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Rio de Janeiro, 27 de julho de 2024


Cultura

"Cinema cria subjetividades e metáforas visuais"

Luísa Sandes - Do Portal

02/06/2010

O livro proporciona ao leitor criar, por meio da imaginação, uma história que perpassa sua subjetividade. De certa forma, ele escolhe a aparência dos personagens, o cenário e a entonação das falas. Por isso, muitas pessoas acham que obras literárias são superiores às cinematográficas. Entretanto, na opinião do professor da Universidade de Nova York Robert Stam, essa crítica é equivocada. A preocupação dele se baseia no que um livro ganha ao ser adaptado para o cinema. O professor acredita que uma arte não anula a outra, mas possibilita uma nova interpretação da obra.

– O leitor preenche lacunas ao ler um texto. Isso tem tudo a ver com adaptação. No cinema, é preciso escolher a iluminação e os atores. No livro Madame Bovary, de Flaubert, a personagem não tem a cor do olho definida. Na adaptação da obra ao cinema, o cineasta preenche lacunas ao escolher uma atriz com uma cor dos olhos específica – disse Stam, na palestra Transtextualidade, literatura e cinema, que ocorreu ontem (01/06), na PUC-Rio.

De acordo com o professor, o preconceito em relação aos filmes tem a ver com a iconofobia, termo da Bíblia e da filosofia que denota a proibição de imagens, pois elas enganariam as pessoas. Stam defendeu o binarismo do cinema, que além da linguagem verbal, apresenta o aspecto visual. Segundo ele, essa riqueza faz com que o espectador responda de maneira visceral, com o próprio corpo. "Um livro sobre dança não dá vontade de dançar", diferente de um filme sobre o mesmo assunto. Stam também ressaltou a importância de o campo religioso abrir espaço para a representação artística, como o candomblé faz ao adotar danças, poesia, música, narrativa e fantasia nos cultos.

Para o professor Stam, o cinema cria subjetividades, movimenta emoções, inventa linguagens e metáforas visuais. O filme Brás Cubas, baseado na obra de Machado de Assis, enfrentou o desafio de levar a reflexão e as digressões do autor para o formato cinematográfico. Stam contou, ainda, que o cineasta Woody Allen adora o escritor brasileiro. “Se pensarmos bem, Woody Allen e Machado de Assis têm muito em comum, como o lado negro e a ironia”.

Segundo o professor, muitas adaptações são incógnitas, pois não se declaram novas versões de uma obra original. Como exemplo, o palestrante citou Forrest Gump, que seria baseado em Cândido ou Otimismo, de Voltaire, Patricinhas de Beverlly Hills como uma adaptação de Emma, de Jane Austen, e A rosa púrpura do Cairo, aparentemente uma versão de Madame Bovary.

Stam analisou a adaptação transcultural, como no caso de uma versão cinematográfica indiana novamente de Madame Bovary. A reprodução de estilo passou por diversos aspectos. Enquanto no livro a personagem sonha em tornar-se rica, no filme ela não tem esse desejo, pois a Índia não possibilita a mobilidade social. Além disso, o país onde a narrativa se desenvolve deixa de ser a França, como na obra original. Na reprodução de estilo, o ato de amor do casal de personagens que estava dentro de um trem (em vez de uma carruagem, como na obra original) é representado pela sua passagem por um túnel.

Para finalizar a palestra, Stam passou parte do filme Jules et Jim, de Fraçois Truffaut. O professor contou que o longa-metragem baseia-se na obra do escritor e colecionador de arte francês Henri Pierre Roché. O próprio livro é inspirado na vida do autor, que era amante assumido de Helen, esposa do seu amigo Franz Hessel. Os personagens do filme francês são protótipos de pessoas reais: Jules era inspirado em Hessel, Jim em Roché e Catherine em Helen. Stam contou que Truffaut se identificava com o escritor francês, ambos “amavam as mulheres”.

Jules et Jim é uma adaptação que vai além da obra original. O filme é completamente fiel à vida, tanto é que Helen Hessel, uma juíza autêntica dessa história, disse que "ficou transformada pelo poder mágico de Truffaut ressuscitar o que foi vivido de maneira cega, o fato de que o cineasta tinha disposição e afinidade para comunicar dimensões essenciais de emoções mais íntimas" – contou Stam.