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Rio de Janeiro, 27 de julho de 2024


Cultura

Craque das letras faz tabelinha entre pós-guerra e futebol

Carina Bacelar - Do Portal

03/09/2010

Mauro Pimentel

“Bom dia!". Acompanhada de um largo sorriso, a poderia vir de qualquer aluno ou funcionário da PUC, mas veio da figura germânica cercada de professores – e de títulos acadêmicos – que chegava ao auditório B8, nesta quarta-feira, para falar do livro em produção, “Latência pós 1945”, ainda sem data de lançamento. Na 50ª visita ao Brasil, Hans Ulrich Gumbrercht, professor de literatura comparada da Universidade de Standford, nos Estados Unidos, e membro da Academia Americana de Artes e Ciências, destrinchou os principais conceitos da próxima obra, como latência e estímulo, projetou sobre o futuro da carreira acadêmica e, ao fim da palestra, trocou o mundo das letras pelos gramados. O alemão comentou o seu artigo sobre o futebol brasileiro, publicado em agosto no Estado de São Paulo. 

À centena de professores e estudantes reunidos na primeira palestra da conferência As belas formas da melancolia, organizado pela PUC-Rio em parceria com a Universidade Federal de Ouro Preto e a Casa de Rui Barbisa, Gumbrercht explicou a proposta do próximo livro. Segundo ele, “Latência pós 1945” é um ensaio sobre a primeira década após o fim da Segunda Guerra Mundial. Por isso, contém muito da experiência "pessoal e subjetiva" do autor, nascido na Alemanha em 1948. A obra remete a uma geração que, por um lado, "não tinha culpa sobre os eventos de 1930 a 1945, mas, por outro, sofria com a impossibilidade de rever e esclarecer aqueles acontecimentos". Era essa, observou Gumbrercht, a razão da dificuldade do diálogo com a geração anterior. As feridas da guerra muitas vezes passavam despercebidas pelo cotidiano. Ele mesmo tinha como passatempo favorito, aos 6 anos, brincar nas ruínas provocadas por bombardeios.

 Mauro Pimentel – Nasci na Nagazaki europeia. Os pais das crianças da minha geração não falavam sobre a derrota na guerra. Convivíamos com uma situação paradoxal de culpa por um passado não vivido. Achei que latência era um bom conceito para tal situação – justificou.

O autor usou a metáfora do “passageiro clandestino” do filme Titanic, de James Cameron, protagonizado por Leonado di Caprio, para explicar o conceito principal da publicação. A latência seria representada pelo conhecimento dos seguranças de que havia um passageiro infiltrado no barco, mas não sabia-se como era, nem onde estava. A única certeza é a sua presença.

– Ao contrário da promessa e da metodologia de Freud, não existe interpretação nenhuma para se chegar ao que ficou latente – argumentou o professor, ao apontar a juventude como a fase na qual a latência é muito grande.

Por outro lado, o conceito de estímulo, também fundamental no ensaio de Gumbrercht, representa o contato físico direto, o contato com o mundo material. Nesse caso, o estímulo ou “toque” exterior sempre provocaria um estado psicológico interior. Isso seria algo que não se escolhe, independe do sujeito que o sofre.

 – Tive uma dupla intenção ao escrever o livro: produzir uma descrição densa daquele clima pós-45, não só na Alemanha, mas no mundo; e permitir uma imersão física do leitor naquela situação – contou.

Gumbrercht observou que o mundo "não para de produzir traumas!". Assim, a latência permanece entre as gerações atuais, mesmo que por novos motivos:

– Desde 1945, o suicídio da humanidade não só é pensável como é tecnologicamente possível – disse ele, referindo-se ao arsenal atômico mundial.

Na obra a ser lançada, o alemão aborda também do futuro das profissões acadêmicas, principalmente em áreas como filosofia e literatura. Para ele, não há "interesse das novas gerações tanto em consumir essas obras mais reflexivas quanto em fazer dessas matérias sua profissão". Como exemplo, usou os quatro filhos: apesar de influenciados pelo pai a gostar de ciências humanas, nenhum seguiu carreira em campos literários ou filosóficos. Gumbrercht destacou obras que admira, "apesar dos tempos de vacas magras para esses campos do conhecimento". Uma delas é a do amigo Luiz Costa Lima, professor da PUC-Rio.

 Mauro Pimentel

– Minha preocupação foi falar dessa "crise" de maneira digna – ressaltou.

O tom à primeira vista pessimista da obra não se reflete na personalidade de autor. Foram algumas as piadas durante a palestra. Simpático, o  professor alemão fazia questão de ser interrompido, caso houvesse dúvidas da platéia. No fim de sua fala, o clima de descontração ficou por conta de outro assunto dominado por ele, o futebol.  Autor de “Elogio da beleza atlética”, livro no qual escala o futebol como assunto acadêmico, algo incomum entre seus pares, ele comentou a receptividade ao artigo assinado por ele no Estado de São Paulo do último doming o(foram mais de mil e-mails de leitores). Gumbrercht explicou melhor a tese do “fim da hegemonia do futebol brasileiro”. Disse que não fora sua intenção fazer prognósticos negativos e declarou-se torcedor da seleção brasileira:

– A seleção brasileira ganhava sempre. Os melhores eram sempre brasileiros. Hoje, se você pergunta quem é o melhor jogador do mundo, ninguém vai dizer que é um brasileiro. Acho que o Brasil sempre será uma das grandes nações no futebol. Eu quero que ele ganhe a próxima Copa, mas acho que será mais difícil do que a maioria dos torcedores [brasileiros] imagina – avaliou.

O escritor destacou grandes nomes do futebol canarinho, como Pelé, Garrincha, Rivaldo, Rivelino, Ronaldo e Ronaldinho Gaúcho. Ele acredita que, em dois anos, talvez o melhor jogador do mundo volte a ser um brasileiro. Aposta em Ganso e Neymar, do Santos.

– Assisti ao jogo em Porto Alegre, na semana passada, onde o Ganso foi lesionado. Eu o vi jogar durante 75 minutos com Neymar, e fiquei muito impressionado. – elogiou.

 Mauro Pimentel Empolgado também ficou Gumbrercht diante da atuação da seleção de seu país, a Alemanha, na Copa da África do Sul. A nova geração ficou em terceiro. O sucesso deveu-se, para ele, ao time jovem, sem grandes responsabilidades no torneio, e ao "caráter multirracial do time", o que pode ter despertado um patriotismo maior em cada um deles na defesa da seleção.

– Foi a primeira vez na minha vida, com exceção de 1954, quando eu tinha 6 anos, que inesperadamente torci para a Alemanha. Achei que esteticamente foi a melhor seleção do Mundial – avaliou, referindo-se ao jogo bonito praticado por seus conterrâneos nos gramados sul-africanos.

Quando perguntado, no entanto, se não preferia a seleção alemã de 1954, a qual, segundo ele, representou a "reabilitação" do país no pós-guerra, Gumbrercht foi categórico:

– Eu prefiro ver a Alemanha de 2010 jogando como jogou e em terceiro lugar a ver a seleção ganhar uma Copa como fez em 1954 e 1990, contra times que jogavam um futebol muito mais interessante – disse o craque das letras, deixando de lado a nostalgia dos tempos de menino, quando fazia de brinquedo as crateras abertas pelas armas.