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Rio de Janeiro, 27 de julho de 2024


Cultura

Criações modernistas marcam carreira de Niemeyer

Bernardo Pinheiro Mota - Da sala de aula

14/02/2008

Desde seu primeiro marco modernista, o Edifício Gustavo Capanema (no centro do Rio de Janeiro), há mais de 60 anos, a obra do carioca Oscar Niemeyer passou por diversas mudanças sem nunca perder a característica moderna. Autor de uma revolução na arquitetura brasileira no início dos anos 1940, quando incorporou formas orgânicas ao vocabulário europeu centrado na geometria, seus trabalhos ainda geram discussões sobre os cânones formais da arquitetura modernista. Sempre em busca da liberdade criativa no traço, sem medo do novo e com a ousadia de utilizar novos materiais em seu tempo, Niemeyer demonstra um domínio técnico e um frescor contemporâneo, que ainda hoje o faz um dos maiores arquitetos do mundo.

A arquitetura moderna brasileira teve seu grande momento a partir da década de 1930 e nas décadas seguintes, apesar de ainda existirem seus fieis até hoje. Essa massa de produção arquitetônica se caracteriza por uma enorme influência, e posteriormente transformação, de alguns conceitos artísticos elaborados na Europa no inicio do século XX. Os principais representantes são a Bauhaus (escola alemã de arte, design e arquitetura que funcionou entre 1920 e 1933), as formas da art-decó e principalmente as idéias do arquiteto francês Le Corbusier (autor do projeto original do Edifício Gustavo Capanema).

O que ocorreu no Brasil foi um caso especifico de uma geração, através do surgimento de jovens arquitetos interessados nas mesmas questões. Niemeyer era um deles. “Todos tinham Le Corbusier como um papa, e as formas da Bauhaus como referência para o traço. Eles queriam mudar a arquitetura, que até então era exclusivamente preocupada com a funcionalidade. E também queriam criar uma linguagem brasileira para isso, porque naquela época tudo era copiado dos padrões europeus”, conta Alfredo Grieco, professor de estética do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio.

Segundo o próprio Niemeyer em seu livro "A forma na arquitetura", suas intenções eram acabar com o valor impositivo da funcionalidade e poder agregar arte nas formas. Isso só foi possível graças às novas tecnologias de materiais de construção, mais especificamente o concreto armado (sobre o qual Niemeyer teve um domínio extraordinário). “Outra novidade apresentada pelo Edifício Capanema, e depois foi muito utilizada, era o conjunto arquitetônico, várias construções interligadas ao invés de um só bloco, neles havia pilotis, terraços, teatros, auditórios, galerias e o próprio prédio em si”, completa Alfredo.

Considerado o primeiro edifício público modernista do mundo, o Palácio Capanema foi um primeiro contato profissional de Niemeyer com Corbusier. Nele, as formas ainda privilegiavam o ”ângulo reto”, conceito indissociável do francês, mas o prédio já apresentava matérias e conceitos inéditos. “O prédio era funcionalista, mas com novos materiais, vidros ao invés de fachada, colunas de concreto ao invés de paredes grossas, terraços e jardins ao invés de telhados e um enorme vão nos pilotis”, caracteriza o arquiteto. Mas foi também um de seus poucos trabalhos antes de sua ruptura com as idéias modernistas.

Niemeyer sempre se interessou pela curva. Sua vontade era de acabar com o quadrado, cubo ou o que ele próprio chamava da “caixa de morar”. E o sucesso da empreitada no projeto de Corbusier foi fundamental para a carreira do arquiteto. Foi nesse projeto que conheceu Lucio Costa, que o apresentou ao Ministro Gustavo Capanema e que, posteriormente, o apresentou a Juscelino Kubitschek. A inquietação de Niemeyer teve sua primeira manifestação nos anos 1940, quando construiu o bairro da Pampulha em Belo Horizonte.

Sua intenção parecia provocativa e fantasiosa, mas o resultado apresentou aquela que seria sua assinatura por toda a carreira: as curvas. Suas influências pelo desenho das montanhas cariocas e pelo corpo feminino moldaram todo o conjunto que se constituiu na Pampulha. Mais uma vez todos ficaram maravilhados e principalmente Juscelino e seu mestre Corbusier que chegou a afirmar: “Oscar, você tem as montanhas do Rio dentro de seus olhos”.

O resultado da Pampulha alcançou dimensões inimagináveis. Foi a partir daquele momento que a notoriedade de Niemeyer começou a ser mundial. Além disso, o pupilo pareceu ter superado o mestre. Anos mais tarde, Corbusier, que era considerado um ortodoxo da disciplina e do “ângulo reto”, admitiu o valor das curvas de Oscar. “Ele considerou Oscar um arquiteto barroco, o que nunca foi muito bem aceito como um grande elogio, mas o fato é que houve um reconhecimento das transgressões que estavam ocorrendo e principalmente uma reverencia a elas”, comenta Maira.

O sonho modernista permaneceu vivo em Niemeyer por todo o resto de sua carreira. A construção de Brasília é um exemplo de dimensões incomparáveis na historia da humanidade. “Niemeyer é o único arquiteto, que se tem conhecimento desde a Antiguidade, a ser responsável, sozinho, pela elaboração de uma cidade”, afirma Alfredo. Até hoje é impossível passar indiferente a uma obra do arquiteto. Sua fidelidade ao modernismo brasileiro se confunde com a própria obra. Boêmio, adorador da vida noturna na juventude, ele é um dos principais ícones do país pelo mundo.

Para quem realizou mais de 2000 projetos, com cerca de 600 executados, e trabalhado com quase 100 anos, o desejo é de uma maior variedade de curvas e modernismo para uma época em que não há renovação entre os novos arquitetos do país. Mais 100 anos de arquitetura brasileira. Leve, lúdica e transformadora.

As influências:

Bauhaus: Escola alemã de artes, design e arquitetura, foi responsável pelos primeiros pensamentos sobre o modernismo. Com um cunho radicalmente vanguardista a Bauhaus funcionou entre 1919 e 33, sendo fechada pelo governo nazista. A premissa da escola era de quebrar o excesso de racionalismo, construir com liberdade a partir do que a tecnologia de matérias oferecesse de mais novo. A forma deveria sempre ser imaginada a partir das três formas geométricas mais básicas: o circulo, o triangulo e o quadrado. Entre seus alunos e de maior destaque foi o pintor Wassily Kandinsky.

Le Corbusier: Nascido na Suíça e naturalizado francês foi um dos mais importantes arquitetos do século XX. Dono de uma erudição rara, pesquisou muito todos os períodos da arquitetura, desde a Antiguidade, até chegar as suas teorias. Corbusier foi um dos pais do modernismo. Defendia a funcionalidade, mas não como premissa básica do projeto, foi responsável pela aplicação de diversos novos materiais na construção. Para ele arquitetura deveria ser enxuta, sem nenhum elemento puramente visual. Possuía uma personalidade séria e disciplinada, apesar de ter sido considerado pelos brasileiros, uma pessoa muito generosa.