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Rio de Janeiro, 26 de abril de 2024


Cultura

Nova obra de Gumbrecht debate "presença" e "sentido"

Stéphanie Saramago - Do Portal

20/09/2010

  Arte Stéphanie Saramago


Produção de presença: o que o sentido não consegue transmitir, Hans Ulrich Gumbrecht

Em sua 52ª visita ao Brasil, o professor e autor alemão Hans Ulrich Gumbrecht veio ao lançamento da versão brasileira de seu livro Produção de presença: o que o sentido não consegue transmitir, publicado pela Editora PUC em parceria com a Contraponto. O livro foi publicado originalmente em 2004, em inglês, pela Stanford University Press.

Em entrevista ao Portal, Gumbrecht revela que o livro só foi escrito por insistência de seus amigos e alunos, para que esta questão da "produção de presença" se tornasse acessível. O autor afirma que não sentia necessidade de escrever sobre o tema, que via como produto de outros trabalhos anteriores de sua autoria. No entanto, Produção de presença acabou se tornando uma de suas obras principais.

Para o autor, qualquer contato humano com as coisas do mundo contém um componente de presença e um componente de sentido. A experiência estética nos permite experimentar esses dois componentes em tensão. Segundo o autor, a dimensão de sentido (meaning, significado) será sempre predominante quando lermos um texto. Inversamente, a dimensão de presença predominará sempre que ouvirmos uma música. E a experiência estética, pelo menos em nossa cultura, sempre nos confrontará com a oscilação, entre "presença" e "sentido".

O autor afirma que o livro “é uma chamada de atenção de que não se pode substituir algo como a interpretação”.

  Stéphanie Saramago

Portal Puc Rio Digital: No livro, o senhor analisa os componentes de sentido e de presença. Em termos práticos, como se pode explicar estes conceitos?

Hans Gumbrecht: Penso que cada cultura tem componentes de presença, tem componentes de sentido, mas inevitavelmente se você fica confrontado com uma mesa, por exemplo, eu não faço um esforço, eu posso identificar esta mesa como mesa, eu vejo isso como mesa. Então automaticamente estou fazendo atribuição de sentido. Falamos muito disso nas ciências humanas. O que eu quero sublinhar ou lembrar é que também existe outra dimensão, uma dimensão de tangibilidade espacial. Posso tocar. A proposta do livro é que a gente só consegue descrever bem certos fenômenos culturais incluindo, recuperando, a dimensão de presença.

Portal: Por que a experiência estética nos leva, principalmente em nossa cultura, à tensão entre sentido e presença?

HG: Eu diria que é interessante que a gente retrospectivamente possa identificar fenômenos estéticos a longo prazo. Eu poderia dizer que a tragédia grega é um fenômeno estético, mas é interessante que só se fala de estética, como um tipo de experiência particular, desde o século XVIII. Então, eu diria que uma experiência estética tem uma historicidade, e que esta historicidade depende disso. No processo da modernidade, a vida humana tem se transformado cada vez mais em uma vida puramente espiritual, de consciência. Acho, por exemplo, que hoje em dia muita gente passa o dia em uma fusão entre consciência e software, e quanto mais acontece isso, mas a gente precisa de tipos de experiência de se dar conta do que não é sentido, do que seja presença. Isso é algo quase inevitável. Acho que por isso, desde o século XVIII, chamamos de experiência estética experiências onde é impossível você só se concentrar no lado do sentido. Típico na poesia, se você só decifra a semântica da poesia, você não faz justiça à poesia. A poesia tem uma coisa de som, uma coisa de ritmo, efeitos de presença que a gente tem que tomar conta. Nesse sentido, o que chamamos de estética e o desejo que a gente pode ter de experiência estética é uma reação a uma cultura a um mundo humano que está cada vez mais culturalmente espiritual.

 Stéphanie Saramago

Portal: Em um momento de seu livro, o senhor coloca a questão da estética da aparência. Como podemos relacionar esta questão com a produção de presença?

HG: Para mim, o interessante seria que, ao contrário de uma experiência puramente de sentido, puramente romântica, eu acho que aquele lado de presença muitas vezes se articula no movimento, no espaço. Isso eu chamo de aparência. Existe uma coisa acontecendo. Se você pensa no teatro, o movimento sobre o teatro, aquela coisa que chamo de desvelamento do ser, emergência de uma coisa que tem uma articulação no espaço. Por isso falo de estética da aparência, uma aparência material.

Portal: O que motivou o senhor a escrever, resumir esta questão da produção de presença?

HG: Eu sou de uma família que meus dois pais eram cirurgiões, faziam dinheiro, mas de pouca cultura. Então eu sempre ficava fascinado com cultura, com literatura, com esses fenômenos. Cada vez mais achava que atribuição de sentido, tudo que seja experiência estética, tudo que é historia, tudo que seja cultura tem que ser sentido. Então o livro é uma chamada de atenção de que existe uma dimensão que não se pode substituir, uma coisa de sentido como a interpretação. Mas ao mesmo tempo, minha intenção foi propor como se poderia desenvolver um conceito, uma teoria, capaz de fazer justiça, de integrar aquela dimensão de presença nas nossas análises, de cultura, de literatura, de experiência estética.