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Rio de Janeiro, 6 de maio de 2024


País

“Abert trava luta corporativa”, avalia professor da PUC-Rio

Clarissa Pains e Evandro Lima Rodrigues - Do Portal

15/07/2010

Camila Grinsztejn

A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) defendeu, na semana passada, em audiência pública na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados que o limite máximo de 30% de capital estrangeiro em empresas jornalísticas e de radiodifusão seja aplicado também aos sites e portais de notícias. Para especialistas da PUC-Rio, o tema precisa ser aprofundado. "Agindo corporativamente, a Abert e a ANJ [Associação Nacional de Jornais] podem até agravar a crise dos meios de comunicação no Brasil", alerta o professor de Direito Constitucional José Ribas Vieira.

Na opinião dele, seria mais proveitoso se a Abert defendesse a criação de um Conselho de Comunicação para avaliar polêmicas como essa, com maior participação da sociedade civil. Ribas afirma que o caminho é repensar o modelo dos meios de comunicação nacionais.

– A luta da Abert [para restringir o capital estrangeiro] é válida. Mas, da maneira com a qual está sendo conduzida, não se apresenta como uma defesa dos interesses nacionais, e sim como uma luta corporativa. O que está em jogo é uma reserva de mercado – avalia.

Para o coordenador de jornalismo da PUC-Rio, Leonel Aguiar, a polêmica foi deflagrada pela entrada de capital estrangeiro no jornal impresso, depois da venda do grupo editorial O Dia para a Empresa Jornalística Econômico S.A. (Ejesa), em abril deste ano. Segundo a ANJ, a empresa tem seu capital dividido com o Grupo Ongoing, de Portugal, que controlaria mais dos 30% permitidos. Para Leonel, a discussão sobre os sites "veio apenas a calhar":

– No jornal impresso, o capital estrangeiro nunca tinha entrado. Foi isso o que despertou a atenção dos empresários brasileiros.

Em maio, a Abert e a ANJ ingressaram na Procuradoria Geral da República com representações contra a atuação de empresas estrangeiras no mercado jornalístico. As entidades solicitaram ao Ministério Público que determinasse o cumprimento do artigo 222 da Constituição Federal, que prevê um mínimo de 70% de capital nacional para empresas desses setores. Na audiência na Câmara, em 7 de julho, o consultor jurídico da Abert, Gustavo Binenbojn, afirmou que “a Constituição é clara ao mencionar que o limite abarca toda e qualquer empresa jornalística, independente da natureza do veículo”. A associação questionou a legalidade de portais controlados por empresas estrangeiras.

O diretor-geral da Abert, Luís Roberto Antonik, argumenta que o respeito ao artigo 222 evitará concorrência desleal e prejuízo a empresas legalmente constituídas no país:

– O espírito da lei é inatacável: permitir a responsabilização pelo conteúdo editorial, garantir a valorização da cultura e a preservação da soberania nacional.

Segundo a professora de Comunicação da PUC-Rio e advogada Leise Taveira, a Constituição não determina um percentual máximo de capital estrangeiro sobre os portais que produzem e veiculam conteúdo jornalístico. Ela observa que, como não há uma legislação específica sobre o tema, a interpretação sobre a legalidade das ações dessas empresas caberá ao Supremo Tribunal Federal.

– Transfere-se para o Judiciário uma competência que seria do Legislativo – enfatiza a jurista – É necessário que haja uma discussão amadurecida envolvendo o poder Executivo, o Legislativo e a sociedade.

Para Leise, a ausência dessa discussão permite que a mantuneção de "conflitos de interesse". Ela destaca, como exemplo, o processo referente à aprovação da lei que derrubou a obrigatoriedade do diploma de jornalismo:

– Sem a interferência de organismos competentes e da sociedade, a responsabilidade recai sobre o Supremo. Sua interpretação determinará, assim como determinou o fim do diploma de jornalismo.

Leonel Aguiar ressalta a importância de um debate amplo e amadurecido, para que conveniências particulares e interesses corporativos não prediquem a qualidade e a distribuição do conteúdo jornálístico; e para adequar a legislação brasileira ao cenário globalizado:

– A Constituição de 1988 não conseguia visualizar a globalização e o capitalismo integrado. A internet é uma mídia que já nasceu globalizada. A lógica da internet é a lógica da diluição das fronteiras nacionais, do livre fluxo de capital e comércio – ressalta – Mesmo se a decisão da Abert emplacar, o seu cumprimento será difícil.

Na audiência da semana passada, o deputado Eduardo Gomes (PSDB-TO) enfatizou que a interferência de capital estrangeiro em portais de comunicação nacionais prejudica o Brasil "no que diz respeito à formulação de conteúdo jornalístico". Leise pondera, no entanto, que a imparcialidade na veiculação das notícias independe da origem da empresa ou do percentual de participação estrangeira.

– A discussão não pode ficar restrita à Abert. Se vai influenciar a população, a entidade deve trazer as questões para uma discussão ampla que envolva todos os atores do processo, entre eles a sociedade civil – reforça Leise.