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Rio de Janeiro, 26 de abril de 2024


Cultura

A "poesia seca e felina" do cinema de Vladimir Carvalho

Juliana Oliveto e Luísa Sandes - Do Portal

27/08/2010

 José Varella

No ano em que Brasília completa 50 anos, o Festival Brasileiro de Cinema Universitário (FBCU) homenageou o documentarista paraibano Vladimir Carvalho, que tem a cidade idealizada pelo ex-presidente da República Juscelino Kubitschek (1956-1961) como “um dos principais objetos de suas pretensões no cinema”.

Se antes o foco de sua obra era voltado para o Nordeste, sua chegada à capital para um festival de cinema, em 1969, deslocou seu olhar para o universo recém construído de Brasília. Carvalho estava à procura de nordestinos que imigraram para construir a cidade e, durante sua busca, ouviu falar sobre uma “matança de operários”. O cineasta percebeu, então, que tinha o dever de fazer um filme denunciando tal barbárie. O resultado foi Conterrâneos velhos de guerra, projeto lançado em 1990 que levou 20 anos para ser concluído e denuncia as precárias condições dos cerca de 50 mil operários que trabalharam na construção da capital.

Vladimir Carvalho chegou definitivamente a Brasília em 1970, quando a cidade tinha cerca de 300 mil habitantes, uma população considerada pequena para a capital do país que, segundo o IBGE, já tinha 2.606.885 moradores em 2009. Pouco tempo depois dava aulas no curso de cinema da Universidade de Brasília (UnB). Carvalho nunca pensou que ficaria tão próximo da realidade do lugar a ponto de “se iludir de poder registrar parte dela”.

– Brasília é um microcosmo onde se espelha o macrocosmo do país. Interesso-me pela vida social, política e cultural vista daqui, onde o Brasil ecoa com estrondos e, às vezes, escandalosamente – revelou, da capital.

 José Varella

A partir de então, a política ganhou espaço em sua obra. A invasão da UnB pelo regime militar, por exemplo, é o principal tema do filme Barra 68 – Sem perder a ternura. O documentário, exibido no FBCU no dia 29/07 e que, em seguida, foi tema de debate com o próprio diretor, relembra os anos de chumbo vividos na UnB por meio de entrevistas com professores e alunos que vivenciaram essa época. Ao relembrar a ditadura, o documentarista afirma que “o que não pode destruí-lo, o torna mais forte”. Para ele, a invasão da universidade pelo regime militar foi uma agressão contra a inteligência.

A conjuntura política e as ideias que circulavam nesse campo exerceram fascínio sobre o cineasta que “já estava predisposto a essas cogitações”. Carvalho revela que, mesmo sem consciência, tudo o que fez estava permeado desses elementos.

– Não considero que arte para ser boa tenha que ser política. No entanto, a política segue sendo um tema como qualquer outro, o que não impede de existirem muitos filmes políticos de péssima qualidade estética.

De acordo com o cineasta e professor de cinema da PUC-Rio Sílvio Tendler, mais do que fazer um cinema político, Vladimir “é um crítico politizado que fala sobre a Paraíba e é uma espécie de João Cabral de Melo Neto do cinema”.

– Ele faz uma poesia seca, felina. Vladimir se interessa pelos homens da terra e se preocupa com questões sociais. Ele é um grande exemplo, um imigrante que foi amadurecendo ao longo de sua obra. O último documentário dele, O engenho de Zé Lins, é lindo e contundente. Não tenho adjetivos para descrever a beleza desse filme – elogiou Silvio Tendler.

 José Varella

Segundo o próprio Vladimir, o que existe por trás de seus filmes é uma câmera rodando “ao longo e à volta de alguma coisa que traga indagações ou um convite para participar solidariamente da aventura humana”. Desde que pegou em uma câmera pela primeira vez, há mais de 50 anos, sua obra sofreu mudanças não só na temática, mas na maneira de – literalmente – fazer cinema.

– Meu repertório mudou, a vida se encarregou de trazer novos desafios e temas, seja na esfera social ou nas indagações mais profundas da condição humana e existencial. Mas as ferramentas de trabalho também foram se transformando, facilitando a abordagem especialmente no campo do documentário – explicou.

Vladimir Carvalho, que é irmão do também cineasta Walter Carvalho, começou a carreira escrevendo críticas para os jornais A União e Correio da Paraíba. Foi co-roteirista de Aruanda (1960), de Linduarte Noronha, um dos documentários que marcaram o início do Cinema Novo. Nesse momento, Vladimir ingressou na carreira de cineasta e morou em diversos lugares, como João Pessoa, Salvador e Rio de Janeiro, cidade onde acompanhou a passeata dos 100 mil, organizada pelo movimento estudantil que protestava contra a ditadura militar. Depois foi para Brasília, local “que ama e onde transita folgadamente”. Ao chegar, o documentarista tinha 35 anos. Hoje, com 75, é embaixador cultural de Brasília, junto com outras personalidades.

Para o organizador do Festival de Cinema Universitário, Eduardo Cerveira, Vladimir Carvalho é uma personalidade do cinema brasileiro e um documentarista renomado.

– A gente sempre escolhe alguém ligado à profissão e ao ensino do cinema para homenagear – contou Cerveira.

 José Varella

Carvalho, que lecionou na UnB por 23 anos, confessou que a homenagem do festival lhe trouxe muita alegria, porque foi uma “espécie de reencontro com um meio familiar”. Mas ressaltou a importância de se ter cuidado para não embarcar na “maionese da vaidade” que pode aparecer quando se é alvo de homenagens.

– Fiquei muito feliz em ver que o mesmo festival que praticamente vi nascer e participei exibindo meus filmes segue de vento em popa e consolidado nos seus 15 anos de existência – disse.

Vladimir se prepara para lançar seu 14° filme, Rock Brasília, que começou a fazer em 1988. O documentário fala sobre a geração de cantores e grupos de rock que fazia músicas de protesto como Cazuza, Renato Russo, Capital Inicial e Paralamas do Sucesso.