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Rio de Janeiro, 25 de abril de 2024


Esporte

"Para criar tem que destruir, é da lógica do jogo"

Juliana Oliveto - Do Portal

30/08/2010

 Arquivo Pessoal

Center-half, centro-médio, cabeça de área, cabeça de bagre, carregador de piano, brucutu ou volante. A mudança de nome ao longo dos anos só confirma a controvérsia em torno de uma das posições mais polêmicas do futebol mundial. Sempre no limite entre a habilidade e a violência, os volantes sofrem com apelidos maldosos que não se importam em distinguir aqueles que têm talento daqueles que só sabem bater.

Lançado em abril deste ano, o livro Os 11 maiores volantes do futebol brasileiro (Editora Contexto), do jornalista Sidney Garambone, editor-chefe do programa Esporte Espetacular, procura mostrar que nem só de “xerifões” vive o meio de campo. Cabeças de área talentosos e dedicados também tiveram seu espaço nos grandes times do Brasil e do mundo, e dez deles foram escolhidos por Garambone para compor uma seleção de craques.

Danilo Alvim, Zito, Dino Sani, Dudu, Piazza, Andrade, Clodoaldo, Toninho Cerezo, Dunga e Falcão são os convocados do autor e, para falar deles, outros dez jogadores foram escolhidos: Zagallo, Pepe, Zito, Leão, Raul Plassmann, Zico, Rivellino, Júnior, Taffarel e Carpegiani. O décimo-primeiro do time não poderia ser outro: o brucutu. Garambone faz uma homenagem aos jogadores truculentos, que podem ser odiados ou adorados de acordo com o resultado final.

Em entrevista exclusiva ao Portal PUC-Rio Digital, Sidney Garambone analisa o papel do volante, as mudanças que a posição sofreu ao longo dos anos e, claro, a história daquele que o autor declarou ter sido o mais controverso de sua lista: Dunga, "melhor jogador do que técnico".

Portal PUC-Rio Digital: O senhor disse ter ficado feliz e se inspirado no livro “Os 11 melhores técnicos do futebol brasileiro”, de Maurício Noriega, ao ser convidado para escrever sobre volantes. Como surgiu seu fascínio pela posição?

Sidney Garambone: Na verdade não surgiu, mas foi um desafio porque foi a editora que escolheu a posição. Até quando me encomendou o livro, depois de eu aceitar, pensei “Caramba, volante? Será?”, porque a gente estava em uma época – e ainda está um pouco – na qual o nome volante já era muito pejorativo. Aí eu pensei “Pô, como é que eu vou fazer isso?”, e comecei a puxar pela memória, conversar com pessoas que gostam, pesquisar... Comecei a ver que, na verdade, os volantes que poderia colocar eram só craques de bola e relaxei. Vi que ia ser um desafio convencer as pessoas que o volante já foi muito importante, que já foi muito bom jogar nessa posição. E parti para o trabalho, mesmo não tendo sido uma escolha minha. Se eu pudesse escolher teria ficado com o goleiro, que tem o ônus de não fazer gol.

P: Menos o Rogério Ceni?

SG: É verdade, mas o Rogério Ceni é exceção.

P: Zagallo disse, em uma passagem do livro, que antes o que importava era a categoria do jogador e hoje o importante é não deixar o outro jogar. Sobre Clodoaldo, o Corró do Santos, Rivellino afirmou: “Hoje ninguém carimba mais nada, não tem gente com a qualidade de um Clodoaldo”. O que mudou no futebol? Quais as principais diferenças entre os center-half do passado e os de hoje?

 Arquivo Pessoal

SG: O que mudou é que antigamente o destruir era uma coisa negativa e eu acho que o futebol acabou herdando, às vezes de uma forma exagerada, a cultura do basquete, em que a defesa é muito importante. Mas aí o problema é o equilíbrio, é você destruir para construir, e muitos times ficam só destruindo. Às vezes você realmente vê times com o sistema defensivo excelente, impenetráveis, mas depois que roubam a bola não sabem o que fazer com ela. Eu até brinquei que existe o volante "Robin Hood", que destrói e depois devolve a bola para o adversário porque não sabe passar. Eu acho que o antigo center-half conseguia fazer a função de vários volantes ao mesmo tempo, já que os times eram mais ofensivos. Alguns times tinham cinco atacantes, então imagina, a defesa, o cara e cinco atacantes, o volante tinha que ser o primeiro jogador de combate e, ao mesmo tempo, o primeiro de armação. E ele conseguia fazer isso, eram jogadores capazes de tirar a bola, fazer embaixadinha, passar a bola, lançar e, eventualmente, chegar lá e fazer gol, então eram mais completos.

P: No livro somos apresentados a volantes de diferentes estilos, mas pensando na homenagem ao brucutu – feita no capítulo 11 – podemos considerar que o verdadeiro volante é aquele que grita, comanda e, às vezes, até exagera – como Zito, Dunga e, mais recentemente, Felipe Melo?

SG: Acho que não, acho que você pode gritar de uma forma educada. Como o volante é meio que um meião, fica ali no meio e participa muito do jogo, ele acaba tendo uma função de orientação. Como um atacante não tem o “tique” de marcar, o volante fica “Marca! Volta! Cerca aqui, ali!”, então ele tem essa função, mas não necessariamente precisa gritar. O livro mesmo mostra que o Andrade não gritava e era super respeitado por todo o time do Flamengo. Acho que são características, assim como há muitos talentos com características diferentes, uma delas é gritar ou não. Por exemplo, as entradas que às vezes o jogador dá, uma coisa mais violenta, viril, em um primeiro momento pode levar as pessoas a falar “É isso aí mesmo, xerifão”, mas quando isso depois representa derrota, cartão amarelo, expulsão, o cara começa a ser considerado prejudicial. Quando o volante começa a ser uma bomba atômica que a qualquer momento vai estragar tudo, esse caráter de líder explosivo passa a ser ruim.

P: Raul, ao falar sobre Piazza, disse que “não era um pintor, se fosse não seria volante”. Ao mesmo tempo, ao longo do livro, vemos jogadores de qualidade – como Falcão. O senhor acredita que o center-médio é o menos talentoso do time, ou acha que ele pode ser um dos melhores jogadores da equipe?

SG: Vou dar o exemplo da seleção da Espanha, que foi campeã do mundo e estava se orgulhando de ter quatro volantes no meio campo. Só que eram quatro volantes que pareciam jogadores de futebol de salão, muito toquinho curto, muito driblezinho, muita marcação em bloco... Então, na verdade, acho que a gente tem a tendência a achar que o zagueiro, o volante, não são craques. É claro que a turma da frente tem mais habilidade, claro, mas acho que isso não tira o mérito de um bom volante. O que eu acho mais interessante dos volantes, não os “cracaços” como Falcão, é que muitos deles são humildes, como o Piazza falava: deixa que eu marco aqui e vocês resolvem lá na frente. Mas o "marco aqui" não era "deixa que eu faço falta", era "deixa que eu marco, aqui eu impeço o adversário de nos atacar, preocupe-se em fazer gols". Acho que essa consciência do volante é bacana.  Arquivo Pessoal

P: No capítulo sobre Dino Sani, o "maestro" do São Paulo, fica claro que ser técnico era sinônimo de jogar e usar o talento a favor do time. Hoje os jogadores são mais egoístas? Preferem usar seu talento individual?

SG: Acho que alguns jogadores muito habilidosos fazem firulas, que eu acho ótimas, divertidas, acho que futebol é circo mesmo, mas muitas vezes eles fazem firulas que vão do nada a lugar nenhum. Eu particularmente não ligo, acho divertido, acho que futebol é ganhar, fazer gol, mas tem seu lado cênico. A crítica que eles recebem – que não é minha – é: o drible tem que ser objetivo, se você vai e volta em cima de um jogador, dribla duas vezes, é porque você precisou, nunca para humilhar o adversário. Os próprios jogadores têm esse código, muitas vezes um jogador faz uma gracinha, leva uma falta e o outro dá bronca, tipo “Pô, você tá fazendo gracinha, não tá me driblando pra chegar ao gol”. Eu acho isso uma bobagem, porque futebol é isso aí, fazer drible, se quiser fazer embaixadinha faz, não está humilhando ninguém, mas mostrando que você é bom. Em vez de ficar chateado tem que dizer assim “Ah, é? Você fez embaixadinha? Quantas você fez? Seis? Eu vou fazer sete.” Isso é a melhor resposta, em vez de dar uma botinada.

P: O Toninho Cerezo foi crucificado pela eliminação do Brasil em 1982 por causa de um passe errado. Falcão, no auge da carreira, não foi à Copa de 1978. Andrade não foi convocado por Telê Santana para a Copa de 1982. O mundo do futebol é naturalmente injusto? Por quê?

SG: Vou fazer uma analogia com a Fórmula 1 (F1). Uma vez um cara que é especialista em automobilismo falou o seguinte: “Olha, para um piloto ganhar uma corrida tem que dar tudo certo. O carro não pode pifar, os adversários não podem estar mais velozes, ele tem que estar concentrado em todas as voltas, um monte de vetores para ganhar uma. E ele tem que se orgulhar pelo resto da vida ao ganhar uma corrida”. Quantos pilotos não ganham nenhuma? Em uma temporada de F1, você vai ver que três ou quatro pilotos venceram e são mais de vinte no grid. E no futebol acaba sendo um pouco isso mesmo. Conversando com jogadores e treinadores eles falam: “Poxa, você lembra do Loreno do América? Cracaço, mas não estourou. Você lembra de não sei quem? Pô, excelente, mas não vingou”. Eu acho que, às vezes, jogadores menos talentosos, mas com uma determinação muito impressionante, acabam conseguindo o sucesso. O velho exemplo do Cafu, que foi rejeitado em várias peneiras. Ele poderia ter desistido na terceira, mas ele continuou por, sei lá, seis ou sete até conseguir chegar em um time. Nesse ponto o futebol não é lógico. Um exemplo clássico, falando de Copa do Mundo de novo, é o Messi. Não fez um gol na Copa e não foi por falta de tentativa, inacreditável, parece que os goleiros resolveram só defender as bolas dele. E aí você diria “O Messi não jogou nada?”, aí é injusto demais. Há mistérios no futebol que fazem com que a gente não consiga entender certos caminhos.

P: Zé do Carmo diz que todo técnico precisa de um brucutu, afinal ele faz o trabalho de destruição para os jogadores da frente criarem. Para alguém criar, alguém tem que necessariamente destruir? Ainda há espaço no futebol para o brucutu?

SG: Para criar tem que destruir, acho que é fato mesmo, é da lógica do jogo. Começa o jogo, você está sendo atacado e tem que roubar a bola, para você poder atacar, não tem jeito. A dinâmica é essa, só que você pode roubar a bola, tirar a bola, desarmar ou pode simplesmente meter a perna no cara, fazer uma falta e tomar um gol. Então eu acho que o brucutu era caracterizado pela virilidade, chegava junto muito forte, muitas vezes com falta. Eu sou contra falta, mas tem gente que diz que a falta faz parte do jogo, é um recurso, por isso que está no código esportivo, mas o destruir aí é tirar a bola do outro, e você pode tirar com classe ou com ignorância, eu aposto nos que tiram com classe porque se você pensar bem, se você tira uma bola com classe você pode fazer um lançamento. Se você não sabe fazer isso, você vai dar um carrinho e a bola vai para fora. Você na verdade só tirou, não ficou com a posse de bola. Acho que o importante é você tirar e ficar com ela para você.

P: Sobre Dunga, Leão diz que o jogador “é sinônimo de antijogo, destruição”. Ele é o volante mais controverso da lista. E o senhor, o que pensa a respeito do Dunga?

SG: Acho que o Dunga entrou no livro por ser representante de uma época. Ele é um dos embriões desse volante de hoje que é um pouco criticado, mas ele ainda conseguia ter uma visão do jogo, uma leitura tática, foi melhorando, isso é inegável, todo mundo reconhece que ele foi evoluindo, teve a humildade de aprender. Então, no final da carreira, ele conseguia lançar, chutar de fora da área, mas tinha aquela coisa raçuda, de atenção total o tempo todo, berro, discussão, carrinho, muito carrinho. Às vezes, no mundo ideal, eu falo: “Ah, não quero um jogador assim”, mas às vezes quando você está com seu time levando uma pressão desgraçada, vai sair gol e vem um jogador seu e consegue aliviar, e começa a virar o jogo, você fala: “Ainda bem, xerifão!”. Ironia das ironias, foi o que mais se falou que faltou no time do Dunga. Não tinha ninguém que gritasse, era um bando de ovelhas.

P: Você acha que a seleção que o Dunga convocou deixou de refletir o jeito dele como jogador?

SG: Não, acho que jogou até bastante parecido com ele e talvez por isso não tenha ganhado. Porque ele era bom no que fazia, mas tinha o resto do time, então eu acho que a seleção era time de uma nota só e acho que essa foi uma das razões para não ter ido longe, não tinha opção, variedade tática. E aí, como ele era um mestre no desarme, ele fez o time, encheu de gente que desarmasse para fazer o contra-ataque, mas o meu medo era – e foi o que aconteceu – que na Copa a seleção brasileira é tão respeitada que as pessoas não atacam muito, elas ficam esperando e aí o Brasil não conseguiu fazer muito, não tinha um ou dois jogadores no meio de campo para ditar o ritmo do jogo, ficava esperando os outros atacarem.

P: A seleção de Mano Menezes ensaiou uma volta do quadrado mágico de Parreira com Pato, Neymar, Robinho e Ganso. Mas e o brucutu? Tem lugar na nova seleção brasileira?

SG: Acho que o Mano tentou não trazer um jogador com essa característica. Não que ele tenha se inspirado na Espanha, até porque o Brasil já fazia isso há muito tempo. Mas, na minha opinião, o Brasil é mais letal. Então eu acho que ele optou por jogar, recuperar esse toque de bola brasileiro, com jogadores que possam agredir e acho que ele está fazendo algo que é bem interessante. Lucas e Ramires são dois volantes habilidosos, parece que ele quis fazer um time em que todos sabem jogar. O problema é que quando você faz um quadrado mágico, se o quadrado mágico funciona, você não tem que se preocupar com a defesa porque você está com a bola a maior parte do tempo atacando, então você domina o jogo. O negócio é funcionar. Ainda é muito cedo para julgar, os Estados Unidos foram um adversário fraco, era um amistoso, mas acho um excelente começo na ideia, no conceito, tomara que se mantenha.

P: Se o senhor tivesse que escalar uma seleção hoje, quem o senhor convocaria dos dez citados no livro? E dos volantes que jogam hoje?

SG: Do livro eu colocaria Dino Sani e Falcão, mas tem que ser só dois? Então eles, com certeza. Mas eu poderia fazer um meio de campo com Andrade, Dino Sani e Falcão, seria um meio interessante. E de hoje em dia eu gosto muito do Bastian Schweinsteigner, da Alemanha, acho que ele fez uma Copa muito boa porque parecia às vezes um meia de tanto que ele ia, voltava, marcava e dominava, eu gostei muito. E também gosto do Hernanes, ex-São Paulo e atual Lázio, da Itália, acho que ele continua bem.