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Rio de Janeiro, 27 de julho de 2024


Cultura

"Livros de uma biblioteca são indivíduos numa sociedade"

Juliana Oliveto - Do Portal

10/08/2010

Editora Record/Divulgação

Uma das maiores lojas virtuais dos Estados Unidos, a Amazon.com anunciou que a venda de livros para o Kindle – seu leitor de livros digitais, os e-books – superou a venda de obras de capa dura em uma proporção de 143 para cada 100 exemplares impressos, nos últimos três meses. A diferença fica ainda maior se levado em conta apenas o mês de junho, quando a cada 100 livros “físicos” foram vendidos 180 exemplares para o Kindle.

Os dados, divulgados em julho deste ano, deixam de fora os títulos que já estão em domínio público e os números relativos à venda de brochuras, livros que não têm capa dura e são normalmente de qualidade gráfica inferior. Mesmo assim, é certo que os livros digitais já ocuparam o seu espaço no mercado e estão aqui para ficar.

Com isso, não à toa, ganhou força o debate sobre o fim do livro impresso. Nesse contexto, a editora Record lançou, no Brasil, em 2010, a obra Não contem com o fim do livro, uma grande conversa entre dois dos mais importantes bibliófilos do mundo: o cineasta francês Jean-Claude Carrière e o escritor e pensador italiano Umberto Eco. O volume, organizado pelo jornalista Jean-Philippe de Tonnac, aborda as origens, a história e os rumos do livro.

Longe de acreditar na extinção do livro impresso tradicional, Eco e Carrière defendem sua permanência. Relembram seu surgimento, suas transformações e contam casos peculiares a respeito da "cultura do papel". O Portal PUC-Rio Digital conversou com a diretora da Divisão de Bibliotecas e Documentação (DBD) da universidade, Dolores Rodriguez Perez, que acredita que, mesmo com as mudanças sofridas ao longo do tempo, o livro não perderá sua essência, como fonte de registro de conteúdo e transmissão de conhecimento.

Portal PUC-Rio Digital: “O e-book não matará o livro, assim como a invenção de Gutemberg não suprimiu os códices”. Em Não contem com o fim do livro, tanto Umberto Eco quanto Jean-Claude Carrière concordam com essa afirmação. Então o que muda com a chegada dos e-books, os livros eletrônicos?

Dolores Rodriguez Perez: Mudam as plataformas de leitura e, também, as condições de produção intelectual, porque com o meio digital a produção acadêmica nas universidades, nas academias, têm uma outra forma e meio de se comunicar. Porém, a essência e o papel do livro permanecem, que é o registro de conteúdos, a transmissão do pensamento, do conhecimento e do saber, e isso vai continuar seja qual for o suporte. O que eu acho que está acontecendo é que, com as novas tecnologias, essa mudança tem sido mais rápida. Com isso, vem uma outra preocupação, que é a preservação desses registros, porque se os suportes que você precisa estão sempre mudando com rapidez, temos que cuidar daquilo que está registrado em suportes que ficam obsoletos, para não perdermos, com o tempo, o conteúdo registrado. Nesse ponto o papel é até mais duradouro.

P: Pensando nos livros “virtuais”, lidos nos computadores ou leitores digitais, quais as principais vantagens em relação ao livro “tradicional” e quais as principais desvantagens?

DRP: Os livros digitais vieram propiciar uma maior distribuição e difusão dos conteúdos. Por exemplo: quando eu tenho um livro impresso, apenas uma pessoa pode lê-lo, mas se tiver esse livro no formato digital, uma infinidade de leitores pode ter acesso simultâneo a ele. E isso quebra barreiras tanto de tempo quanto de espaço. Claro que não é tão agradável você ter que ler um livro no computador, muito mais agradável é você realmente folhear um livro, mas você consulta um livro ou um conteúdo com "n" finalidades. Em uma consulta rápida, tirar uma dúvida, por exemplo, no mundo digital você pode recorrer ao objeto a qualquer momento, com o livro impresso você já tem alguma dificuldade, não tem um acesso tão pronto. Eu vejo que o livro eletrônico é um recurso novo, mas excelente para a educação e o ensino, principalmente a educação à distância. Como desvantagens, requer um aparato tecnológico que se desatualiza, exigindo cuidados especiais com relação à preservação dos conteúdos digitais. Já os livros tradicionais podem ser levados a qualquer lugar e a qualquer hora. Não precisam de cabos e conexões para a leitura – que é mais agradável – seu suporte não se desatualiza e os volumes já podem ser feitos em material totalmente reciclável.

 Camila Grinsztejn

P: Como a senhora acha que a internet tem influenciado o mercado literário, especialmente no ramo acadêmico?

DRP: Com certeza a internet veio facilitar e ampliar a conexão das pessoas com os recursos e serviços de informação. Para o meio acadêmico, é um espaço que possibilita a geração, o compartilhamento e a disseminação do conhecimento, da informação. A produção acadêmica vivencia hoje uma nova tendência – o acesso livre a resultados de pesquisa, especialmente artigos publicados em periódicos, que podem ser depositados em repositórios institucionais ou em periódicos científicos pelo próprio autor. O acesso aberto emprega tecnologias desenvolvidas por grupos de trabalho vinculados à comunidade da Open Archive Initiative (OAI). São representantes de instituições espalhadas pelo mundo e que defendem o livre acesso porque as publicações técnico-científicas passaram a ter um custo elevadíssimo. As bibliotecas que apóiam programas de pesquisa, instituições que desenvolvem pesquisa, elas precisam manter assinaturas dos periódicos impressos e todo ano essa renovação representa um custo muito alto. Você já encontra, com livre acesso, alguns artigos que estariam somente em bases de dados pagas. É um movimento que já tem alguns anos, mas ainda se arrasta por causa da polêmica quanto ao que vai acontecer com os editores desses periódicos.

P: Na opinião da senhora, por que ainda hoje os livros despertam tanto interesse, a ponto de ainda existirem bibliófilos apaixonados e novos colecionadores?

DRP: Porque ainda há em algumas pessoas uma certa resistência a usar essas novas tecnologias. É muito mais fácil para um adolescente dominar todos esses aparatos. Uma pessoa de uma geração mais antiga tem mais dificuldade, eu acho também que isso acaba afastando um pouco as pessoas da tecnologia. Os livros são fonte de inspiração, de conhecimento e de saber, nos fornecem elementos para reflexão, argumentação e muitas vezes resposta às nossas indecisões e indagações, por isso são considerados verdadeiros tesouros.

P: Como perceber a influência do livro na sociedade?

DRP: As formas de registro impresso influenciaram e facilitaram a difusão de novas ideias. O livro tomou impulso no século XVI, tornando-se mais acessível às pessoas que sabiam ler. Desempenhou também um papel importante na difusão dos textos da antiguidade clássica, e a partir daí começaram a surgir traduções e literaturas nacionais, porque até então a maioria dos textos era em latim e, à medida que as civilizações foram se aprimorando, foi necessário traduzir esses textos para poder atingir um número maior de pessoas. Na época da Reforma, com Lutero e Calvino, eles usaram a imprensa realmente para divulgar novos dogmas da religião, atingir o povo. Isso começou na Alemanha e depois se estendeu para o resto da Europa. Não só livros, mas panfletos, cartazes e editais impressos. Eles usaram muito desse meio impresso para poder mudar, ir contra Roma e a Igreja, colocando novos dogmas e desenvolvendo o protestantismo.

 Camila Grinsztejn

P: Vamos supor que um incêndio tomasse conta das bibliotecas da PUC-Rio. Nesse caso, quais livros a senhora salvaria do fogo?

DRP: Eu não sei dizer que livros eu salvaria, porque acho que os livros de uma biblioteca são como indivíduos numa sociedade. Então, eles estão aqui para cumprir um objetivo, assim como nós, cada um tem sua característica, o seu perfil. Uma das primeiras atividades da biblioteca é o processo de seleção, o que incluir no nosso acervo, voltado exatamente para os objetivos da PUC, dos seus programas de ensino e pesquisa. Então tudo o que a gente tem aqui, se foi para o acervo, é porque tem uma função para os objetivos da instituição. O livro que está desgastado, não tem mais condição de uso, ele é retirado. O livro que está obsoleto, que não tem mais sentido, uma vocação histórica, ele é descartado. Então presume-se que tudo o que esteja aqui realmente seja de valia para os nossos usuários e a gente tem que salvaguardar e preservar todos. Eu, como diretora da DBD, tentaria salvar a todos porque não teria como dizer que esse seria mais importante que aquele, então eu procuraria salvar todos os livros da biblioteca.