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Rio de Janeiro, 24 de abril de 2024


Ciência e Tecnologia

"Acidente no Mar do Caribe deixa lições para o pré-sal"

Carina Bacelar - Do Portal

20/09/2010

Mauro Pimentel

Terminou finalmente ontem, 19 de setembro, o que foi considerado o maior desastre ambiental da história americana. A British Petroleum anunciuou que o poço em vazamento desde 20 de abril deste ano, no Mar do Caribe, foi definitivamente vedado. O desfecho não apagou, no entanto, os prejuízos ambientais e econômicos, tampouco o alerta sobre as prevenções contra desastres do gênero. “Aqui no Brasil, é aplicado o que há de melhor na área”, tranquiliza o coordenador do curso de engenharia de petróleo da PUC, Sérgio Fontoura. Diante da badalada exploração brasileira do pré-sal – à qual se volta a capitalização da Petrobras, em curso , o especialista esclarece riscos e tecnologias na exploração em águas profundas. Nesta entrevista ao Portal PUC-Rio Digital, Fontoura também defente o atual modelo de distribuição dos royalties, com uma fatia maior para os estados produtores (Rio de Janiero, São Paulo e Espírito Santo), pois, "como se observou no acidente no Mar do Caribe", as regiões ao redor dos campos de extração ficam sujeitas a arcar com danos ambientais.

Portal PUC-Rio Digital: Quais erros o senhor detecta na demora da British Petroleum para resolver o problema do vazamento no Golfo do México?

Sérgio Fontoura: Todo poço tem um equipamento de segurança para evitar o vazamento. No caso do acidente da BP, ele ficou sem a proteção de qualquer sistema. Uma vez ocorrido, as técnicas para a contenção dos fluidos serão mais ou menos eficazes dependendo da profundidade do poço. As tentativas que foram feitas começaram a dar errado. Só depois de três meses, conseguiram interromper o fluxo. E agora a tentativa é fechar o poço. No momento, ainda não é certo que o vazamento tenha sido contido por tempo indefinido. Ele está contido agora.

 Mauro Pimentel

Portal: Por que é tão difícil “fechar” um poço de petróleo?

Fontoura: O melhor exemplo é o de uma mangueira cujo fluxo de água se deseja interromper. O que deve ser feito é fechar uma válvula. Imagine que você tem o fluxo da mangueira, mas não tem essa válvula para fechá-la, então não conseguiríamos. Poderíamos, por exemplo, dobrar essa mangueira para interromper o fluxo, mas não se pode fazer isso com um poço de petróleo. A dificuldade está na necessidade de fechar a “cabeça” do poço.  

Portal: Houve acertos, apesar do fracasso de diversas alternativas?

Fontoura: Houve sim, a empresa agiu rapidamente. Muitos pontos não vem a público por questões jurídicas, em função dos processos que foram movidos contra a BP. A demora não caracteriza incompetência.

Portal: O governo americano afirmou que 3/4 do petróleo já foi evaporado, dispersado ou capturado. E a parte restante está tão diluída que não deve causar graves problemas ambientais...

Fontoura: Uma afirmativa dessas é muito forte. A maior evidência dos efeitos ambientais pode ser verificada com o acompanhamento do que está chegando à costa, o que os pescadores percebem, por exemplo. 

Portal: Falando de Brasil, quais as diferenças técnicas para a exploração da camada pré-sal em relação à pós-sal?

Fontoura: Do ponto de vista exploratório, a diferença é muito grande. Extrair petróleo abaixo de 2.000 metros de sal, exige que os poços tenham uma geometria específica e que o próprio reservatório seja preparado para produzir de uma maneira diferente do pós- sal. Já o risco de acidentes é praticamente o mesmo. O que está na mídia é que a quantidade de óleo do pré-sal é tão grande que a produção brasileira será cada vez mais offshore. E o risco é a produção offshore...

 Mauro Pimentel

Portal: O país já possui a tecnologia necessária para explorar o petróleo da camada pré-sal em grande escala?

Fontoura: Sim. A Petrobras detém a tecnologia para desenvolver campos em plataforma marítima offshore. Ela já ganhou vários prêmios de tecnologia para explorar o pré-sal. Mas a indústria do petróleo não é só composta pelas operadoras, como a Petrobras, a British Petroleum, a Shell, a EXON. A maior parte do trabalho é executada por empresas de serviços para petrolíferas. Aqui no Brasil, é aplicado o que há de melhor nessa área.

Portal: Que tipo de riscos estão envolvidos na exploração de petróleo em alto mar?

Fontoura: Os riscos são elevados, uma vez que o controle de qualquer vazamento se torna mais difícil pelo fato de ser em condições como as vistas no Golfo do México, onde as profundidades são muito elevadas. No Brasil, já estamos produzindo petróleo a profundidades que superam os 500 metros de lâmina d’água. Em casos de vazamentos extensos, como o americano, em que todos os controles foram perdidos, o problema passa a ser estancá-lo a 1.500, 2.000 metros de profundidade. O tamanho da coluna d’água é o complicador.

Portal: Em entrevista ao Globo, o diretor geral da ANP, Haroldo Lima, afirmou que as medidas de fiscalização adotadas na exploração nacional do petróleo estão entre os mais avançados do mundo. O senhor concorda?

Fontoura: Isso é algo que qualquer cidadão deveria conhecer melhor. A legislação é muito clara ao afirmar que qualquer empresa operadora é obrigada a fornecer para a ANP todo o conjunto de medidas adotadas no desenvolvimento do campo. Esta contrata os serviços de uma reguladora internacional, a Bureau Veritas, que verifica a qualidade das atividades. Outra forma de legislação, menos moderna, é especificar tudo o que tem de ser feito. No entanto, como a tecnologia muda muito, rapidamente a especificação ficaria defasada. No caso brasileiro, semelhante ao de países como a Noruega, quando o diretor reafirma a eficiência da lei, minha interpretação seria que essa maneira de trabalhar é a que divide as responsabilidades com a operadora – uma atitude responsável e segura. 

Portal: Mas essas normas, no Brasil, não engessariam o desenvolvimento do aparato tecnológico? 

Fontoura: Não, isso está sempre sendo revisado. A última versão é de 2004. Em função do acidente no Golfo do México, as normas serão revisadas. 

Portal: Haroldo Lima afirmou também que, além da elaboração de um plano nacional de contingência de vazamentos de petróleo em alto mar, haverá um melhoramento dos sistemas de segurança do país. O que deve ser aperfeiçoado?

Fontoura: Tenho acompanhado as notícias sobre esse plano, e acho que é extremamente prudente incorporar a Marinha. Em caso de acidentes, existem helicópteros, por exemplo, disponíveis no Brasil para servir às operações de contingência. São necessários de 20 a 30 helicópteros. Navios para serem enviados de uma hora para outra também não é uma coisa que exista em prateleira. O país não possui um plano desses, e acredito que muitos [países] também não possuem. O acidente do Mar do Caribe trouxe esse ensinamento. 

 Mauro Pimentel

Portal: Os lucros compensariam os risco da produção de petróleo em alto mar e os gastos com segurança e tecnologia?

Fontoura: A sociedade moderna é altamente dependente do hidrocarboneto. Não só como fonte de energia do combustível para os veículos, mas também para toda a indústria petroquímica. Do ponto de vista da empresa que explora, ela continuará tendo lucro. Outro dado pouco conhecido é que grande parte do preço do petróleo é composto de impostos. No caso do estado do Rio de Janeiro, ameaçado pela redução dos royalties, houve uma grande discussão liderada pelo governador (Sérgio Cabral), porque ele sabe perfeitamente que não pode abrir mão desses impostos em função dos compromissos assumidos com os recursos.

Portal: Então o incidente da British Petroleum, na visão do senhor, justifica o pagamento de uma parcela maior de royalties aos estados produtores? 

Fontoura: Quando os royalties foram estabelecidos, um dos elementos era a criação de um fundo para a questão ambiental, caso acontecesse um acidente. No caso brasileiro, eles foram muito utilizados para desenvolver a região. Acredito que o sistema de royalties foi muito bem dimensionado. No Brasil, muitos municípios beneficiados não tiveram que destinar parte deste dinheiro para controlar a questão ambiental. Nos Estados Unidos, a própria empresa teve de separar um fundo para conseguir arcar com todos os custos do desastre, como os jurídicos, legais e trabalhistas. 

Portal: O senhor acredita que o incidente envolvendo explosões na plataforma P-33, na Bacia de Campos, pode ter denunciado alguma falta de transparência por parte da Petrobrás na exploração do pré-sal?

F: Parece uma simples questão de dano na tubulação – algo muito recorrente em ambiente marinho. Em qualquer plataforma, partes que não são muito utilizadas estarão sujeitas a corrosão. É necessário que a notícia veiculada em jornais seja acompanhada de uma informação mais técnica, mas reconheço que, muitas vezes, essa não é a função do jornal.