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Rio de Janeiro, 19 de abril de 2024


Esporte

Nem na Copa do Mundo elas pensam naquilo: futebol

Lais Botelho - Do Portal

01/07/2010

Mauro Pimentel

O antropólogo Roberto DaMatta, professor titular da PUC-Rio, apontou em 1986, no livro Explorações: ensaios de sociologia interpretativa, a preferência das sociedades anglo-saxãs por esportes com as mãos - tênis, basquete e golfe, por exemplo. Já na América Latina os pés seduziram homens e mulheres. O futebol contagiou não só pelo esporte, mas por ingredientes como o colorido da arquibancada e a estampa dos jogadores. Mesmo na Copa do Mundo, alguns preferem esses figurantes ao jogo propriamente dito. Para a aluna de comunicação Renata Soares, o "desfile de beldades sobre a grama" despertam mais atenção do que passes, chutes, gols.

- O Júlio César, do Brasil; Veloso, de Portugal; e Cannavaro, da Itália, são sensacionais - elege a estudante.

Renata terá de encontrar novos "estímulos" para acompanhar a Copa. Dos preferidos dela, só resta o brasileiro, pois italianos e portugueses já deixaram o torneio.  

As cores também se tornam um atrativo dentro e fora do campo, desde a composição cromática cuidadosamente desenvolvida de uniformes e chuteiras - para sobressaírem na grama - até as fantasias dos torcedores. Para as estudantes Marcela Brasil, também de comunicação, e Mariana Fritz, de administração, o lado fashion da Copa dribla a lógica e tira da bola o protagonismo.

- Adoro olhar para as chuteiras dos jogadores. Outro dia tinha uma neon. Fashion para homem, não? - comenta Marcela.

- As torcidas são o diferencial. Não só pela animação, mas também pelos personagens que identificamos, como os guerreiros ingleses - ilustra Mariana - Mas o Brasil, apesar da beleza da arquibancada, perde no uniforme. As cores são horrorosas. Prefiro as da Inglaterra.

Roupas, acessórios, silhuetas, cores, tecidos são titulares absolutos das mesas redondas femininas. Outras mulheres sacam o cartão vernelho para o futebol. Aproveitam a Copa para porem em ordem tarefas profissionais e domésticas. Para Irina Aragão, professora das disciplinas História do Design e Design de Adornos Pessoais, esse é o momento ideal para "ficar longe da baderna, do barulho e da sujeira deixada pela decoração nas ruas".

- Enquanto os jogos acontecem, aproveito para responder emails, ler livros acadêmicos ou de ficção, preparar minhas aulas de pós-graduação, corrigir trabalhos e até lavar louça - conta.

Irinina baixa a bola: futebol é um "jogo qualquer". Assim, “não há explicação para as manifestações exageradas das torcidas, que podem resultar em violência e abusos”.

A professora de Técnicas de Comunicação II Luciana Pessanha também aproveita a paz da imunidade contra o frisson da seleção. No silêncio de casa, avesso da badalação dominante, ela arremata trabalhos do mestrado em Letras. No vazio das ruas, passeia de bicicleta.

- Quando os jogos estão rolando, parece que jogaram uma bomba de nêutrons na cidade. O trânsito acaba e todos somem. A sensação é que só existe você. Isso é maravilhoso - comemora Luciana.

Embora ache o futebol "chatérrimo", assume que torce para Argentina. Do seu time, deixa de fora "a caretice e o politicamente correto". Admira Maradona, técnico argentino e uma das figuras mais representativas desta e de outras Copas, e a alegria dos hermanos em jogar bola:

- O jogo brasileiro está automatizado. Só pensa em produzir, produzir, parecem robôs. Eu gosto mesmo é da Argentina. Eles jogam com alegria. Além disso, o charme do Maradona é irresistível. Sua barba, metade branca e metade preta, está estupidamente bem feita.

Nas táticas dos indiferentes para fazer da Copa uma limonada entram também os cuidados estéticos. A estudante Livia Di Gregoriodo, segundo período de Relações Internacionais, passou a marcar unhas, cabelo e depilação no horário dos jogos. A estratégia para se livrar da concorrência deu certo:

- Saio de casa em cima da hora e ainda chego no horário. Acho que as manicures não gostam muito, mas eu adoro - brinca.

Segundo a psicóloga Tatiana Paranaguá, professora de Percepção do Departamento de Artes e Design (DAD), a busca de alternativas para ocupar o espaço do futebol faz sentido. Se o “combate” não atrai muito, é natural que se procurem outras coisas interessantes, como o físico dos atletas e o banquete cromático da arquibancada. 

- Além da beleza física, os atletas carregam o símbolo do herói, aquele pelo qual toda princesa espera. Este, sim, chega fundo na psiquê feminina - explica.

Artilheiras driblam a tradição masculina

Apesar daquelas mais interessadas nas estampas e em outros objetos à margem do jogo, o esporte conquista os corações femininos. Segundo o sociólogo Luiz Fernando Pereira, o futebol como "coisa de homem" pertence ao passado. Embora as modalidades de contato físico tenham sido dominadas pelos homens, as mulheres têm conquistado espaço crescente:

 Mauro Pimentel

- Devido à dominação masculina durante a história, os esportes envolvendo força eram restritos aos homens. Restavam às mulheres modalidades mais doces, como natação e ginástica, mas já notamos mudanças. O futebol faz parte da vida de um número crescente de mulheres. Ao mesmo tempo, descola-se da praticante de futebol a imagem da mulher áspera, que precisaria se masculinizar para exercer a atividade.

Aluna do quarto período de Publicidade, Marina Mattoso faz parte desse time. A torcedora do Flamengo joga no time Peladas Futebol Clube, que treina diariamente no campo da PUC-Rio. Ela conta que o incentivo ao esporte veio da Escola Americana, onde estudou:

- Sempre adorei futebol, desde a escola. O contato com os meninos também ajudou. Enquanto as meninas escolhiam jogar queimado, eu e mais duas amigas preferíamos jogar futebol com os meninos, que muitas vezes não gostavam - ressalva.

Frequentadora dos estádios, guarda lembranças boas, outras nem tanto:

- Fui na "final" do brasileiro em 2009 contra o Grêmio, uma das melhores experiências da minha vida. O Flamengo venceu, de virada (2 a 1) e conquistou o hexa. Fui também em todas as semifinais e finais do tri-vice do Botafogo e, infelizmente, nos jogos das Libertadores. O  que mais me marcou, para pior, foi a desclassificação na partida contra o América do México em pleno Maracanã (a derrota por 3 a 0 eliminou o time rubro-negro da Libertadores 2007).

A antropóloga Sônia Travassos lembra que futebol é "mais do que bola":

- É muito mais do que 22 caras correndo atrás dela. Torcidas, juízes, comentaristas, telespectadores, organizadores, jornalistas... Tudo está nisso que a gente chama de futebol.

Inglaterra e Holanda levam Copa da elegância

As estampas de jogadores e técnicos disputam uma Copa à parte. De terno e gravata a agasalhos esportivos e fantasias, atraem tanto olhares iniciados - nos mundos do futebol e da moda - quanto curiosos. Buscam, em boa parte dos casos, a vitória no campeonato do marketing.

 Mauro Pimentel Se dentro do campo jogadores seguem o padrão - mais flexível - dos uniformes, à beira do gramado técnicos exibem looks diferentes, não raramente controversos, alvos de mesas redondas alheias à bola. Para a professora de Técnicas de Costura Kuomey Ching, o técnico da Argentina, Diego Maradona, escorregou ao adotar o terno e a gravata. Já o técnico brasileiro conseguiu passar seriedade com o sobretudo Alexandre Herchcovitch:

- Naquele terno, Maradona ficou parecendo um anão. A sua estatura e o seu atual peso não ajudaram muito. Teria sido melhor optar por algo menos largo e mais escuro. A cor ajuda a afinar a silhueta. Quanto ao Dunga, achei que estava bem consigo mesmo. O visual trasmitiu conforto, elegância e seriedade.

Já consultora de estilo Elaine Radicetti identifica uma incoerência entre a personalidade do treinador do Brasil e o casacão escolhido. Ele teria optado pelo “estilo errado, já que é um homem discreto”. Elaine alerta para o cuidado da pessoa pública ao se vestir e explica como driblar as críticas:

- A roupa é um meio de comunicação. Cria uma imagem para quem a usa, seja condizente ou não com o usuário. A roupa indica o estado de espírito e a personalidade. O ideal, para fugir das críticas, seria adotar um traje mais discreto e confortável como o do Parreira (agasalho esportivo). Perfeito para comandar uma equipe de futebol, mais descontraída. 

Em tempos de onipresença do futebol, a roupa também serve de munição para um dos principais esportes nacionais: criticar técnicos e jogadores. Para alguns, a rivalidade Brasil e Argentina é anulada da disputa do guarda-roupa: ambos pisam na bola: 

- As roupas do Dunga são ridículas. E a formalidade do terno e gravata do Maradona não combina com campo de futebol - avalia Livia Martins, quinto período em Direito.

 Arte/Mauro Pimentel Oito seleções ainda sonham com o caneco (Brasil, Holanda, Argentina, Alemanha, Espanha, Paraguai, Uruguai e Gana), mas o troféu da elegância já tem dono na opinião de alunas, professoras, torcedoras: Fabio Capello, da Inglaterra e Bert Van Marwijk, técnico da Holanda.

- Eles combinam com o estilo de roupa que costumam vestir. É uma questão não só de estilo como cultural, de fidelidade aos países de origem. No treinador da Holanda, a combinação do paletó de dois botões casou muito bem com a camisa sem a gravata. Deu um ar descontraído ao look. O da Inglaterra combinou as três peças de um terno e o emblema do time bordado no paletó. Ficou muito elegante para a ocasião - avalia Elaine.