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Rio de Janeiro, 27 de julho de 2024


Cultura

Pioneiro da poesia digital ganha exposição no IMS

Bruno Alfano - Do Portal

23/08/2010

Mauro Pimentel/Arte

“Uma reparação”. O curador André Vallias definiu assim a exposição Erthos Albino de Souza. Poesia: do dáctilo ao dígito, que será inaugurada terça-feira, 24/08, no Instituto Moreira Salles (IMS). Erthos Albino (1932-2000) é considerado um grande fomentador dos movimentos de vanguarda da poesia brasileira nas décadas de 1960 e 70, mas foi também artista, com uma surpreendente produção: poesia digital do início da década de 70. Pouco conhecido, o poeta, apesar de patrocinar outros artistas, nunca teve vontade de publicar sua própria criação que permaneceu guardada até agora, mas será apresentada pela primeira vez ao público até 24 de outubro no IMS da Gávea, no Rio de Janeiro. Além de André Vallias, a exposição tem curadoria também do poeta, tradutor e pesquisador Augusto de Campos. No dia da abertura, às 19h30, os curadores e o poeta Carlos Ávila participarão de uma mesa redonda.

Mineiro de Ubá, erradicado na Bahia, Erthos apoiou financeiramente movimentos marginalizados, por serem de vanguarda, como a poesia concreta e a tropicália. Além de pagar publicações de nomes como Haroldo e Augusto de Campos – ainda desconhecidos na época –, editou, entre 1973 e 1980, a revista Código – publicação de grande importância entre os poetas e que abria espaço para jovens artistas.

– A revista criou um relacionamento muito profícuo entre os paulistas concretistas e os baianos tropicalistas – afirmou um dos criadores do concretismo, Augusto de Campos.

 Arquivo Augusto de Campos A aproximação de Augusto de Campos com Erthos se deu pela paixão de ambos: a poesia. Augusto possuía um projeto de resgatar a obra (do século XIX) do maranhense Souzândrade. Erthos nunca havia encontrado com o paulistano Augusto, mas conhecia seu trabalho e resolveu dar o aporte financeiro que o livro precisava. Essa primeira aproximação rendeu 30 anos de correspondência.

– Ele era um cara tímido, reservado. Pensava mais no trabalho dos outros do que no próprio – disse Campos.

Entretanto, apesar da grande importância nos bastidores, só a partir de amanhã que o “ubaiano” – como se intitulou – ganhará sua primeira exposição, dez anos após sua morte. Nela, serão apresentados 40 trabalhos do artista.

– A exposição é uma homenagem e uma reparação a um pioneiro da chamada poesia digital e poesia visual – afirmou Vallias.

Grande parte da exposição é da coleção pessoal de Augusto de Campos.

 Lygia de Azeredo Campos– Ele me mandava, mas não se animava em publicar o próprio material – afirmou Campos – Em sintonia com outros lugares do mundo, Erthos é um precursor da arte digital no país.

Na década de 1960, trabalhando como engenheiro em uma grande empresa de petróleo do país, Erthos teve acesso aos primeiros computadores que chegaram ao Brasil. O uso da máquina, entretanto, foi além do campo profissional. O poeta-engenheiro começou a fazer análises estatísticas de textos literários.

– Ele pegava determinado texto, título ou nome e submetia isso a operações digitais. Assim, transformava esses textos em objetos visuais, feito com letras dessas palavras – lembrou Campos (à direita da foto com Erthos Albino). 

 Arquivo Augusto de Campos Depois, foi mais adiante: desenvolveu uma linguagem própria e criou os poemas computacionais. NA verdade, sua obra possui três fases: os dactilogramas, poemas datilografados em máquinas de escrever; os computadorizados; e, por último, os poesignos.

– Os dactilogramas são bem organizados, bonitos. O poesigno é uma espécie de logograma artístico. Ele pegava, por exemplo, a palavra PAGU e com as letras P e G fazia uma variante logográfica sobre isso. Uma experiência com signos, muito interessante – explicou Campos.

A poesia computacional é uma vertende da poesia concreta, uma invenção da vanguarda paulista da década de 1950. A ideia dos concretistas – Décio Pignatari, Haroldo e Augusto de Campos – era que a poesia ocupasse lugar no papel, ou seja se tornasse espacial, calcada em três vetores: 

 Arquivo Augusto de Campos – A poesia já não é só linguagem verbal, mas é também visual e sonora – explicou Vallias. – Os vetores aparecem na poesia concreta de maneira mais ou menos acentuada, mas sempre presente. 

Nos últimos anos de vida, Erthos Albino sofreu de Mal de Alzheimer, vindo a falecer em 2000.

– Nos últimos anos, ele não se lembrava das pessoas. Infelizmente, por causa da enfermidade, não pôde desfrutar das enormes transformações digitais ocorridas a partir dos anos 1980 - lamentou Campos.