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Rio de Janeiro, 18 de abril de 2024


Esporte

Quando a vida pessoal dos atletas rouba a cena da bola

Victor Canedo - Da sala de aula

08/07/2010

Getty Images

Tarde do dia 28 de março de 2008. Uma segunda-feira até então serena no Rio de Janeiro é substituída de imediato pelo alvoroço. Ronaldo Fenômeno, ainda jogador do Milan, da Itália, estava na cidade em fase de recuperação após mais uma cirurgia daquelas no joelho. O rebuliço era por conta de um envolvimento com um travesti em um motel na Barra da Tijuca.

Ronaldo é talvez a maior celebridade do mundo do futebol a estampar capas de revistas, portais nas internet e, nesse caso específico, até manchetes policiais. Eleito o melhor jogador do mundo em três oportunidades (1996, 1997 e 2002), sempre teve de conviver com a perseguição dos paparazzi, seja em Milão, Madri ou no Brasil. Uma marcação tão ou mais cerrada quanto à dos zagueiros que enfrentava, e que volta e meia é questionada no meio. Há a necessidade de tamanha fixação por um ídolo, uma estrela?

“Isso parte de uma premissa de que matéria que não diz respeito ao esporte vai parecer que é de fofoca. Isso é preconceito total, porque o personagem esportivo não é só o atleta em campo, é a vida dele inteira em campo”, argumenta Gustavo Poli, editor-executivo do site Globoesporte.com.        

A exclusividade não é do Fenômeno. Tablóides ingleses se especializaram nas últimas décadas em coberturas pobres, que prestigiam uma simples foto, ainda que banal, à naturalidade e beleza do texto. Contar histórias, uma das essências do jornalismo, já não é tão primordial assim – há ainda quem valorize, é claro. E o público comprou, literalmente, a ideia do jornalismo de celebridade. O astro David Beckham, que ganhou seu status mundo a fora mais pela grande presença na mídia do que pelo futebol em si, é um grande exemplo. São esses jogadores os novos motores?

“Talvez seja um exagero dizer que são os novos motores do jornalismo de celebridade, mas é claro que se temos alguém que gere notícias, fotos boas, fofocas - como o Adriano, ou mesmo o Ronaldo - vamos investir. Afinal, fora dos campos os jogadores também são celebridades. Queremos foto do filho do Kaká, do casamento do Robinho, da mulher do Ronaldo... Porque tudo mundo quer ver”, explica Claudia Croitor, editora do portal EGO.

No Brasil, o nome de Adriano apareceu frequentemente fora dos cadernos de esporte no mês de março. As ameaças de que seria um jogador-problema se concretizaram, e o Imperador colecionou polêmicas com a namorada, multas na carteira de motorista, refúgios em Búzios - onde também foi encontrado pelos paparazzi, diga-se. Em campo, deixou o Flamengo com metade do Império do Amor. Vagner Love, a propósito, também foi procurado pela polícia ao ser filmado ao lado de traficantes armados em um baile funk na favela da Rocinha.

A recaída de Adriano foi o chamado "gancho" que o jornalista investigativo Leslie Leitão, do jornal O Dia precisava. Ele desvendou a desregrada vida do atacante, inclusive uma suspeita de envolvimento com traficante Paulo Rogério de Souza Paz, o Mica, chefe do tráfico no Morro da Chatuba, ao colocar uma moto comprada pelo Imperador no nome de sua mãe, que sequer sabia dirigir. Adriano teve de prestar depoimentos à polícia antes de viajar para a Itália, onde atua agora pelo Roma.

“Essa história se repete há mil anos. A gente muito transcendeu essa ideia de que o atleta só vale o que faz no campo. Não é verdade, pois o que ele faz fora espelha. Eles são ídolos e responsáveis pelo que essa imagem transmite. “Ah, ele não quer ser ídolo”, argumentam alguns. Não é uma escolha dele. Se ele quer ser jogador de futebol vai ter que conviver com isso, com o ônus e bônus que essa condição dá. Já tem vários privilégios na vida, ganha dinheiro, status. E grandes poderes trazem grandes responsabilidades”, diz Poli.

Ainda no caso do Imperador, as irresponsabilidades podem ter custado caro. Por conta dos escândalos divulgados na imprensa, ele deixou de lucrar com publicidades – não que tenha feito uma baita diferença na sua conta bancária. A imagem ficou arranhada. Seus “feitos” foram lidos por milhões de pessoas. Só a confusão no morro da Chatuba, que provocou o primeiro “sumiço” do jogador, rendeu 1.373.390 acessos à reportagem no portal do EGO e globoesporte.com. A novela continuou e as informações sobre o dia da “reconciliação” com a noiva Joana Machado chegaram perto. A matéria sobre a ida de Adriano ao treino ao lado de Joana Machado rendeu mais de 1,2 mihão de visitas únicas, número tão impressionante que é maior que o dobro da circulação normal dos três grandes jornais brasileiros juntos.

“Se for uma história ótima, tipo as brigas do Adriano com a Joana Machado, costuma dar mais cliques até do que atores globais ou ex-BBB”, encerra Croitor.