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Rio de Janeiro, 27 de abril de 2024


País

"Não se vence eleição sem aliança com políticos mal vistos"

Clarissa Pains - Do Portal

04/08/2010

Divulgação


A geografia do voto nas eleições presidenciais do Brasil: 1989-2006, Cesar Romero Jacob; Dora Rodrigues Hees; Philippe Waniez; Violette Brustlein

A Editora PUC-Rio lançou o livro A geografia do voto nas eleições presidenciais no Brasil: 1989-2006, dos professores e pesquisadores Cesar Romero Jacob, Dora Rodrigues Hees, Phillippe Waniez e Violette Brustlein. O trabalho é uma análise do comportamento geográfico-eleitoral do país nas últimas cinco eleições e mostra como Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso e Lula chegaram ao poder com mapas eleitorais bastante semelhantes. O livro é uma publicação da editora da universidade em parceria com a Vozes.

Nesta entrevista ao Portal PUC-Rio Digital, o professor do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio Cesar Romero Jacob, um dos autores da obra, afirma que a disputa pela Presidência na eleição deste ano será acirrada, pois os dois candidatos que polarizam o pleito – Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) – adotam uma estratégia pragmática sobre o cenário eleitoral do país e têm sólidas estruturas de campanha. Segundo ele, PT e PSDB têm muito em comum e a união entre os dois poderia poupar os presidenciáveis das alianças com políticos mal vistos pela opinião pública. “O país deixaria de ser refém da briga paulista”, afirmou.

Portal PUC-Rio Digital: Que conclusões o senhor tira do trabalho apresentado no livro?

Cesar Romero Jacob: O que se observa é que os eleitos presidente venceram do mesmo modo. Fernando Collor foi o primeiro a entender as estruturas de poder sobre o território nacional e que, para ter uma candidatura vitoriosa, é preciso articular essas estruturas a seu favor. No Brasil, um eleitorado bastante expressivo se encontra nos pequenos municípios pobres do interior. Esse mundo dos grotões é dominado, de modo geral, por oligarquias políticas. Há, no lado oposto, as capitais, onde existe uma classe média bastante expressiva e autônoma politicamente. Portanto, é necessário ganhá-la pelo discurso. Entre esses dois mundos, há uma periferia metropolitana pobre, onde há máquinas populistas ou forte influência dos pastores pentecostais.

P: E o argumento de que a mídia elegeu Collor?

CRJ: Collor foi o primeiro dos pragmáticos e entendeu que, para ganhar eleição, é preciso discurso e máquina. Em 1989, surgiu esse mito de que a mídia o elegeu – e depois o destituiu. Não nego que a mídia efetivamente apoiou Collor, mas não foi o que o elegeu. Lula, Leonel Brizola e Mário Covas (2°, 3° e 4° colocados, respectivamente) fizeram uma campanha voltada para o voto ideológico, de esquerda. Eles provavelmente acreditavam que bastaria ter o voto dos grandes centros urbanos. Cinco anos depois, Fernando Henrique Cardoso entendeu que não bastaria o Plano Real para ganhar a eleição. Então, fez alianças políticas com as forças que haviam sustentado Collor. Na eleição seguinte, FHC se aliou a Paulo Maluf, por exemplo, então prefeito de São Paulo. Mesmo com toda a má imagem de Maluf, ele atrai um bom número de eleitores. Isso é pragmatismo. Em 2002, Lula já é um candidato pragmático, ainda que envergonhado. Quatro anos depois, porém, esse pragmatismo se torna explícito. Este ano, vemos pragmatismo dos dois lados. É óbvio que Serra e Dilma não ficam confortáveis em fazer alianças com políticos mal vistos pela opinião pública, mas não se vence sem eles. Não há solução, pelo menos por ora. Do jeito que as coisas estão estruturadas, não há saída: ou os candidatos sujam as mãos ou não ganham.

P: É difícil hoje classificar os políticos como “de direita” ou “de esquerda”, porque, muitas vezes, eles adotam posturas que não condizem com seus rótulos. Essa é uma tendência para o Brasil? Que os conceitos se misturem cada vez mais? Camila Grinsztejn

CRJ: No Brasil, a direita sumiu e a esquerda foi para o centro. O PSDB de Mário Covas era um partido de centro-esquerda que, com o FHC, se deslocou para o centro. O PT era de esquerda nas três primeiras eleições, mas, quando Lula se torna o líder da esquerda, vai para o centro com o objetivo de arrebanhar mais votos. Serra tem um partido de direita que o apóia, o DEM; e também um partido de esquerda, o Partido Popular Socialista (PPS). Com a Dilma acontece a mesma coisa: tem o apoio do PMDB, que seria de centro-direita; e tem o Partido Comunista do Brasil (PC do B). Isso gera certa confusão, porque a base de sustentação do governo, o que chamam de base aliada, é muito diversificada. Portanto cada projeto tem que ser discutido no detalhe. Algumas questões vieram para ficar independentemente do partido. Por exemplo, o Bolsa Família, um elemento positivo do governo Lula, vai continuar. Onde pode ter mudança é na política externa, mas isso não altera a vida das pessoas. O PT e o PSDB são muito parecidos. Existe contradição nas duas candidaturas. Essa contradição não existiu até 1998, porque o PT só fazia alianças no campo da esquerda, e o PSDB só fazia no campo da direita. No momento em que todo mundo faz igual, não há diferença.

P: Se o PT e o PSDB são tão parecidos, por que não se unem?

CRJ: Porque eles são fortes no mesmo lugar, em São Paulo, que tem 1/3 do PIB, 22% do eleitorado e é o centro do capitalismo brasileiro. O PSDB é o partido preferido da elite empresarial e o PT é o preferido da elite sindical. Não há mais uma briga ideológica, entre direita e esquerda. Aquele clima de 1989, que se reproduziu em menor escala em 1994 e em 1998, acabou. Hoje, há uma briga entre duas máquinas políticas pragmáticas. Se elas se aliassem, não precisariam fazer tantas concessões e alianças com políticos mal vistos pela opinião pública. O país pagaria um preço mais baixo, deixaria de ser refém da briga paulista. No entanto, isso não está na ordem do dia.

P: O senhor vê possibilidade de isso acontecer?

CRJ: Talvez depois das eleições deste ano as pessoas comecem a perceber que o preço pago não compensa. A história já nos mostrou várias vezes que, em algum momento, arquiinimigos param a briga e se tornam aliados. Pode ser que, daqui a algum tempo, intelectuais ligados aos dois partidos incentivem uma união. Então, PT e PSDB podem descobrir que é melhor um mau acordo que uma boa briga.

P: Qual é a sua perspectiva para o futuro político do país?

CRJ: Começa a se criar uma consciência entre intelectuais e políticos de que, em nome de um projeto, talvez fosse o caso de acabar com essa briga entre PT e PSDB. Vamos imaginar o seguinte projeto: até 2015 o Brasil provavelmente será a quinta maior economia do mundo. Com uma boa gestão, poderá ser a terceira em 2022, data em que completa 200 anos de independência. Isso poderia constituir a base de uma aliança pensando no futuro do país. Para chegar à posição de terceira maior economia mundial, é preciso diminuir os conflitos políticos internos.

P: O senhor vislumbra alguma outra maneira de fugir desse pragmatismo?

CRJ: Além de PT e PSDB se unirem, há outra saída, mas de longo prazo. A classe média é mais independente no seu voto porque tem escolaridade, renda e tem dinheiro para pagar por serviço particular. Já os pobres dos grotões têm baixa escolaridade, baixa renda e, muitas vezes, para ter acesso ao serviço público – que não funciona –, dependem do político da região. Isso cria o clientelismo político. Aumentando a escolaridade e a renda da população, o problema é resolvido.

 Camila Grinsztejn

P: O programa Bolsa Família já começou a mudar o pragmatismo histórico no Brasil. Agora, os eleitores nos grotões não votam necessariamente em quem as oligarquias regionais mandam. Isso significa que eles estão mais independentes ou que agora a dependência é em relação ao governo?

CRJ: O Bolsa Família é diferente, por exemplo, do Cheque Cidadão que Garotinho criou quando era governador do Rio. Quem oferecia o Cheque Cidadão eram as igrejas evangélicas, o que criava uma relação de dependência. Já o Bolsa Família, seguindo o Bolsa Escola, é um recurso federal distribuído pelas prefeituras, não importa qual seja a sua cor partidária. Ele proporciona uma melhoria geral da vida das pessoas, o que as torna agradecidas. Mas, qual é a diferença disso para o Plano Real, por exemplo? O que acontece é que, como o programa está associado ao Lula, pode haver voto de gratidão a ele, mas não é diferente do voto de gratidão a FHC por conta do Plano Real. Se não há ideologia em jogo, as pessoas votam pelo bolso, o que não é ilegítimo. A paixão política diminui, mas é assim também nos países desenvolvidos.

P: Se todos agem da mesma forma, como um candidato pode se diferenciar e ganhar a eleição?

CRJ: Aí entra a influência das conjunturas. A atual é favorável à Dilma. Se Lula tem 78% de aprovação, é porque a grande massa da população está satisfeita com o governo e quer sua continuidade. Em tese, Dilma tem mais palanques e mais alianças, porque os políticos querem pegar carona na popularidade de Lula. Serra, por sua vez, vive uma contradição semelhante à de 2002. Nesse ano, enquanto havia um desejo de mudança, Serra era o candidato da continuidade. Agora, ao contrário, ele é o candidato da mudança quando há o desejo de continuidade. O tucano vive a mesma contradição que Lula viveu em 1994. Se Lula dissesse que era a favor do Plano Real, incentivava a candidatura de Fernando Henrique, e se dissesse que era contra – como fez, e por isso perdeu –, batia de frente com a população. No entanto, um aspecto favorável a Serra é que ele tem mais traquejo que Dilma. Como ela não tem experiência, pode pôr tudo a perder com uma simples resposta mal dada a um jornalista. A candidata do PT está sendo treinada, mas, como se diz no futebol, jogo é jogo, treino é treino. O que vai decidir são as conjunturas, o desempenho dos candidatos, as alianças, a competência do marqueteiro, o fato de o candidato não viver a “síndrome de Dunga” (brigar com a imprensa quando está ganhando). Não ganha quem joga mais bonito, ganha quem erra menos.

P: E quais são as chances de Marina Silva?

CRJ: A Marina está fora do jogo, porque não há terceira via no Brasil. De qualquer forma, é uma sorte termos como candidatos à Presidência três pessoas decentes, com boas biografias. Não há como dizer que não são candidatos comprometidos com o país.

Camila Grinsztejn

P: Em países como a Colômbia, por exemplo, a internet já vem alterando o modo como os políticos se relacionam com os eleitores em período de campanha. No Brasil, já há o início desse movimento. Como a internet deve influenciar a relação entre os candidatos e o eleitorado daqui para frente?

CRJ: A internet ainda é restrita a um segmento muito pequeno da sociedade. Não vamos dizer que pelo fato de o Barack Obama [presidente norte-americano] ter usado fortemente a internet nos Estados Unidos, isso valha para o Brasil. Mas acho que a internet vai ter um papel importante como instrumento de vigilância sobre a imprensa. Hoje, se acontecesse algo como a edição do debate de 1989 no Jornal Nacional, imediatamente as pessoas se manifestariam contra o JN via Twitter. Mas, lá no sertão nordestino, por exemplo, só agora chega luz elétrica. Portanto, não acredito no peso da internet para se ganhar eleição. O principal papel dela é na disputa pelo voto da classe média urbana escolarizada, sobretudo dos jovens.