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Rio de Janeiro, 19 de abril de 2024


País

"As campanhas são pautadas pelo marketing político"

Juliana Oliveto - Do Portal

17/09/2010

 Isabela Sued

O Portal PUC-Rio Digital começa hoje uma série de entrevistas com analistas políticos da universidade a respeito da campanha presidencial deste ano. Os temas discutidos envolvem, entre outros, marketing político, propaganda eleitoral e a agenda do país para o próximo governo.

O primeiro entrevistado é o professor do Departamento de Comunicação Social e editor da Editora PUC-Rio, Fernando Sá. Segundo ele, a lógica política brasileira passa pela mídia, o que acaba fazendo com que temas relevantes para a agenda nacional fiquem de fora dos debates entre os presidenciáveis.

Portal PUC-Rio Digital: Como o senhor avalia a campanha política deste ano à Presidência?

Fernando Sá: Há um problema grave na campanha política, que está muito despolitizada, muito determinada pelo marketing político. Na realidade, o marketing político não faz milagre, mas orienta a fala dos candidatos, que é muito pensada pelas pesquisas de opinião, essas coisas todas... Se você olhar a campanha dos dois principais candidatos, a Dilma Rousseff (PT) e o José Serra (PSDB), você vê um esforço muito grande da Dilma de centrar sua candidatura na boa avaliação do governo Lula. A situação do Serra é muito mais incômoda, porque ele tem que fazer oposição a um governo que é muito bem avaliado e tem que fazer de conta que não é oposição. Aí você tem uma dificuldade de os candidatos apresentarem seus programas, nesses programas obrigatoriamente estariam inclusos os desafios para os próximos quatro anos. Outro ponto que temos que avaliar são os desafios reais. Quem ganhar as eleições vai enfrentar o quê? A primeira questão que qualquer um que ganhar vai enfrentar é ter que fazer um governo de sucessão ao Lula, porque como diria o próprio Lula, “nunca antes na história deste país” nós tivemos um presidente com uma popularidade tão grande ao sair do governo. Normalmente, todo governante, por melhor que ele seja, depois de sete anos de governo está muito desgastado, então costuma sair do segundo mandato com a popularidade muito baixa e o Lula está saindo com uma popularidade de 80%, então qualquer governante vai se ressentir disso, de ter que suceder um presidente da República com tamanha popularidade.

Portal: Mas em termos da agenda política. O que o senhor acha que o próximo governo terá pela frente?

 Isabela Sued

FS: Vamos começar pela política. É necessário que se faça uma reforma política no país. Hoje nós temos mais de 30 partidos no Brasil. A cada ano, a cada eleição que passa você vê um enfraquecimento dos partidos, as pessoas estão votando em pessoas. Nas próprias propagandas dos candidatos, você vê o número dele e o nome do partido lá embaixo, pequenininho, porque é obrigatório por lei. Isso é ruim para a democracia porque os partidos ficam fracos e as pessoas ficam fortes. Uma reforma política seria fundamental e aí tem que se fazer uma ampla discussão sobre que reforma política é essa, se é voto distrital, voto distrital misto, voto em lista, se teria cláusula de barreira – quando um partido para se lançar numa eleição, principalmente majoritária, teria que ter um mínimo de percentual de votos no país inteiro – esse tipo de coisa... O grande problema é que quem pode fazer essa reforma política são os próprios políticos, que têm interesses particulares a respeito do tema. Seria necessário que o governo e seus aliados tivessem força e uma vontade política muito grande para poder colocar essa questão na ordem do dia e levá-la até as últimas conseqüências. Eu diria que no campo político você tem três grandes questões: como você faz para suceder um governante muito popular, que é uma coisa que não se conhece no Brasil; segundo, como você vai encarar uma reforma política que todo mundo diz que é necessária, mas ninguém tem coragem de fazer, ou na hora de fazer os próprios políticos recuam; e a outra questão é como vai ser a relação com o Legislativo. O Lula está fazendo uma força muito grande para não apenas eleger a Dilma, mas para eleger uma maioria no Senado, porque lá ele teve algumas derrotas sérias, então ele não quer deixar essa herança para sua candidata. Além disso tudo, um ponto político-econômico muito importante do próximo governo tem que ser a reforma tributária, com o objetivo de buscar um equilíbrio fiscal entre os estados da Federação e, também, para desonerar os produtos e serviços consumidos pela população de baixa renda.

Portal: Para aproveitar o "gancho", como o senhor avalia os desafios que o próximo terá pela frente no campo da economia?

FS: Nesse terreno, nós temos uma questão gravíssima, mas que é uma boa questão, que qualquer um gostaria de enfrentar. Primeiro, manter o país crescendo, continuar investindo em infraestrutura, mas tem um problema sério que é o problema do pré-sal. Qual é a gravidade do problema do pré-sal? É como você administra essa riqueza que é finita. Ou seja, o Brasil teve a felicidade de encontrar essa reserva imensa de petróleo, mas qual é o problema disso? A chamada “doença holandesa”. Por volta dos anos 1960, a Holanda descobriu uma grande reserva de gás e entraram muitos dólares na economia holandesa, investimentos do mundo inteiro. Com essa enxurrada de dólares na economia holandesa, a moeda nacional se supervalorizou e as atividades, principalmente as industriais, da Holanda foram à banca rota, porque era muito mais barato você importar do que fabricar lá. Então isso é um problema grave para qualquer país, quando você tem uma renda de um bem natural, como o petróleo, que demanda grandes investimentos e entrada de muito dinheiro na sua economia, você tem que tomar muito cuidado porque a tendência natural é uma supervalorização da sua moeda, o que significa a fragilização da atividade econômica local por uma questão muito simples: é mais barato importar. O Brasil conseguiu passar bem da crise e sair bem da crise significou manter uma irrigação de crédito, ou seja, fazer com que as pessoas continuem adquirindo seus desejos, mas não basta isso, você não desenvolve a economia de um país única e exclusivamente na área do consumo, principalmente de bens duráveis.

 Isabela Sued

Portal: E no campo social? Nessa área, o que o próximo governante terá que enfrentar?

FS: No campo da sociedade acho que a coisa é mais complicada. Mas também são problemas positivos: durante o governo Lula – e talvez isso seja uma explicação de sua grande popularidade – houve inegavelmente uma distribuição de renda. As pessoas passaram a consumir mais, mudaram de patamar econômico e social, houve uma inclusão de 30 milhões na classe média e mais de 20 milhões saíram da pobreza absoluta. Então quais são as questões que se colocam agora? Você não pode continuar olhando pelo retrovisor, você tem que olhar para frente: saíram 20 milhões, mas ainda há 17 milhões esperando para sair da pobreza. Então, a distribuição de renda tem que continuar a existir. A segunda questão é de como você atende as demandas dessa nova classe média, ou seja, tudo bem, você botou 30 milhões de pessoas no consumo, mudaram de patamar econômico, já compraram geladeira e agora? Eles querem outras coisas. Querem futuro, educação, saúde, segurança... E você vai ter que dar isso, vai ter que atender a novas exigências da sociedade ou desse setor da sociedade que entra para uma nova realidade. E são exigências de longo prazo, ou seja, você não consegue resolver a questão da educação simplesmente distribuindo renda, você tem que ter projetos de médio e longo prazos. Tem que continuar distribuindo renda, investindo na infraestrutura do país e atender as novas demandas da classe média que já comprou o que tinha que comprar, já pagou suas dívidas e agora olha o futuro e pergunta: “Agora eu boto meu filho em que escola?”. São questões que o novo governo vai ter que enfrentar obrigatoriamente.

Portal: E o senhor acredita que os candidatos estão abordando em suas campanhas as principais questões a serem enfrentadas pelo Brasil?

FS: Os temas reais não estão sendo enfrentados por uma questão de marketing político, marketing eleitoral. Mesmo nos debates, eu diria que aqui e ali esses temas aparecem, mas de maneira muito pontual. Eles sabem que vão ter que enfrentar essas questões, mas como nós temos uma lógica política que passa pela mídia – basicamente pela televisão –, os candidatos ficam muito à mercê das necessidades mercadológicas ou de determinados gerentes de marketing das campanhas. O candidato quer atingir o público com uma mensagem que supõe ser aquilo que o público precisa ouvir e, às vezes, é muito difícil. A Marina Silva com um minuto de televisão vai falar o que sobre política externa, por exemplo?

Portal: Pensando na propaganda eleitoral, o senhor acredita que ela cumpriu seu papel nessa campanha?

FS: Depende do papel que você determina. Se você achava que o papel era discutir os grandes temas nacionais, eu diria que não. Mas se você pensar na campanha sob o ponto de vista da eficiência eleitoral, diria que a grande vitoriosa é a campanha da Dilma. A campanha do Serra pecou, deixou muito a desejar, não conseguiu alcançar e convencer o eleitor de que ele seria uma continuidade do governo Lula mais eficiente que a Dilma. É uma situação muito difícil para o Serra ter que fazer de conta que não é oposição, quando ele é oposição. As campanhas são pautadas pelos recursos de marketing político em função da televisão e do país, ou seja, uma quantidade de pessoas com poucos recursos educacionais, um país continental, a televisão presente em quase todos os lares... Como todo mundo dizia, a campanha só começa mesmo em agosto, porque aí começa o programa eleitoral e a partir disso as pessoas começam a pensar em eleição, antes disso é coisa de especialista, de gente que está discutindo.

 Isabela Sued

Portal: O senhor acha que os candidatos estão seguindo um caminho semelhante ou têm ideias completamente diferentes?

FS: Eles têm a mesma origem, têm programas muito semelhantes, mas eu diria que tem um problema grave que são as alianças de um lado e de outro, acho que o Serra optou por uma aliança mais conservadora. A principal aliança do PSDB é com o DEM, um partido que sempre foi estruturalmente conservador e essa é uma diferença mais pelo perfil de seus aliados do que pelas propostas programáticas. Então, sob o ponto de vista econômico, acho que o Serra tem algumas nuances, mas diria que na essência os programas são muito parecidos, os aliados que são diferentes.

Portal: O senhor acha que o modelo de campanha no Brasil, em relação à propaganda eleitoral, precisa passar por reformulações? Como seria o futuro da propaganda política no país?

FS: Isso vai depender muito da reforma política, porque se você faz uma reforma na qual você tem um tipo de eleição que fortaleça os partidos e que o candidato tenha uma ligação maior com a sua comunidade, acho que isso naturalmente vai mudar o enfoque da campanha. Tem candidato que só aparece para o eleitor de quatro em quatro anos e sempre com a mesma cara, a foto dele é a de garotão, quando tinha 25 anos, mas como você não o vê, acha que o cara é aquele. São recursos de publicidade política que se você faz uma reforma política, obrigatoriamente vai ter que adaptar a propaganda política a essa reforma. Mas tem que saber que reforma é essa, como vai ser feita essa reforma. Mas tem uma coisa: você não vai conseguir mexer muito nessa lógica mercadológica, porque o país é esse, ou seja, é aquele negócio, um projeto educacional em qualquer lugar do mundo é para uma geração, então se a população está mais educada, mais informada, mais exigente, quer uma informação de melhor qualidade e quer debater as questões nacionais, tudo bem, mas isso vai demorar, não é de uma hora pra outra, é um país continental e você tem que se dobrar a essa realidade.

 Isabela Sued

Portal: As campanhas estão ficando mais caras, os políticos investem cada vez mais. Até que ponto a propaganda eleitoral influencia na decisão final do voto?

FS: Influencia quando você faz programas de boa qualidade e consegue potencializar as qualidades do candidato. Você não consegue inventar um candidato. Mas eu diria que se você faz uma campanha bem feita, usa o candidato naquilo que ele tem de melhor, se o candidato quando aparece diante do público pessoalmente tem ligações reais e sinceras com o que mostra na televisão, acho que a campanha é fundamental, não tenho dúvida nenhuma com relação a isso. Sobre os candidatos em si, fico um pouco orgulhoso do país nesse aspecto. Os três principais candidatos, Marina, Serra e Dilma, são pessoas de bem, pessoas de boa formação, que têm trajetória política, pessoas sobre as quais você não pode levantar suspeita de desonestidade... Você pode gostar mais de um ou de outro, isso é natural, mas você não tem um pilantra, um canalha. Acho isso uma grande vantagem para nós, de você poder dizer “meu candidato é fulano, mas se beltrano ganhar tudo bem”.