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Rio de Janeiro, 24 de abril de 2024


Cultura

As palavras arquitetadas

Camila Fidalgo, Giulia Setembrino e Milene Couras - Da sala de aula

21/01/2008

Conhecido mundialmente pelos seus traços inovadores, o arquiteto Oscar Niemeyer, um patrimônio brasileiro, também se destaca em outras áreas da cultura. Muitos não sabem que, prestes a completar 100 anos, Niemeyer publicou quatro livros em 2007, alcançando a marca de 20 livros publicados. Dentre os lançamentos esteve o livro bilíngüe francês-português "Universidade de Constantine". "Universidade dos sonhos", fruto da lucidez de uma memória privilegiada, sobre seu projeto na Argélia em 1969.
Ficção, autobiografia, arquitetura, arte, são apenas alguns dos temas explorados por esse escritor, cuja carreira literária teve inicio quando, ainda em 1939, percebeu que seu desenho adquiria maior desenvoltura ao ser associado à argumentação escrita. O primeiro exemplo disso foi o memorial descritivo do Pavilhão do Brasil na Feira de Nova York, feito em co-autoria com Lúcio Costa. O projeto, compreendendo desenhos e argumentos, foi publicado na revista Arquitetura e Urbanismo.
A partir da idéia de apresentar seu trabalho de forma analítica, Niemeyer publicou o famoso "Depoimento", uma severa autocrítica sugerindo mudanças em sua própria arquitetura. Esse artigo foi publicado em 1958 na revista Módulo, criada por Niemeyer três anos antes, e o reflexo de seu conteúdo pode ser constatado no resultado de sua obra em Brasília. Inclusive, seu primeiro livro, Minha experiência em Brasília (1961), procura justamente associar desenhos mais livres a explicações sobre sua proposta arquitetônica e a nova plasticidade.
Na opinião de Marco do Valle, artista plástico e professor de arquitetura e de escultura na Unicamp, a conexão entre o projeto e o verbo se fez método de trabalho para o arquiteto. “Se os argumentos que encontro não são válidos, volto à prancheta”, já dizia Oscar Niemeyer. Com os horizontes ampliados pela nova possibilidade de expressão, Niemeyer deu continuidade a sua carreira de escritor e entre suas obras publicadas destacam-se: "Quase memórias: viagens, tempos de entusiasmo e revolta" (1968); "Como se faz arquitetura" (1986); "Meu sósia e eu" (1992); "As curvas do tempo - Memórias" (1998); "Minha arquitetura" (2000) e "Conversa de amigos" (2004).
Sem uma linearidade, pois escreve sobre temas diversos, o que fica de seus textos “é uma constante argúcia, inteligência de observação, apuro de linguagem, humor e generosidade”, conta Renato Guimarães, da editora Revan, que publicou todos os livros de Niemeyer e é também seu amigo pessoal. Os dois se conheceram em 1963 quando eram militantes políticos. Em 1978 fundaram, junto com personalidades políticas e intelectuais, o Centro Brasil Democrático – Cebrade – que teve atuação destacada no processo de reconquista democrática pós-ditadura militar. Renato Guimarães reconhece a importância de cada livro, mas confessa sua preferência por "Minha arquitetura – 1937-2005" e "As curvas do tempo", no qual Niemeyer mais se entusiasmou em trabalhar. Por se tratar de um livro de memórias, o escritor relembra em texto fácil e leve, como se saído de sua prancheta, todo o trajeto de sua carreira. Segundo crítica publicada na Revista Manchete em janeiro de 1999, além do arquiteto, está no livro também o ser humano, dotado de grande densidade, de extremo sentimentalismo e preocupado com as injustiças da vida.
Essas qualidades não estão presentes apenas no livro, mas também no próprio autor. Segundo José Carlos Sussekind, engenheiro calculista de Oscar Niemeyer há mais de 30 anos e seu melhor amigo, “O Oscar é uma pessoa muito solidária, de uma simplicidade incrível que cobre o arquiteto e o escritor”. Juntos, Sussekind e Niemeyer escreveram o livro Conversa de amigos, que surgiu a partir da troca de correspondências entre os dois. A obra reúne 56 cartas que abordam os mais variados temas, entre filosofia, cultura, história, dando um panorama do período em que foram escritas.
Sussekind conta que durante um almoço no escritório de Niemeyer em Copacabana, ouviu o arquiteto lamentar não ter, no passado, mantido correspondência com seu antigo calculista e amigo Joaquim Cardozo, que era ainda poeta, dramaturgo e intelectual. “Num impulso, ele me propôs trocarmos cartas para exercitar comigo o registro escrito que deveria ter sido feito entre ele e Cardozo 50 anos antes”. Desde o início, a intenção não era só escrever sobre arquitetura, e sim sobre qualquer assunto que fosse de interesse comum. “Cheguei a enumerar alguns temas que eu abordaria inicialmente, mas depois da primeira carta os assuntos foram fluindo naturalmente”, relata.
Após a seleção das cartas que integram o livro, a correspondência entre os dois amigos não parou imediatamente. “Ainda tenho algumas cartas guardadas, mas não tenho intenção em publicá-las. O que foi feito no livro já é suficiente”, responde Sussekind ao ser perguntado se pensa em publicar novos livros junto com Niemeyer. E acrescenta: “Foi uma experiência única, uma das melhores da minha vida”.
A relação entre Sussekind e Niemeyer começou profissional e, com o passar dos anos, se transformou em pessoal. O arquiteto renomado e conhecido internacionalmente confiou ao jovem engenheiro seus projetos inaugurais. Hoje, Sussekind tem uma empresa de engenharia que trabalha exclusivamente para Oscar Niemeyer e admite: “nos vemos todos os dias, nossos escritórios ficam a menos de três minutos um do outro e toda vez que nos reunimos falamos três minutos sobre trabalho e passamos duas horas conversando sobre outras coisas. Ele é meu melhor amigo”.
Atualmente, os dois estão trabalhando em um novo projeto para a prefeitura de Belo Horizonte. Além disso, acabam de ser sondados para mais um, em São Paulo. “Para algumas modificações que José Serra quer fazer no Parque do Ibirapuera”, conta o engenheiro. Sinal de que, às vésperas de completar um centenário de vida, Oscar Niemeyer não pára de trabalhar.