do Estado tocar a economia. Acho também que ele mudaria a política externa tal como está sendo dirigida pelo ministro Celso Amorim, tanto é que ele se posicionou quando houve o anúncio da vinda do presidente iraniano ao Brasil, ele escreveu um artigo na Folha de São Paulo criticando que isso estava errado.

P: E a agenda da candidata Dilma Rousseff, do PT?

CB: No caso da Dilma, é a continuação do governo Lula. Mas até que ponto eu não sei. É tradicional que a partir de determinado ponto comecem as traições, porque começa o desejo de ter luz própria. No Brasil um presidente da República é muito polêmico, ele pode muita coisa, então eu não sei como ela vai se comportar.

P: E como o senhor analisa a atual conjuntura do país?

CB: É preciso compreender que esse sucesso extraordinário que o Lula representa é o sucesso do Brasil. Acredito realmente que decisivos foram os últimos 20 anos e a última década já caracteriza um novo tempo. É nesse novo tempo que o Brasil arrancou, e aí algumas coisas que foram feitas tiveram uma continuidade importantíssima que ultrapassaram os partidos e as agendas individuais. Primeiro, a estabilização financeira. Depois, uma série de leis responsáveis do ponto de vista financeiro, a lei de responsabilidade fiscal. Há também uma questão importante que é a conjuntura internacional favorável, em termos de expansão econômica, até pelo menos a crise de 2007, que permitiu com que o Brasil fizesse uma coisa importantíssima, se livrar do problema no balanço de pagamentos. Finalmente, o Brasil equacionou sua dívida externa e hoje em dia é um país credor. A agroindústria empurra o país para frente. Além do mais, tem agora a perspectiva do pré-sal. Então, o Brasil virou uma oportunidade internacional, um sucesso. É claro que foi um trabalho coletivo, mas agora junto com coisas conjunturais do governo Lula. Houve o aumento do salário mínimo do brasileiro, tem o bolsa família, uma série de iniciativas interessantes. Lula, como ex-operário, é muito obcecado pelo emprego. Ele quer produzir, criar emprego, tem aquela gana de quem sabe o que é estar por baixo, e isso sensibiliza muito o povo brasileiro. É normal que seja assim. O Lula é um político extremamente inteligente, é um homem que não tem grande preparação intelectual, mas é um sujeito brilhante. Ele foi desastrado aqui e ali com a imprensa, mas tem essa preocupação fundamental com a produção e o emprego.

P: O senhor acredita que os candidatos estão abordando as questões principais a serem enfrentadas pelo Brasil em suas campanhas? Existe algum tema importante sendo deixado de lado?

 Stéphanie Saramago CB: Na campanha, o que todo mundo está reparando e gera um certo desconforto é a dominação pelos marqueteiros, ou seja, o jogo de aparências. Isso gera um déficit de conteúdo na discussão. Os debates são presos, são muito bitolados, é uma manipulação de mensagens muito desagradável. Eu gostaria que houvesse um debate mais livre, de mais conteúdo. É tudo muito medido, tem muito cosmético, muito penteado, muita roupinha. Eu acho que o Serra cometeu erros terríveis na campanha dele de se submeter a linha que foi traçada pelo seu marqueteiro, que foi de cautela e prudência em relação à crítica ao Lula, como se ele pudesse ganhar alguma coisa nisso, e ele só perdeu. Tinha que arriscar quanto a isso, atacar pra valer. Ele chegou até a usar a imagem do Lula, o que descaracterizou o candidato da oposição. Essa gente está presa à rédea curta do marketing político. Isso cria certa atmosfera artificial do debate na campanha.

P: E como o senhor avalia a participação do candidato Plínio de Arruda Sampaio, do PSOL?

CB: Olha, eu acho que ele é um fenômeno engraçado, acho até interessante que ele esteja no combate. Serve de opção para os românticos hoje em dia que querem um ideal inviável dada às condições presentes. Talvez seja o único que tenha escapado desse molde marqueteiro porque não tem nada a perder. Ataca tudo e todo mundo. Então tem alguma coisa de adolescente eu acho, é engraçado que o adolescente seja um homem de 81 anos, mas a posição é de adolescente. Por isso ele está encantando os jovens, os jovens querem botar pra quebrar. O Plínio nunca iria ter chance, mas é claro que, se ele chegasse a um lugar de responsabilidade, não poderia fazer nem um décimo daquilo que imagina. Então não vou dizer que é irresponsabilidade, é uma campanha poética. Isso não vai a lugar nenhum, quer dizer, a política é a arte do possível não do impossível.

P: Quanto a questão do voto obrigatório no Brasil, o senhor acredita ser a forma ideal para os sistema político nacional ou o voto facultativo seria mais vantajoso?

CB: Não, eu sou contra. O que já tinha que ter funcionado com o voto obrigatório já funcionou, hoje em dia eu acho que ele serve mais como cabresto do que favorece a educação civil. Serve mais para você controlar rebanhos políticos, pelo fato de você ter a obrigação de votar. Tem gente que não tem o menor interesse naquilo, o coronel do interior vai lá leva todo mundo junto e pronto, vota naquele. Tem uma famosa piada que é sobre isso. Antigamente o voto era uma cédulazinha que qualquer um podia fazer, então o coronel fazia o quê? Imprimia um monte, dava um envelope fechado na mão de cada peão da fazenda e o sujeito tinha que colocar na urna. E aí, na piada, um camarada diz: “Mas assim nem sei em quem vou votar”. E o coronel responde: “Mas é claro, o voto é secreto”. É uma brincadeira, é claro, mas o que eu quero dizer é que hoje em dia não tem mais a mesma função. O Brasil tem um dos maiores eleitorados do mundo. Acho que não precisa mais disso.

P: Mas se o voto fosse facultativo o senhor acha que funcionaria corretamente? 

 Stéphanie Saramago CB: Eu acho que sim. As pessoas queriam votar quando não podiam. Foi a primeira campanha da massa por um direito político, não por razões econômicas, a campanha das Diretas Já. Foi uma campanha que teve uma participação política e só. Juntou todo mundo. Todo mundo que não era pelo modelo autoritário. Eu não gosto das coisas obrigatórias. Se não fosse obrigatório, não aconteceria nada de grave, as pessoas já sabem o que querem. Acho que tem aí uma desconfiança em relação ao fato de que a baixa instrução pode representar um déficit de civismo. Eu acho que não é assim, as pessoas sabem o que querem. Eu já viajei muito pelo Brasil e encontrei pessoas muito conscientes.

P: Pensando na propaganda eleitoral, o senhor acredita que ela cumpriu seu papel nessa campanha?

CB: Não, ai é que eu acho que essa coisa dos marqueteiros criou uma nova imagem, as pessoas viraram produtos, uma coisa muito ruim. E o debate em si é totalmente amordaçado com regras, em nome da imparcialidade, do equilíbrio. Nos debates, você tem um minuto para fazer uma pergunta. Não há como, e aí esse um minuto é totalmente pilotado por um sujeito que está ali atrás retocando a maquiagem. Não há mais um confronto livre de ideias nos debates. Aliás, há um medo desse contato livre com a imprensa. Isso não é bom.

 Stéphanie Saramago P: As campanhas estão cada vez mais caras, os políticos investem cada dia mais. Até que ponto a propaganda eleitoral influencia na decisão final do voto?

CB: Eu acho que infelizmente decide. A arte dos publicitários é muito de criar necessidades que não existem e ilusões das quais a gente não precisa. Cria-se um artificialismo nessas imagens, auréolas alugadas. Eu não acredito nisso, eu conheço a política de dentro, acho tudo muito artificial. Quase deixei de ver essa publicidade da televisão. Vejo somente às vezes quando estou almoçando e fico horrorizado com o que são os nossos candidatos de nível estadual. Acho que aquilo é programa cômico. O “Tatá do boteco”... é uma loucura aquilo. E o Tiririca está eleito, esse é o lado chato. Mas estou disposto a enfrentar essa chatice em nome da democracia, vamos lá. Se um sujeito diz a você que não gosta de política, diga a ele que quem não se importa com a política está condenado a ser controlado por quem gosta.