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Rio de Janeiro, 6 de outubro de 2024


Campus

Bambas ligados à cultura evocam o valor da diversidade

Evandro Lima Rodrigues - Do Portal

13/08/2010

Mauro Pimentel

Se o Brasil tivesse de trilhar só um caminho para a cultura, ganharia a passarela dos sambas de raiz e antigos carnavais, desejou Nelson Sargento, 86 anos, mais de 150 sambas, diante da plateia formada essencialmente por estudantes. Mas, se a cultura é ampla, “é tudo”, deve contemplar "várias possibilidades", rebateu o antropólogo Otávio Velho. No mesmo tom, o professor Frederico Lustosa, da Fundação Getúlio Vargas, enxerga na afinação entre cultura e mercado um importante compasso para desenvolvimento sustentável do país. “É possível desenvolver um projeto de nação tendo a cultura como centro”, reforçou. Reunidos no primeiro ciclo de palestras Caminhos do Brasil, quarta-feira, na PUC-Rio, os três bambas, de áreas e partituras distintas, apontaram alguns enredos para embalar as ambições culturais brasileiras.  

Saudoso da época em que carnaval era sinônimo de “samba para pobre”, Nelson Sargento criticou as sucessivas modificações da maior festa popular do país – principalmente nas escolas de samba. Segundo o compositor, a industrialização dos desfiles, inicialmente destinados aos pobres, desbotou a originalidade da folia:

– Quando as escolas de samba começaram a receber grupos de outras classes, não conseguiram evitar sua imposição cultural. Hoje, na avenida, há um tempo regimentar para tudo.  Perdeu-se a possibilidade de sambar à vontade.

 Mauro Pimentel Sargento propôs a revalorização dos traços autênticos da cultura e, em particular, do carnaval, influenciado por um  “mercado que cria rainhas de bateria e acorrenta os passistas, impossibilitados de se divertir livremente,”.

– Sofisticação e tecnologia tiraram a originalidade do samba. Transformaram o desfile num espetáculo apenas visualmente bonito – disse o sambista, com autoridade de bamba e lábia de malambro.

Otávio Velho ponderou, no entanto, que as tradições estão sujeitas ao dinamismo predominante na cultura. O antropólogo considera que esse movimento de criação recriação possa se converter em novidades e reinvenções positivas.

– A modernidade, o desenvolvimento e a tradição se embaralham. A recriação da ideia de comunidade quilombola, por exemplo, é uma reinvenção em nome da tradição.

Para harmonizar o discurso da recriação positiva, Otávio Velho remontou ao nascimento das próprias escolas de samba. Foram um desdobramento dos blocos de carnaval, lembrou ele. Ambos permanecem, confirmando a dinâmica de trocas culturais no país:

– Precisamos pensar numa “interculturalidade”. Um instrumento para colocar os desiguais numa posição simétrica – propôs o antropólogo, para quem o mercado deve estar alinhado a essa perspectiva – A cultura é feita de várias possibilidades, arrematou.

Uma dessas possibilidades, apontou o professor Frederico Lustosa, passa pela aceitação do mercado como necessário à produção cultural. Pois, segundo ele, o desenvolvimento econômico do país tende a favorecer a afirmação da cultura:

– É possível desenvolver um projeto de nação tendo a cultura como centro. Existe uma cadeia produtiva que deve ser avaliada. A cultura não é um obstáculo ao desenvolvimento.

Sem fugir à melodia desenvolvimentista, Otávio Velho chamou a atenção para a potência cultural dos saberes de povos nativos, principalmente da Amazônia, objetos de estudo de pesquisadores estrangeiros. O antropólogo ressaltou, neste sentido, o papel essencial da universidade para a criação e propagação cultural. Para ele, o espaço acadêmico deve estar cada vez mais aberto à cultura popular e à pluralidade:

– É preciso valorizar a diversidade. A academia precisa se abrir para um encontro de saberes consciente, em que a tradição não se opõe ao desenvolvimento.