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Rio de Janeiro, 16 de abril de 2024


Cultura

Consulta sobre Lei de Direitos Autorais gera reação

Luísa Sandes - Do Portal

12/07/2010

 Divulgação

A consulta pública online que propõe redefinir o texto da Lei de Direitos Autorais, lançada pelo Ministério da Cultura (MinC) no último dia 14/06, gerou críticas e debates. As entidades que documentam e administram obras de artistas se preocupam com as propostas do MinC que, por exemplo, mesmo sob objeção do autor, permitem ao presidente da República dar licença para uma obra ser reproduzida por terceiros, desde que “atenda aos interesses da ciência, da cultura, da educação ou do direito fundamental de acesso à informação”. O MinC programou 45 dias de consulta pública e envio de sugestões à proposta de mudança da lei.

Sobre o caso, a União Brasileira de Compositores (UBC) argumenta que o autor não é apenas provedor de conteúdo e somente ele deve permitir a utilização de sua obra. Segundo a UBC, a média per capita que os artistas titulares da empresa receberam em 2009 pela reprodução de seus trabalhos foi de R$ 6.602. Para a Associação Brasileira de Música e Artes (Abramus), a sociedade não precisa de falsas consultas populares que, sob pretexto de atender aos anseios do povo, busca criar mecanismos de controle da produção intelectual, privando os autores da “sua razão de viver”.

De acordo com material produzido no último encontro do Comitê Nacional de Cultura e Direitos Autorais, composto de músicos, escritores, intelectuais, artistas em geral, a reforma na lei representa uma “iniciativa governamental que fragiliza o direito e busca um discurso populista que encanta os ingênuos, na busca de meios que coloquem obstáculos ao direito constitucional de defesa da propriedade intelectual”. No encontro, a cantora Sandra de Sá declarou que o Ministério deveria ter consultado os artistas antes de propor o anteprojeto.

– A classe artística tem que se unir. Temos que ir a Brasília defender nossos direitos e dizer ao ministro que a classe artística nunca pediu ao governo que a gestão de direitos autorais fosse mudada – atacou.

Já o Movimento Música para Baixar e o Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai), que participa da Rede pela Reforma da Lei de Direito Autoral, defendem a proposta do MinC como uma maneira de promover o diálogo com o mundo digital. De acordo com o site da consulta do direito autoral, a lei atual, lançada em 1998, não atende às necessidades da sociedade brasileira, nem garante o direito do autor. O Ministério da Cultura argumenta que com a revisão da lei pretende ampliar os “direitos fundamentais”, que atendem à ampliação da defesa dos autores (escritores, músicos, diretores de cinema) frente aos investidores (editoras, gravadoras, produtoras de cinema).

Se aprovada a mudança na lei, como proposta pelo MinC, será permitido fotocopiar livros para fins educativos, copiar obras com o objetivo de conservá-las e usar pequenos trechos para remix. Atualmente, a utilização de qualquer trecho de uma música sem autorização é passível de processo.

Para a presidente do Sindicato Nacional das Editoras de Livro (Snel), Sônia Machado Jardim, permitir a cópia de livros que estejam fora do catálogo das livrarias é motivo de preocupação. Desse modo, se uma obra estiver esgotada momentaneamente, será possível reproduzi-la sem que o autor e a editora recebam por isso. Sônia ressalta, ainda, que o projeto de lei não pode dar o mesmo tratamento a produtos distintos, como livros e músicas.

Para ampliar o papel do Estado, o MinC propõe a criação do Instituto Brasileiro de Direitos Autorais (IBDA), que terá a função de arbitrar conflitos relativos ao direito autoral e regulamentar a atuação de entidades privadas. De acordo com o MinC, as propostas vão beneficiar os criadores e os cidadãos, que terão mais acesso à cultura.

Segundo Rafael de Oliveira, coordenador-geral de Difusão de Direitos Autorais e de Acesso à Cultura, há um desequilibrio no sistema que dá espaço a lacunas e indefinições na lei, beneficiando quem tem maior poder econômico. Em relação à criação de um instituto, o MinC ressalta que não vai haver obrigação, mas a possibilidade de recorrer ao órgão sem precisar resolver conflitos na justiça comum.

De acordo com Sônia, não há necessidade de criar um órgão estatal regulamentador na área dos livros, pois não existe lado mais fraco ou forte nesse setor.

– Se um autor está insatisfeito, pode mudar de editora – defende Sônia. – A assessoria jurídica do Snel está analisando o texto da proposta de lei. Esperamos que o MinC incorpore as sugestões que vamos fazer.

Já Pablo Ortellado, professor da USP e coordenador do Gpopai, defende a criação do instituto. Para ele, o órgão público garantiria transparência e democracia na arrecadação e distribuição dos direitos autorais.

– A arrecadação coletiva precisa ser regulamentada, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) não diz como arrecada e distribui os direitos autorais. Não há supervisão – argumentou Ortellado.

O Portal PUC-Rio Digital procurou a assessoria de imprensa do Ecad, que afirmou querer deixar a discussão na voz dos artistas porque "eles são os maiores interessados e não querem a mudança na lei". Quanto à acusação do Ecad não dizer números de arrecadação e distribuição, a assessoria respondeu que foi publicado em 31/05 no jornal Folha de São Paulo um balanço patrimonial, social e de sustentabilidade dos gastos da instituição referentes ao ano de 2009.

Para o professor, as novas propostas fortaleceriam a relação do autor e do público com os intermediários, como editoras e gravadoras, que, na opinião dele, são beneficiadas pela lei em vigor. Além disso, Ortellado acredita que a lei não está adequeada ao contexto atual, no qual um professor comete um ato ilegal ao passar uma música, filme ou trechos de obras em sala de aula sem ter pago direitos autorais.

A professora do Departamento de Direito PUC-Rio e diretora executiva da União Brasileira de Compositores, Marisa Gandelman, discorda das propostas do MinC. Segundo a professora, a reforma significaria uma mudança de critério que destruiria a inteligência da lei atual. De acordo com Marisa, atualmente o Brasil segue o raciocínio francês de direitos autorais e o Ministério quer copiar moldes do sistema utilitário norte-americano, no qual não há preocupação com o autor, como se este fosse produtor e o público consumidor de conteúdo.  Arquivo pessoal 

Para a professora, a reforma pressupõe que empresas privadas são vilãs, quando na verdade os autores só transferem seus direitos patrimoniais a elas por vontade própria.

– O texto está todo mal escrito, não dá pra entender nada. As propostas não têm pé nem cabeça. Os autores estão muito bem protegidos pela lei atual, não há motivo para mudá-la. A consulta pública foi feita para arrumar confusão, não vai restar pedra sobre pedra – defende Marisa.

De acordo com as novas propostas, 50% do valor de qualquer obra iriam para o autor. O Instituto de Direito Autoral não determina valores, mas vai definir regras básicas de atuação das entidades de arrecadação, que precisarão ser registradas no Ministério. Hoje, um escritor recebe 10% do preço de capa pela venda de seus livros. Segundo a UBC, não dá para entender a que se deve esse valor de 50% proposto pela nova lei, pois, segundo a organização, hoje o controle da obra é 100% do autor e, se ele quiser, negocia porcentagens com editoras e produtoras.

As discussões relativas aos direitos autorais foram iniciadas em 2007, com a criação do Fórum Nacional de Direito Autoral, que motivou a realização do III Congresso de Direito de Autor e Interesse Público, no final do ano passado, em São Paulo. Segundo o MinC, o evento motivou a revisão da lei atual e propôs criar um novo equilíbrio entre o direito dos autores de receber pagamento por suas produções e o direito da sociedade de ter acesso a bens culturais. Com o avanço tecnológico e a expansão da internet, as barreiras entre criadores e público foram reduzidas. Isso gerou uma gigantesca reação da indústria de entretenimento, que luta para garantir seu papel de intermediária.

Para o professor Pablo Ortellado, a reforma da lei traz mudanças significativas, mas poderia propor também a legalização do compatilhamento de arquivos na internet, como baixar músicas de outros computadores. Além disso, o professor considera que as novas propostas poderiam avançar mais se incluíssem a diminuição do prazo de 70 anos de proteção da obra após a morte do autor, até que esteja em domínio público.

– A obra não circula de maneira livre durante esse tempo, o que não permite mais traduções livres, concorrência e qualidade editorial – disse Ortellado, que defende as novas propostas como uma maneira da lei acompanhar as novas tecnologias. – Hoje uma pessoa comete um ato ilegal se copia músicas de um CD para o Ipod e se converte um filme em HVS para DVD.

Segundo Rafael de Oliveira, coodenador-geral de Difusão de Direitos Autorais e de Acesso à Cultura do Ministério da Cultura, em vez de diminuir o prazo de proteção das obras, tirar o direito dos autores e fazer com que eles sejam prejudicados, o MinC prefere ampliar o direito da sociedade ter acesso aos produtos culturais. Rafael de Oliveira argumenta que uma mudança desse tipo faria a sociedade conviver com duas datas dintintas, a de antes e a de depois da reforma na lei, o que geraria problemas de observância jurídica.