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Rio de Janeiro, 28 de abril de 2024


Mundo

"Israel deu um tiro no pé ao atacar navio turco"

Evandro Lima Rodrigues e Lucas Soares - Do Portal

07/06/2010

Mauro Pimentel/Arte

Uma semana depois de investir contra uma flotilha turca de ajuda humanitária e matar nove tripulantes, Israel tornou a protagonizar, nesta segunda-feira (07/06), episódio violento na costa de Gaza. Soldados mataram quatro palestinos em um barco que, segundo as Forças Armadas israelenses, atacaria o país. Convertida em acidente diplomático depois daquela ação trágica, a virulência militar foi condenada mundialmente e até balançou o pacto interno pelo bloqueio econômico à Faixa de Gaza. A fatura é ainda mais extensa, avaliam especialistas. Pode comprometer a imagem do Estado judeu face à comunidade internacional e aumentar a dependência de Israel dos americanos.

Para o professor de Relações Internacionais da PUC-Rio Márcio Antonio Scalercio, especialista no conflito árabe-israelense, o ataque ao navio turco, embora grave, “não é capaz de arrastar o mundo para uma guerra”. Ele observa, no entanto, que a ação trágica prejudicou a imagem de Israel diante do mundo islâmico e dos países ocidentais, e tende a “colocar o país numa posição mais dependente dos Estados Unidos”.

Sob críticas de vilipêndio moral e legal, o ataque à fotilha da Turquia – um dos poucos países muçulmanos que reconheceram a legitimidade do Estado judeu – revela-se também grave erro estratégico, na opinião de Scalercio. Segundo ele, agora Israel caminha para um isolamento mais agudo na região. O especialista considera correta a cobrança internacional por esclarecimentos e reforça a necessidade de uma discussão, de caráter global, em favor da suspensão do bloqueio a Gaza, “pois é ilegal e, por vezes, ilegítimo”.

– Isso tudo foi uma truculência do governo israelense. Reconheço as preocupações de segurança de Israel, mas não justificam a manutenção do bloqueio sobre Gaza, muito menos uma ação como essa – afirmou o professor, referindo-se à investida trágica contra o navio turco Mavi Marmara, há sete dias.

Arthur Bernardes do Amaral, professor do Departamento de Relações Internacionais, também acredita que a origem do problema está no bloqueio israelense. Se a Faixa de Gaza não sofresse tantos bloqueios, possivelmente o navio turco não teria de levar ajuda humanitária à região, argumenta. Ele defende uma investigação mais rigorosa e cobranças mais profundas do que sugere o fogo diplomático. Bernardes do Amaral está convicto de que Israel “deu um tiro no pé”:

– A imagem do país ficou comprometida. Essa ação tende a isolar o país na região.

Segundo ele, a justificativa das autoridades israelenses “não foi razoável”. O agravante, observa o professor, foi o ataque ter acontecido em águas internacionais, desrespeitando, portanto, as leis de direito internacional.

Flickr O ministro das Relações Exteriores de Israel, Avigdor Lieberman, alegou que os passageiros da flotilha turca não estavam em missão de paz. Segundo ele, terroristas atacaram os militares das Forças de Defesa de Israel (FDI) quando estes abordaram a embarcação. O chanceler afirmou, em nota oficial, que "todas as tentativas de Israel para dialogar e alcançar um entendimento com organizadores da flotilha foram rejeitadas".

Autoridades de Israel informaram que 50 dos 680 "ativistas" foram encaminhados para o aeroporto internacional do país para serem deportados e 30 estavam hospitalizados. Os outros teriam se recusado a se identificar e foram levados para prisão. O ataque provocou protestos e críticas da Organização das Nações Unidas, da União Europeia e de diversos países, como França, Irã e Turquia, que apoiavam a missão humanitária. Protestos sucederam-se em diversas capitais europeias (foto).

Nove ativistas pró-palestinos, turcos na maioria, foram mortos. Participavam também da missão americanos, israelenses, palestinos, europeus e a cineasta brasileira Iara Lee. Na quarta-feira passada, Iara seguiu para Nova York, onde mora, logo após o governo israelense deportar os ativistas detidos.

Intransigências sem fim

O ataque ao navio turco representa o mais recente dos capítulos frequentemente trágicos que compõem um conflito secular. No século XIX, judeus sionistas expressaram o desejo de criar um Estado moderno em sua terra ancestral e começaram a criar assentamentos na região, controlada pelo Império Otomano. Seguiria-se uma disputa marcada por violências e controvérsia, entremeada por ciclos de negociações de paz.

Tanto israelenses quanto palestinos reivindicam sua parte da terra com base na história, na religião e na cultura. Em 1948, a ONU tentou atender a reivindicação legítima dos judeus de terem "um território soberano" e criou o Estado de Israel. A intenção inicial seria criar dois Estados: israelense e palestino, com a cidade sagrada de Jerusalém dividida entre os dois (a parte ocidental para os judeus e a oriental para os muçulmanos). Israel nunca aceitou a divisão de Jerusalém, tampouco a existência de um Estado palestino. Por sua vez, os muçulmanos também não se conformaram com a existência de um Estado judeu.

Conveniências políticas e econômicas misturaram-se a controvérsias religiosas, geográficas e culturais, aumentando os nós do impasse milenar. Planos de paz costurados pela ONU, pelos Estados Unidos, pela União Europeia e pela Rússia fracassaram. Na falta do diálogo, a violência prevalece de forma sistemática.