Projeto Comunicar
PUC-Rio

  • Facebook
  • Twitter
  • Instagram

Rio de Janeiro, 3 de maio de 2024


Campus

“Espaço para o futebol na literatura é pequeno”

Clarissa Pains - Do Portal

11/06/2010

 Camil Grinsztejn

O escritor e jornalista Marcelo Moutinho traçou um paralelo entre a paixão nacional, que toma conta de todo o país a partir da abertura da Copa, e a produção literária, na palestra A literatura nas quatro linhas. O encontro, realizado na terça-feira (08/06), foi o segundo da série Concentração: pensar a bola antes que ela role, promovida pela Cátedra Unesco de Leitura da PUC-Rio.

Atualmente, Moutinho pesquisa o futebol para uma edição especial da revista Bravo!, que será publicada em outubro deste ano. Apesar de o esporte ser, para ele, "um aspecto enraizado no imaginário brasileiro", é pouco retratado na literatura, principalmente na de ficção. De acordo com o escritor, essa não é, no entanto, uma característica apenas da literatura. O cinema, por exemplo, também não abre espaço significativo para o tema.

– A razão disso é que o futebol é uma expressão em si. Portanto, qualquer outra expressão que venha a falar de futebol será um discurso diluidor, não conseguirá abarcar todo o seu significado – disse.

Foi nas crônicas, publicadas em jornais, que o esporte conseguiu mais espaço. Moutinho explica que as histórias geralmente contam dramas humanos desencadeados a partir do futebol. O jogo em si não costuma ser retratado. As crônicas mostram, por exemplo, o olhar do goleiro ansioso, do centroavante que não consegue fazer um gol, do torcedor, do técnico à beira do campo. Nessa área, para Moutinho, o grande autor é Nelson Rodrigues, que encarava o futebol como um microcosmo da sociedade brasileira.

– Nelson Rodrigues consegue transformar uma partida banal em um épico – afirmou.

Segundo ele, o futebol deu asas a grandes polêmicas literárias no Brasil. No início da prática do esporte no país, muitos intelectuais o viam como um traço da dominação europeia, devido a sua origem inglesa. O escritor Henrique Coelho Netto, que era membro da elite e fundador da cadeira n° 2 da Academia Brasileira de Letras (ABL), no entanto, era um grande defensor do futebol. Curiosamente, seu filho, João Coelho Netto, o “Preguinho”, foi o autor do primeiro gol da seleção canarinha na história dos mundiais, na Copa de 1930. Já Lima Barreto, embora de origem popular, chegou até mesmo a fundar a Liga Contra o Foot-ball, uma associação que tentava proibir a prática do esporte. Ele acreditava que o biotipo do brasileiro – “pequeno, encurvado” – não era adequado ao jogo. O escritor defendia, em suas palavras, “o porrete, a cavalhada, a corrida de pé e a rasteira, o esporte brasileiro por excelência”.

Como se pode perceber, a aposta de Lima Barreto não obteve sucesso, e, apesar de o modernista Oswald de Andrade considerar o futebol “o ópio do povo”, o esporte acabou por ganhar até mesmo a elite brasileira. Marcelo Moutinho destacou que José Lins do Rego foi um dos primeiros escritores importantes a lançar um romance inteiro sobre futebol, Fogo morto.

– Eu não gosto muito do José Lins porque ele fala muito do Flamengo, mas para os rubro-negros, a leitura da sua obra é um belo negócio – brincou o jornalista, que torce pelo Fluminense.

Na poesia, autores como João Cabral de Melo Neto, Vinícius de Moraes e Carlos Drummond de Andrade também chegaram a tratar de futebol. Nas crônicas atuais, alguns dos nomes mais importantes a abordar o tema são Cristóvão Tezza e Luís Fernando Veríssimo. Segundo Moutinho, é ainda mais difícil encontrar histórias contadas por escritoras mulheres. Rachel de Queiróz produziu algumas e Clarice Lispector escreveu uma: Armando Nogueira, futebol e eu, coitada. A crônica foi uma resposta à “provocação” do jornalista esportivo Armando Nogueira, que afirmou apenas trocar uma vitória do Botafogo por uma crônica de Clarice sobre o futebol.  

Ao final do encontro, Moutinho leu um conto seu, intitulado Jogo contra, que foi publicado no ano passado na revista Bravo!.