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Rio de Janeiro, 27 de julho de 2024


Cultura

Niemeyer, um comunista inveterado

Fernanda Alves, Manoela Barbosa, Maria Chrisá Azevedo - Da sala de aula

15/01/2008

O pensamento político de Oscar Niemeyer sempre foi muito discutido. Durante sua trajetória, o arquiteto procurou deixar clara a opção pelo comunismo. Apesar de ser constante alvo de críticas por seu pensamento radical, visto por alguns como ultrapassado, suas opiniões sobre o tema nunca deixam de ser requisitadas pelos meios de comunicação. No seu aniversário de 100 anos, Niemeyer recebe homenagens à sua obra: como não incluir também suas tão polêmicas posições políticas?

A data oficial do ingresso de Niemeyer no Partido Comunista foi em 1945. Mas, segundo o veterano Hélio Fernandes, dono do jornal “Tribuna da Imprensa” e amigo de longa data, ainda na Faculdade de Arquitetura, o arquiteto já pertencia ao "Socorro Vermelho", muito antes do Partido Comunista ser fundado e legalizado em 1932. Tanto Hélio quanto Oscar foram perseguidos durante a ditadura militar, instaurada no Brasil em 1964. No ano seguinte, em protesto contra o cerceamento às liberdades democráticas, Niemeyer retirou-se da Universidade de Brasília ao lado de outros 200 professores. Impedido de trabalhar, viajou para fora do país.

Hélio Fernandes, o único jornalista sobrevivente da cobertura da Assembléia Nacional Constituinte de 1946, conta: “Sem nenhum mandato eletivo, mas com o mandato inextinguível da genialidade e do amor à coletividade, o grande arquiteto fez política a vida inteira. Niemeyer jamais disputou cargo algum, embora se elegesse se quisesse, menos presidente da República, o sistema ou o regime não estão e dificilmente estarão preparados para homens como ele”.
Mesmo em terras estrangeiras, o militante não deixou de demonstrar publicamente sua indignação diante da opressão estatal. A qualificação “humanista” pode ser incorporado em qualquer texto relacionado a Niemeyer, que sempre pregou a igualdade, e nunca deixou de considerar que o maior problema do mundo é a desigualdade. Em repulsa à guerra do Vietnã, desligou-se da Academia Americana de Artes e Ciências em 1970.

A convicção política de Niemeyer é conhecida mundialmente. O ganhador do prêmio Nobel, José Saramago, que também é fiel ao comunismo, gravou um depoimento sobre o amigo e arquiteto no documentário “A vida é um sopro”, lançado neste ano no Brasil, Argélia, França, Itália, Estados Unidos, Uruguai, Inglaterra e Portugal. “Trata-se de ser fiel a princípios, e não a táticas, estratégias de política, conquista de poder, não tem nada que ver com isso. Trata-se de princípios e não podemos renunciar a eles. Oscar Niemeyer não renunciou e eu não o felicito. Não felicito o Oscar por não ter renunciado. Não lhe agradeço porque simplesmente é uma expressão de sua própria humanidade. Eu creio que é uma pessoa que está em paz consigo mesmo. E estar em paz consigo mesmo não é fácil. Porque vivemos num mundo de contradições, de tensões. No fundo vivemos num temporal. E manter o rumo no meio deste temporal, com ventos que sopram de todos os lados, isso o Oscar conseguiu”, afirma o escritor português.

Pensamento comunista pós-URSS

O pensamento de Niemeyer é considerado por alguns como algo ultrapassado. Depois que o comunismo foi derrotado na União Soviética, alguns analistas afirmam que o pensamento tradicional de esquerda se tornou obsoleto. No entanto, para outros, a sua visão política ainda encontra sentido no mundo de hoje. O cientista político e doutorando do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), Gabriel Mendes, considera que, apesar de Cuba ser a única “referência” para os comunistas atuais, não há razão suficiente para afirmar que o pensamento marxista tenha se tornado antiquado. “Acreditar que pelo simples fato de, historicamente, a grande experiência comunista ter acabado, o pensamento marxista tornou-se ultrapassado, é atribuir à História um valor de juiz”, analisou.

Segundo o cientista político, o pensamento de esquerda sempre serviu como uma contenção ao ímpeto capitalista tipicamente “selvagem” e hoje, depois do fracasso da experiência soviética, vive um processo de reformulação do seu discurso. Ele diz ainda que, mesmo não tendo este pretendido discurso pronto, a esquerda continua desempenhando o seu papel, que é tentar conter os avanços da direita.

Engana-se, contudo, quem pensa que o arquiteto nutre apenas idéias utópicas sobre o assunto. Mesmo com algumas críticas, Niemeyer vê com alegria o crescimento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). De acordo com ele, a luta pela terra é “justa e inevitável”. Além disso, Niemeyer apóia, ainda que com muitas restrições, o Governo Lula que, para ele, faz o que pode e cumpre bem o papel de defender a soberania do Brasil e da América Latina através de sua política externa.

Niemeyer, que sempre fez questão de misturar arquitetura e política, tem em uma de suas obras um motivo de grande orgulho. A escultura que fez para Havana, capital de Cuba, denuncia, segundo ele, o imperialismo. É uma estátua de um enorme dragão cuspindo fogo sobre um cubano, que se mantém de pé, carregando sua bandeira. Sendo assim, uma frase de Mendes corrobora e vai de encontro com as idéias do arquiteto: “Dizer que o pensamento de esquerda está ultrapassado é apenas retórica reacionária daqueles que acreditam que o mundo como é hoje corresponde ao ápice das nossas possibilidades como civilização”, disse.

Ultrapassado ou não, o pensamento de Niemeyer não deixa de gerar polêmica. Com os mais recentes escândalos protagonizados pelo Governo Lula, muitos acreditam que o sonho da esquerda foi perdido. Por outro lado, a desigualdade do capitalismo, ainda marcante nos países governados pela chamada direita, é degradante. O sonho de uma sociedade igualitária, defendida por Niemeyer ainda existe, e os seus cem anos mostram que realmente ainda falta muito para alcançarmos este tão sonhado ápice.

Foto: Divulgação de "A vida é um sopro"/Fernanda Mayrink

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