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Rio de Janeiro, 5 de maio de 2024


País

Novas tecnologias de ensino não dispensam qualificação

Carina Bacelar e Lucas Soares - Do Portal

14/07/2010

Mauro Pimentel

“A tecnologia não pode funcionar apenas como uma bengala”, alerta a professora da PUC-Rio Cynthia Paes, doutora em educação. Para ela, o fraco desempenho do ensino público do Rio no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), divulgado na semana passada pelo Ministério da Educação, refletem problemas que vão além do déficit de professores e do modelo de aprovação automática adotado na capital fluminense, como afirmou a secretária estadual de Educação, Tereza Porto. “É preciso uma formação profissional continuada, focada principalmente nas disciplinas de metodologia”, propõe Cynthia.

Na visão da especialista, a tendência, defendida pela secretária estadual, de usar plataformas digitais para o auxílio no processo educacional só é válida se acompanhada de profissionais capacitados para uma utilização adequada desses materiais:

– Métodos ativos quase sempre têm melhor efeito no processo de aprendizagem. A tecnologia deve ser vista como aliada, mas não pode ser ministrada por qualquer profissional. Por isso, é importante cuidar da qualificação desses profissionais.

A professora reconhece que o sistema de aprovação automática pode ter contribuído para o péssimo desempenho dos estudantes do quinto ao nono ano (o Rio ficou em 15º).  Segundo ela, a combinação deste modelo com a suposta falta de formação específica prejudica o rendimento escolar, especialmente nas séries finais:

Camila Grinsztejn– Muitas vezes a escola é obrigada a diminuir a carga horária ou então remanejar profissionais de áreas afins para substituir. Nesse sentido, o aluno que passou de série duas ou três vezes sem critérios rigorosos, e chega a essa etapa final, acaba não rendendo o que deveria. Nada acontece isoladamente – pondera.

Para Alicia Bonamino, professora da PUC-Rio especialista em políticas educacionais, o déficit de profissionais da educação explica, em parte, o baixo desempenho dos alunos, principalmente no segundo segmento do ensino fundamental. Ela também alerta que os níveis de reprovação são altos nesta etapa, o que provoca uma "defasagem idade-série", fator de risco adicional para o fracasso escolar. Alicia diz que a “chave” para melhorar o rendimento dos alunos está em um conjunto de fatores:

– Formação de professores que dominem os conteúdos e as habilidades que precisam ensinar aos alunos, currículos claros e bem delimitados, tempo de aula maior. Todos estes aperfeiçoamentos são importantes – sugere.

Já o péssimo desempenho do ensino médio registrado no Rio de Janeiro – 26º no Ideb, à frente apenas do Piauí – pode decorrer também de um "problema de identidade histórica", não só no estado, mas de todo país. Cynthia explica que, quando criado, o ensino secundário tinha como função preparar as elites que buscavam um lugar na faculdade. Hoje, com a democratização do acesso, o antigo segundo grau deixou de ter apenas este objetivo.

Ora destinado à preparação para o nível superior, ora entendido como um aprofundamento do ensino fundamental, o ensino médio funciona também como uma preparação para a inserção imediata no mercado de trabalho. Funções complementares e ao mesmo tempo tão distintas indicam, de acordo com Cynthia, indefinição quanto à proposta pedagógica. Ela sugere "um projeto de nação" para o ensino médio, como se observa no ensino fundamental.

Divergências políticas no caminho do ensino médio

Para a professora Silvia Cristina Silva, diretora do Colégio Estadual Professor Antônio Maria Teixeira Filho, no Leblon, a vice-lanterna do Rio no ranking do Ideb está relacionada a divergências políticas que prejudicam a “continuidade de bons projetos”. Ela cobra mais investimentos no setor, especialmente em remuneração e infraestrutura.

– A remuneração baixa leva professores a assumirem jornadas duplas e até triplas, para aumentar os ganhos no fim do mês. Não somos um estado que se mobiliza pela educação. Por isso, nosso ensino médio está à frente apenas do Piauí – argumenta.

Professora de História e Filosofia do mesmo colégio, Maria das Graças Nogueira concorda com Cynthia Paes. Ela ressalta que a má qualidade do ensino decorre, entre outros fatores, da “falta de investimento em qualificação profissional”. Segundo ela, os salários baixos dificultam a especialização. Este cenário, avalia a professora, contribui para afastar os jovens do magistério, e assim agravar o déficit de professores no ensino público e até no particular.

Embora boa parte dos alunos ainda desconheça o resultado no Ideb e suas implicações, os estudantes preocupam-se com o impacto das deficiências educacionais nas perspectivas para o mercado de trabalho. Aluna do primeiro ano do ensino médio, Vanessa ficou aflita ao saber que estuda no segundo pior sistema de ensino médio do Brasil:

– Isso vai atrapalhar meu futuro profissional – aflige-se.