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Rio de Janeiro, 27 de abril de 2024


Mundo

Internet esvazia ambições para o controle da mídia

Carina Bacelar - Do Portal

09/09/2010

Mauro Pimentel

Confrontos entre governos e grandes grupos de imprensa têm sido recorrentes nas gestões da “nova esquerda” na América Latina. Seja na tentantiva de controle da distribuição de papel pelo administração Kishner, na Argentina; seja no veto do presidente Hugo Chávez à veiculação de imagens "violentas" nos jornais da Venezuela; seja em projetos de "controle social" da mídia volta e meia revividos pelo Executivo brasileiro, os episódios recentes renovam a discussão sobre as garantias da liberdade de expressão e da qualidade das informações – ingredientes essenciais ao avanço democrático. Enquanto alguns especialistas lembram a importância de a sociedade manter em dia vacinas contra controles desejados tanto pelo Estado quanto por cartéis de comunicação, outros acreditam que o “território livre” da internet, ao pulverizar globalmente as informações, tenha tornado tais tentaivas obsoletas.

O professor Leonel Aguiar, coordenador do Departamento de Comunicação Social da PUC sustenta a tese de que não existe a tentativa de acabar com a liberdade de imprensa naqueles países. Segundo ele, há um "debate saudável, no qual movimentos sociais defendem bandeiras históricas contra grandes monopólios na área da informação". Na avaliação de Leonel, o “fim da liberdade de imprensa” é alardeado por noticiários que defendem interesses mascarados.

 – A grande mídia faz uma construção específica desse embate entre imprensa, governos e movimentos sociais. A cobertura feita pela grande imprensda tende a destacar fontes de informações que contemplem os interesses dos grandes empresários – argumenta.

O professor lamenta o suposto desprezo pelas conferências setoriais de comunicação no Brasil. Lembra que o polêmico Programa Nacional de Direitos Humanos (PNH-3), do governo Lula, é uma nova versão de um programa criado na gestão de Fernando Henrique Cardoso. O texto remetia ao direito da sociedade de criticar os produtos de imprensa. Neste ano, depois do bombardeio de setores associação à comunicação em larga escala, o governo exclui o artigo 22, referente ao controle social dos meios de comunicação. Leonel acredita que, por ser ano eleitoral, o Planalto tenha recuado para evitar desgastes com esses setores.

– Houve uma distorção do termo “controle social da mídia”. A grande imprensa viu essa proposta como tentativa de controle do governo sobre suas atividades, mas é fruto das demandas sociais – avalia Leonel.

O professor de jornalismo defende a internet como um “território livre”, sem a regulamentação nem por grandes empresas, nem pelo Estado. Ele observa que, "quando o assunto são mídias digitais, a posição das grandes redes de comunicação é outra": a exaltação da liberdade de imprensa dá lugar a um discurso mais conservador, que pede a regulamentação do conteúdo digital. Isso ocorre, segundo Leonel, porque a grande imprensa perde seu monopólio na web. 

– A internet, para os movimentos sociais, é muito bem vinda. É um lugar de ampla expressão deles e essencial para a democratização da informação – destaca.

A avaliação de Leonel alinha-se ao pensamento de Pedro Cunca Cunha, professor do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio. Para Cunca, a imprensa na América Latina assume historicamente alinhamentos ideológicos. A tendência, segundo Cunca, é observada na Argentina, na Venezuela e até no Brasil. Nesses países, os grandes grupos de mídia reúnem outros traços em comum, afirma o especialista – como "antecedentes golpistas" e monopólios que englobam várias plataformas de mídia (televisão, rádio, jornal).

– O efeito político dos monopólios é preocupante, assim como o cerceamento ao discurso de oposição – alerta o professor.

Cunca considera um “jogo de criminalizações” a relação entre governo e imprensa naqueles países, onde se observa "uma avidez em acusar adversários":

– É um processo de polarização. Só que na sociedade argentina, como na venezuelana, os elementos de disputa dos significados morais e éticos estão centrados em determinadas questões. Na Venezuela, concentram-se na "questão nacional"; e na Argentina, na dos direitos humanos.

Cunca identifica diferenças substantivas em relação aos confrontos entre o governo argentino e os grupos de comunicação La Nación e Clarín e a oposição, por exemplo, entre o governo francês e o Le Monde. Na França, diz ele, "há um grau de imparcialidade regulada, pois reúne grandes jornais a favor e contra o governo". A imprensa teria, assim, “várias tonalidades”. Na Argentina, como no Brasil, observa o professor, os veículos apresentam, historicamente, uma polaridade política acentuada:

– Na Argentina e no Brasil, não há uma tradição que acene com a possibilidade de grupos como o Le Monde se constituírem. Não é esclarecido, por exemplo, por que a imprensa progressista no Brasil ficou nanica. Por que nós não temos uma imprensa robustecida, o que seria fundamental para os jornalistas?

Cunca também confia no potencial da internet para assegurar diversidade e a multiplicidade no jogo da informação. Capaz de desestabilizar os monopólios e redes empresariais dominantes, "produzindo efeitos de fragmentação dos conteúdos veiculados". Por outro lado, ele não descarta a possibilidade de os provedores de conteúdo original serem tornarem-se "parceiros" de grandes veículos. Neste caso, a originalidade e a diversidade estariam ameaçadas. 

Já o jornalista Luís Garcia, colunista do jornal O Globo, considera a expressão “controle de mídia” um sinônimo "pernóstico" para a censura à liberdade de imprensa. Ele admite que as propostas de controle mediático possam até atender a demandas de movimentos sociais, mas "esses próprios movimentos muitas vezes precisam esconder o que fazem ou pensam".

– Recorrem à censura governos e entidades não-governamentais com ideias e comportamentos que não desejam ver conhecidos pela opinião pública. Isso porque essas ações entram em choque com princípios democráticos. O Brasil, como país democrático, não deveria ter comportamento contraditório a respeito – diz Garcia.

Quanto à é internet, o jornalista prefere não fazer prognósticos sobre o seu papel e sua abrangência no mercado da informação:

– A internet não é uma organização, e sim um conjunto de agentes individuais. Lá, cada um diz o que pensa.

As ponderações de Garcia encontram respaldo na posição da Associação Nacional de Jornais. O diretor executivo da entidade, Ricardo Pedreira, afirma que ANJ, embora respeite a soberania dos governos envolvidos nas recentes polêmicas, considera "lamentável toda iniciativa de cerceamento à liberdade de expressão". Para ele, os governos argentino e venezuelano enfrentam dificuldades em conviver com opiniões diversas:

– O que temos visto, nesses casos, são governos eleitos democraticamente voltando-se contra a própria essência da democracia, ao tentar, de diversas formas, controlar os meios de comunicação.

A autoregulação da imprensa é necessária, afirma Pereira, pois "estimularia a prática de um jornalismo permanentemente vigilante diante dos próprios erros". Assim, elevaria-se a qualidade da informação, argumenta do diretor da ANJ.

– A maior pena que um veículo de comunicação pode receber quando pratica o mau jornalismo é ser abandonado pela sua audiência. O grande patrimônio do jornalismo é a sua credibilidade – lembra Pedreira.